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10 anos do PT no poder: Da utopia à distopia?

 

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re) leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário

Grande transformador social ou o grande articulador do capitalismo brasileiro?

Ausência de criatividade e ousadia
Social democracia mínima
Abandono do projeto ético
Governismo versus esquerdismo
Modelo econômico e governança
Esvaziamento do movimento social

 

Eis a análise.

Na festa do PT realizada no dia 20 de fevereiro desse ano para celebrar os seus 33 anos de existência e 10 anos de poder, um gigantesco painel (foto) destacava-se com a imagem estilizada de Lula e Dilma. De um lado Lula, liderança maior da história do partido e de outro Dilma, a presidente que simboliza o PT no poder.

No painel estão registradas as conquistas da década do PT no poder: de um lado, uma família traduzindo a mobilidade social de milhares de brasileiros resultante do sistema de assistência social implantando pelo PT sobretudo pelo Bolsa Família e das políticas de ativação do mercado interno e, de outro, um operário traduzindo o “pleno emprego” no mercado brasileiro e a valorização do trabalhador via aumento real do salário mínimo.

Aparece ainda no painel, o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ – simbologia forte de que com o PT no poder o sonho da casa própria está sendo viabilizado.  Ao fundo do painel à direita e à esquerda, a clássica imagem esmaecida do campo e da cidade. Alusão de um partido e de um governo que se preocupa com o mundo urbano e rural.

No principal discurso da noite, Lula afirmou que esse é “um governo que não tem medo dos números” numa clara referência ao fato de que a década do PT no poder significou enormes avanços quando comparada com a década perdida da ‘Era FHC’. O balanço do PT de sua gestão é que o país assistiu a uma “década da inclusão social”.

De fato cumpriu o PT as expectativas que dele se aguardava? O partido tem feito um governo efetivamente de esquerda? As respostas a essas perguntas são objeto de grande controvérsia. Há aqueles que vibram com o governo do PT e veem uma gestão exitosa e coerente com sua história e programa e há aqueles que fazem uma análise crítica, lamentando a perda da chance histórica na efetivação de mudanças de fundo na contramão da modernização conservadora brasileira processada nas últimas décadas, particularmente a partir dos anos 1930.

O balanço da década do PT no poder foi tema da revista IHU On-Line nº 413, de 01-04-2013, intitulada “Partido dos Trabalhadores, 10 anos no poder. Um governo de esquerda?”.

A análise que segue sobre o desempenho do PT no poder toma como referência principal os entrevistados pela revista IHU On-Line – os cientistas político Werneck Vianna e Luiz Gonzaga de Souza Lima, os filósofos Vladimir Safatle e Renato Janine Ribeiro, o psicanalista Tales Ab’Sáber, o historiador Valter Pomar, o economista Claudio Salvadori Dedecca e os sociólogos Francisco de Oliveira e Rudá Ricci. Completa a análise reportagens, entrevistas e artigos das ‘Notícias do Dia’, publicadas diariamente no sítio do IHU.

Grande transformador social ou o grande articulador do capitalismo brasileiro?

A chegada do PT dez anos atrás ao poder foi saudada como a possibilidade de uma “refundação do Brasil” e o início de uma “Nova Era”. Foi traduzida como o coroamento da longa jornada de lutas do movimento operário, camponês e estudantil travada desde os anos 50, interrompida pelo golpe militar, e retomada nos anos 70. A ascensão do PT ao governo foi cercada de enormes esperanças e expectativas na efetivação de reformas estruturais e vigorosa resposta ao Consenso de Washington traduzida nas políticas neoliberais que castigavam o país e todo o continente latino-americano.

Conseguiu o PT responder a esses desafios? Segue uma síntese da análise do significado dos 10 anos do PT no poder pelos entrevistados pela IHU On-Line.

