A luta pela terra em Araponga (MG) garantida pela agroecologia
Araponga (MG) – A história da comunidade Novo Horizonte, em Araponga, zona da mata mineira, é emblemática no vínculo da luta pela terra com a agroecologia. Ao todo são 84 hectares, e o que era antes um latifúndio se tornou 30 propriedades mais a Escola de Família Agrícola Puris (EFA). São quatro escrituras, por meio da Conquista Coletiva de Terras, que legitimam as áreas coletivas compradas. Essa foi uma das visitas realizadas durante a Caravana Agroecológica e Cultural da Zona da Mata.
O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Araponga, fundado em 30 de julho de 1987, que desempenhou papel fundamental nesse processo, é fruto das atividades das Comunidades Eclesiais de Base (CEB) na região. Os agricultores eram quase escravos, e passaram a se organizar para garantir seu pedaço de terra. Outras organizações parceiras também foram muito importantes nessa história. Muitos foram perseguidos e ameaçados de morte, ainda que estivessem interessados em comprar as terras.
Seu Paulinho, agricultor e uma das lideranças na região, disse que só em 2013 já recebeu 16 visitas para intercâmbio de experiências agroecológicas e sistemas agroflorestais. Para ele, seria inútil falar em agroecologia sem primeiro tocar na questão da terra. “É fundamental acessar a terra para fazer agroecologia. Aprendemos com os nossos pais, depois as entidades ajudaram. Antigamente eu era assalariado, essas terras eram de um fazendeiro, então um passo principal para trabalhar agroecologia é dividir as terras por menor que ela seja”, destacou.
Niuton Teontônio, mais conhecido como Seu Neném, é outro agricultor que foi liderança nesse processo histórico. Ele reforça esse ponto de vista, pois defende que na terra dos patrões os agricultores não têm liberdade para realizar a plantação agroecológica. O camponês também alerta para a questão da juventude. “Os filhos também querem terra, não querem ser empregados dos pais. A juventude quer ter o que lhes é de direito. E a agroecologia é vida. Onde vocês chegam na natureza e veem que tem muita borboleta, por exemplo, pode ter certeza que é agroecologia”, exemplificou.
Depois do acesso os agricultores focaram na diversificação da plantação, porque na época a terra era muito degradada pela monocultura do milho e dos pastos para pecuária. Um trabalho permanente de recuperação do solo e das nascentes há cerca de 25 anos. Eles explicam que agroecologia não tem padrão, vai de acordo com o olhar do agricultor e da região. Por isso, plantam leguminosas entre os pés de café, reflorestam as espécies nativas, buscam fortalecer e preservar as plantas e animais. “A gente leva em conta tudo que existe no solo e coloca novas plantas em pequenas áreas, assim recuperamos o solo, a água, os animais, etc”, afirma Paulinho.
Aonde chegou a ter cinco árvores hoje tem aproximadamente 5 mil, além de 400 mudas cultivas, calcula o Paulinho. Ele possui um terreno de aproximadamente 3 hectares. A produção alimentícia melhorou 1000%, complementa. Segundo ele, sua propriedade só não é mais demonstrativa por falta de recursos e mão de obra. Paulinho começou com um financiamento do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), mas hoje evita pegar recurso do governo: “Tem que mudar essa metodologia do trabalhador rural trabalhar”, diz.
Antigamente ele se virara através dos agiotas, enquanto o fazendeiro tinha fácil acesso ao banco, então reconhece as melhorias com a chegada de programas governamentais embora critique a padronização dos critérios das políticas públicas para os agricultores. “Ainda não está adequado aos agricultores, o conceito para lei geral do Brasil tem que sofrer mudanças. Não chega em muita gente, tem que ir de baixo para cima. Quem está com fome come qualquer coisa madura, mas a gente vai vender e nos exigem um padrão. O mundo grita por alimento saudável, precisamos mobilizar o agricultor e os consumidores”, afirmou.
Num debate mais amplo sobre modelo, os agricultores relatam a dificuldade de mobilizar mais camponeses para a agroecologia diante de um modelo hegemônico no sistema capitalista. Eles acreditam que, por conta das desigualdades, o agronegócio tem prevalecido e dificultado a organização dos trabalhadores. “Aqui em Araponga um recurso do Banco do Brasil que dava para 200 famílias foi para um fazendeiro só, isso ainda é uma herança da escravidão. Mudaram o formato, mas ainda vivemos num sistema com desigualdade que precisa ser mudado”, ressaltou Paulinho.
Seu Nénem, por sua vez, critica os representantes que estão em Brasília e os acadêmicos. “O Congresso e o Senado são o problema do Brasil, e as pessoas não se movimentam mais. Os pesquisadores também não escrevem o que nós falamos: sentir às vezes é mais importante que saber, porque você sabe aonde dói”, disse seu Neném.
Hoje a luta desses agricultores virou política pública do Governo Federal, com o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Alguns agricultores, no entanto, avaliam que com a conquista da terra o movimento ficou desmobilizado de modo a dificultar a luta por outras reivindicações. O clientelismo, por exemplo, é uma preocupação desses agricultores que observam alguns vícios da máquina pública. “O crédito fundiário não sai, é muita burocracia. Precisa também tirar as áreas de preservação”, critica Neném.
Matéria indicada por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), para EcoDebate, 03/06/2013
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