Na análise do cientista político Werneck Vianna o PT veio ao mundo com uma missão, a de transformar, mas aos poucos foi capitulando. Segundo ele, o PT “foi se tornando uma presença tradicional na política, o que não quer dizer que não ative ainda reformas, só que reformas pontuais, porque na verdade, o PT se tornou o grande operador do modo do capitalismo brasileiro”.

Segundo Werneck, “é inquestionável que o PT foi eleito pela esquerda, a começar pela própria natureza da sua principal liderança, um operário metalúrgico, de chão de fábrica, com apoio do movimento sindical brasileiro à sua candidatura, de movimentos sociais muito relevantes e o seu compromisso com os temas sociais”. Então, diz ele, “no governo, o PT se empenha em realizar pelo menos uma parte do seu programa”. Porém, destaca o sociólogo da PUC-Rio, “as dificuldades eram muito grandes e o seu projeto originário de reformas teve que ser abandonado em nome da governabilidade”.

Para Werneck, o tema da governabilidade marca de forma muito poderosa sua história de governo: “Essa governabilidade diz que as alianças tinham que ser ampliadas, importava sobretudo reter a máquina governamental em suas mãos, o que faz com que o partido se torne, com o passar do tempo, progressivamente um partido de vocação eleitoral e não de mobilização popular”.

Conclui Werneck Vianna: “Não foram anos de enraizamento, de aprofundamento de uma cultura de esquerda no país. Do ponto de vista da esquerda, tudo está por fazer”. O sociólogo diz que na essência o PT não enfrentou os grandes potentados – agronegócio, finanças, grande indústria, oligarquias –, esses, em sua análise, continuaram sendo os que mais ganharam nos últimos dez anos.

Ausência de criatividade e ousadia

O filósofo Vladimir Safatle é outro que partilha da ideia de que o PT ficou distante da realização de um governo que possa ser chamado de esquerda.

Em sua análise, faltou ousadia ao PT. Diz ele: “Qual deveria ter sido a função de um novo momento [o PT no poder] do ponto de vista econômico e social no Brasil? Era fazer um investimento maciço na construção de grandes sistemas de serviço público. Lutar pela construção de algo parecido a um Estado do bem-estar social. Isso não foi feito e nem existe um plano do governo que diga, por exemplo, que daqui a 15 anos teremos todo um sistema de ensino médio público”.

Segundo ele, não foi feito nada parecido “porque isso exigiria um novo modelo de financiamento do Estado, uma reforma tributária de esquerda, que pegasse o dinheiro das classes mais ricas, taxasse a renda e as fortunas delas para usar esse dinheiro com o intuito de financiar esse novo sistema do serviço público brasileiro”. De acordo com ele, “já se passaram dez anos desde o primeiro governo Lula e dez anos depois não há sequer um projeto no Congresso Nacional para a taxação de grandes fortunas. No interior do lulismo, todas as políticas que poderiam radicalizar conflitos de classe foram e serão evitadas”.

O professor da Usp comenta que por outro lado com o PT no poder nesses dez anos “não houve nenhum avanço na constituição de algum tipo de democracia direta”. Segundo ele, “as decisões do governo continuam sendo completamente permeadas por sistemas obscuros de interesses dos setores mais tacanhos da sociedade brasileira, sem que nenhum tipo de aprofundamento da democracia plebiscitária ou de uma constituição da participação popular mais efetiva tenha sido sequer tentado. Tudo isso demonstra uma espécie de fim da criatividade política institucional desse ciclo”.

Na opinião de Safatle, “o que o PT entendeu nesses 10 anos foi que gerir e administrar o poder significava garantir as condições mínimas de governabilidade com o Congresso Nacional”. Segundo ele, “dentro dessa lógica, não existe muita coisa a ser feita a não ser aquilo que já foi feito”.

Para o filósofo, o PT pecou pela falta de ousadia, criatividade. O que faltou? Diz ele: “Gerir o poder é instaurar um processo de reforma que faça com que cada vez menos se seja dependente dos setores mais atrasados da vida social. É importante cada vez menos ter que gerenciar o atraso transformando paulatinamente os processos decisórios do governo em direção à democracia direta. Essa era a saída e a esse respeito nada foi tentado”.

Para Safatle a experiência dos dez anos de poder no PT é frustrante: “Para qualquer partido de esquerda o problema central vai ser sempre a desigualdade social, econômica e de direitos. E de fato, num primeiro momento, foi esse o problema que apareceu como foco central do PT. Só que esse problema está cada vez mais difícil de ser encontrado como prioridade do governo. Falta um novo ciclo de políticas de combate à desigualdade. Esse é um sintoma da mortificação política. Do ponto de vista intelectual, temos a estabilidade do cemitério. Por isso, diria que a função deste ciclo terminou”.

Ainda mais rigoroso e severo na análise, o sociólogo Francisco de Oliveira questionado se o PT manteve um projeto de esquerda ao longo dos 10 anos em que se encontra à frente da presidência da República, foi enfático: “Não, de forma nenhuma”. E afirmou: “o PT não é mais o partido da transformação e, sobretudo, uma transformação já na direção do socialismo. O PT aburguesou-se. O projeto do PT hoje, como o de todos os partidos, é manter-se no poder e ponto”.

Social democracia mínima

Outro entrevistado pelo IHU On-Line, o psicanalista Tales Ab’Sáber faz também um balanço duro dos dez anos do PT no poder. Segundo ele, no poder “o partido aceitou as decisões conservadoras sobre a política econômica, dando garantias de contratos ao grande capital, aceitou a gestão fisiológica, e mesmo corrupta, da máquina política de Brasília, expulsando inapelavelmente a esquerda do partido”.

Na análise de Tales Ab’Sáber foram as quatro posições assumidas pelo governo Lula: 1) aceitação da real politique fisiológica e arcaica brasileira; 2) manutenção dos contratos e dos preços do capitalismo financeirizado brasileiro de então, com autonomia e garantia de gestão pró-mercado do Banco Central brasileiro; 3) políticas de investimento e de aumento de renda, via transferência e via crédito, para os muitos pobres, visando a dinamização e o aumento do mercado interno e 4) aberta e calculada política da imagem de Lula, junto aos pobres e à indústria cultural global, ao ponto dele chegar a alcançar um novo nível de mistificação política, o do carisma pop.

Com estas ações, diz ele, “se produziu um novo e raro pacto social entre capital, trabalho e pobreza no Brasil, em uma espécie de social democracia mínima, que levou à verdadeira hegemonia política lulista ao final de seu segundo mandato, em 2010”. Afirma Tales Ab’Sáber: “os pobres estão satisfeitos no consumo, os ricos estão liberados e felizes”.

Outro entrevistado pelo IHU On-Line que considera frustrante o desempenho do PT no poder é o cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Segundo ele, “os erros do partido e do governo são imensos”. Entre eles, o autor da obra A refundação do Brasil. Rumo à sociedade biocentrada cita: 1 – perda de conteúdo utópico,  as composições políticas, as alianças necessárias para alcançar e manter o poder e a absorção das esquerdas nos padrões éticos tradicionais da política brasileira; 2 – acomodação com a realidade do estado de negócios e com o modo tradicional como as elites organizaram as relações entre ocupação de cargos públicos e a economia da empresa Brasil; 3 – o projeto político se transformou em um simples projeto de poder.

Como exemplo da distopia do PT, o cientista político cita o abandono do tema da Reforma agrária, a incapacidade de equacionar a questão indígena e a prática de uma política ambiental atrasada e em franco antagonismo com as perspectivas utópicas dos programas originários das esquerdas brasileiras. Arremata ele: “O sonho de um modelo de desenvolvimento alternativo se dissolve a cada acordo com o agronegócio e, sobretudo, com as grandes empreiteiras. As grandes empreiteiras terminaram por entrar no pacto de poder, ao lado dos bancos, das multinacionais e do agronegócio”.

Acerca da questão indígena citada anteriormente pelo cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima, o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Roberto Antonio Liebgott na entrevista ao IHU On-Line afirma que o PT no poder tem sido um desastre: “A relação deste governo, e dos que o antecederam, está muito longe de ser comprometida com o projeto de vida, de justiça e dignidade dos povos indígenas.”

Segundo ele, “lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil analisam que as opções dos governos petistas foram pelo boi, pela soja, pelo agronegócio, pelas empreiteiras e empresas de energia elétrica (os barrageiros)”.

O sociólogo Rudá Ricci é outro que faz um balanço crítico dos dez anos do PT no poder. Segundo ele, “o PT que assumiu o poder há 10 anos não é o mesmo de 2003, é mais dócil, mais entranhado na lógica neoclientelista, perdeu a utopia. É o partido da ordem”. Do ponto de vista ideológico, diz ele, “o PT se acomodou às clássicas ideologias de esquerda que tanto criticou na sua origem: estatismo, centralismo, personalismo, burocratização. O PT se tornou o PCB  do século XXI”. Destaca Rudá, “entre capital e trabalho, Lula preferiu ficar com os dois. Procurou compor interesses. Criou um ambiente de estabilidade política ao domesticar movimentos sociais e organizações populares”.

Abandono do projeto ético

Há ainda outro tema que emerge nas entrevistas e pelo qual o partido é criticado nos seus 10 anos de poder, o tema da ética: “O PT, na oposição, tinha duas bandeiras centrais: o combate à ausência da ética na política e a luta contra a miséria e a pobreza. Ficava claro que lutar contra a pobreza extrema era ético, e reciprocamente. Ou seja, não se separavam a agenda moral e a social do partido”, destaca o filósofo Renato Janine Ribeiro na IHU On-Line.

Segundo ele, “isso é preocupante, porque seu lugar ficou vazio”. Na opinião de Janine Ribeiro, “não existe mais o partido diferente de todos os outros. Não há mais um projeto ético que procure mudar toda a sociedade brasileira. A sociedade está mudando, mas o aumento do poder de compra é mais importante, no governo do PT, do que eram as utopias petistas, por exemplo, no que se referia à cultura e à educação. O lugar da ética na política ficou vazio, e o único grupo que pode aspirar a ocupá-lo é o dos verdes. Perto disso, a hipoteca do sistema financeiro sobre a política é apenas um aspecto, não traduzindo o essencial: que se perdeu boa parte da fé na política”. Para Janine Ribeiro, o partido hoje é valorizado pela sua política de inclusão social, mas não mais pelos seus princípios éticos.

O filósofo Vladimir Safatle também comenta que o tema da ética é importante para a esquerda e que não se pode tergiversar sobre isso. Segundo ele, “muitas vezes queremos acreditar que a revolta contra a corrupção é só uma pauta da direita”, porém diz ele, “só que se esquece que existe, na verdade, uma força política progressista dentro das demandas éticas”. O problema afirma Safatle, “não é o Estado, mas é a forma como o Estado foi privatizado, servindo como caixa de ressonância de interesses privados completamente escusos de grandes empreiteiras, do sistema financeiro, de grandes empresas. E é esse vínculo que deve ser cortado de uma vez por todas; esse vínculo incestuoso entre o setor econômico, hegemônico e a máquina do Estado”.

Isso significa, afirma o filósofo, “utilizar a indignação ética como uma arma fundamental de transformação política e institucional, só que isso a esquerda não consegue mais fazer, por ela ter se aproveitado das fragilidades da estrutura institucional brasileira, em vez de ter tentado modificá-la”.  Para Safatle, “isso é imperdoável e as consequências disso serão cobradas de uma maneira muito forte”.

Governismo versus esquerdismo

Parcela das críticas anteriores é contestada pelo membro do Diretório Nacional do PT Valter Pomar. Para Pomar não contribui para o debate nem “o governismo exacerbado, que só tem olhos para o que é possível fazer aqui e agora, atacando qualquer postura crítica; e nem um esquerdismo também exacerbado, que só tem olhos para o objetivo final, desconsiderando qualquer análise realista da correlação de forças”.

O historiador reconhece que “ainda não conseguimos superar a herança neoliberal, porque não conseguimos fazer as reformas estruturais necessárias para superar o desenvolvimentismo conservador e, principalmente, porque não estamos conseguindo implementar algumas tarefas estratégicas, a saber: a reforma política no sentido amplo da palavra, a democratização da comunicação social, a politização e organização dos setores que ascenderam socialmente durante estes dez anos, bem como das novas gerações”.

Pomar não concorda, porém, com as análises que considera o PT e seu governo como refém do capital e até mesmo como um “inimigo” a ser combatido. Segundo ele, “há formas mitigadas de esquerdismo entre setores da intelectualidade brasileira, que organizam sua análise da realidade a partir de uma premissa falsa, a saber: a de que o PT seria a força hegemônica na sociedade brasileira, confundindo governo com poder e, por tabela, atribuindo ao Partido dos Trabalhadores a responsabilidade por uma situação que decorre da hegemonia realmente existente”.

É bom lembrar sempre diz ele que “ainda vivemos num país marcado pela herança neoliberal, hegemonizado pelo grande capital e pelas forças de centro-direita. Isso não quer dizer, obviamente, que o PT não possa e não deva ser criticado, especialmente quanto à maneira como ele busca superar a herança neoliberal e a hegemonia da centro-direita e do grande capital”.

Na perspectiva anterior, o economista Claudio Salvadori Dedecca destaca que “se olharmos a situação do país em 2003 e hoje, e quais foram os resultados sociais que o país alcançou ao longo de 10 anos, talvez pudéssemos dizer que a política foi de esquerda, porque gerou alguma redistribuição de renda no país, gerou emprego, fortaleceu o setor produtivo”.

Segundo ele, “o grande aspecto positivo que o governo do PT produziu foi uma vinculação muito estreita da necessidade de provocar um desenvolvimento na base produtiva com geração de emprego. E, mais do que isso, ampliou essa perspectiva com políticas de renda, como foi o caso do salário mínimo, do Bolsa Família, que tiveram um papel importante no sentido de fortalecer as condições de vida da população mais pobre”.

Entretanto, comenta Dedecca, “isso ainda não é suficiente para fazer uma transformação significativa das condições de vida da população brasileira. Investimentos em educação, saúde, saneamento e reforma agrária são fundamentais para uma transformação social mais robusta do país. Só que isso leva tempo e muitas vezes essas iniciativas são constrangidas pelo calendário eleitoral”.

Modelo econômico e governança

Duas críticas fortes emergem ainda ao PT e sua década de exercício do poder: 1 – a crítica ao modelo que permanece subsumido à lógica do capital e a incapacidade de enfrentá-lo quando necessário; 2 – a opção por uma governabilidade que tornou o partido e governo refém das forças conservadoras.

Na análise de Luiz Werneck Vianna, “O nacional (no Brasil, hoje) é subsumido à lógica da modernização econômica, que, na nova tradução que lhe concede o governo, passa a ser um processo conduzido condominialmente pelo poder político, pela tecnocracia e pelo grande empresariado, novo ator ativo na tomada de decisões, ao contrário dos surtos modernizantes anteriores, em que o poder político agia monocraticamente”.

Segundo ele, “sob esse estatuto de acento bismarkiano, o nacional se apresenta sem vínculos com a agenda da sociedade civil, que se tem orientado, desde a democratização do País, em torno da agenda de direitos. Nesse registro, quando muito, a sociedade civil é vista como uma beneficiária indireta dos êxitos da acumulação capitalista resultante dos econômicos bem-sucedidos no interior de nossas fronteiras e fora delas”. Trata-se pois diz Werneck Vianna “de um projeto nacional grão-burguês, que manipulações ideológicas ora em curso pretendem aproximar retoricamente da configuração do ideário nacional-popular”.

Na análise do sociólogo Cândido Grzybowski, “o modelo econômico que foi reativado pelos governos do PT aponta as mesmas opções estratégicas de antes: exportações baseadas em ‘commodities’ minerais e agrícolas, agronegócio, grandes projetos sob a liderança de grandes grupos econômicos e financeiros, energia mesmo ao custo de impactos socioambientais, industrialização e consumismo individual como condição”.

Segundo o filósofo Vladimir Safatle “o governo escolheu alguns players globais, que vão se transformar em empresas multinacionais brasileiras, financiou tais empresas com dinheiro do BNDES e acabou por produzir uma oligopolização da economia, o que é imperdoável”. O projeto desse modelo, destaca o sociólogo José de Souza Martins “é apenas ou sobretudo incluir e integrar, não se trata de superar e de transformar, mas de aderir”.

Na análise de André Singer, autor de comentado estudo sobre o lulismo – o PT arquivou o seu radicalismo em 2002 com a Carta ao Povo Brasileiro. “O que estava lá? Um conjunto de garantias ao capital de que o PT não faria um governo de ruptura. Foi uma mudança de fundo. De um partido de confronto para um partido de não confronto com o capital”, afirma. Para Singer, entretanto, o partido e mais que o partido o lulismo simultaneamente executaram políticas de combate à pobreza capazes de ativar o mercado interno e diminuir a desigualdade social, cumprindo uma parte importante do programa original do partido.

Outra condicionante impediu o governo dos 10 anos do PT em avançar em rupturas e assumir uma agenda mais ousada na área social. A política de alianças foi uma delas. Ancorado na tese da governabilidade, o governo fez acordos com forças conservadoras para governar e viu o seu poder de fazer mudanças restringidas por essas forças.

O enorme leque de partidos – amplo, gelatinoso e de espectro ideológico conservador – que se encontra na base do governo desde o seu início foi um freio para enfrentar fortes interesses econômicos. O governo se tornou refém dessa lógica. Não conseguiu enfrentar os interesses do agronegócio, do capital produtivo e financeiro porque em tese argumenta que precisa deles para poder governar.

Esvaziamento do movimento social

Os 10 anos do PT no poder “esvaziou” o movimento social do qual o partido é originário. Três movimentos convergiram para esse processo.

Primeiro, centenas de dirigentes, ativistas e militantes foram para o governo. Uma vez no governo, parcela significativa e majoritária dessa militância assumiu interlocução com os seus movimentos de origem reproduzindo o discurso de que agora o governo avançaria na implementação da agenda dos movimentos e contribuíram para o arrefecimento das mobilizações, articulações e lutas.

Segundo, o governo passou a pautar parte do movimento social ao agendar, por exemplo, as Conferências Nacionais no debate de temas específicos, ato contínuo e combatendo o discurso da criminalização dos movimentos passou a receber reiteradamente os mesmos no Palácio do Planalto com o discurso de permanente diálogo e aparente sensibilidade às demandas apresentadas.

Terceiro, o decréscimo de conflitos na relação com o governo do PT deve-se também ao fato de que muitos movimentos sociais optaram pela distensão quando não atitude colaborativa com o governo.

Nesses 10 anos do PT no poder, um paradoxo se instalou. Melhorou a interlocução, mas não necessariamente o fluxo, encaminhamento e resolução das reivindicações. O governo e o seu modelo desenvolvimentista falou quase sempre mais alto que os interesses dos movimentos sociais.

O painel da festa dos 10 anos do PT no poder citado no início dessa análise traduz a forte metamorfose no que se transformou o PT nesses dez anos. Nele, nenhuma referência aos movimentos sociais que estiveram na origem do partido.

(Ecodebate, 17/04/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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