A economia ecológica e evolucionária de Georgescu-Roegen, por Andrei Domingues Cechin e José Eli da Veiga
A economia ecológica e evolucionária de Georgescu-Roegen, por Andrei Domingues Cechin e José Eli da Veiga
Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) foi um matemático e economista heterodoxo romeno cujos trabalhos resultaram no conceito de decrescimento econômico. É considerado como o fundador da bioeconomia.
A economia ecológica e evolucionária de Georgescu-Roegen
Andrei Domingues Cechin*; José Eli da Veiga
ABSTRACT
The ecological and evolutionary economics of Georgescu-Roegen. The main argument of this paper is that Georgescu-Roegen’s contributions represent a major disruption with economics’ pre-analytic vision. He rejected at the same time both the closed and circular view of the economy and the mechanic analogies that oriented economics in the past century. Even though his influence has been felt mainly in the field of ecological economics, his epistemological contributions represent a major challenge to equilibrium thinking. Nowadays, treating economic systems as complex and evolutionary systems is becoming not only acceptable, but also a trend in the way political economy is made. We defend that Georgescu-Roegen’s disruption represents a scientific revolution in economics, in the sense attributed by Kuhn.
Keywords: Georgescu-Roegen; ecological economics; evolutionary economics; sustainability; paradigm.
JEL Classification: Q51; Q57; A12; B52.
INTRODUÇÃO
Multiplicaram-se nos últimos tempos os sinais de que se aproxima a reabilitação de um dos mais geniais pensadores do século passado, Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994). Recentemente num artigo sobre o controle do uso de energia, Martin Wolf (2007), colunista do Financial Times afirmou o seguinte: “A economia neoclássica analisava o crescimento econômico em capital, mão de obra e progresso técnico. Mas hoje creio que seria mais esclarecedor conceber os principais propulsores da economia como energia e ideias. Instituições e incentivos dão a estrutura básica por meio da qual o desenvolvimento e a aplicação de conhecimento útil transforma a luz solar fossilizada da qual dependemos na corrente de bens e serviços que apreciamos”. A maior contribuição de Georgescu-Roegen foi mostrar que a ocorrência de mudanças qualitativas na economia não é nenhuma questão periférica. Mesmo num nível físico básico, há sempre algum tipo de mudança qualitativa, qual seja, a transformação de energia “útil” em energia “inútil”. O sistema produtivo o que faz? Transforma recursos naturais em produtos que a sociedade valoriza. Mas não é só. Essa transformação produz necessariamente algum tipo de resíduo, que não entra de novo no sistema produtivo. Se a economia pega recursos de qualidade de uma fonte natural e despeja resíduos sem qualidade para a economia de volta para a natureza, então não é possível tratar a economia como um ciclo fechado e isolado da natureza.
O romeno Georgescu-Roegen, matemático e estatístico de formação, se iniciou em Economia com Joseph Schumpeter no período que passou em Harvard de 1934-36. Nesse período foi membro de um grupo de estudos que reunia economistas como Wassily Leontief, Oskar Lange, Fritz Machlup, Nicholas Kaldor, e Paul Sweezy, além do próprio Schumpeter (Beard & Lozada, 1999; Dragan & Demetrescu, 1986; Maneschi & Zamagni, 1997). Enquanto estava em Harvard, escreveu quatro artigos importantes para a teoria do consumidor e para a teoria da produção. O artigo “The Pure theory of consumer Behaviour” de 1936 foi considerado um clássico por Paul Samuelson, ao escrever, em 1966, o prefácio do livro-coletânea de Georgescu-Roegen, Analytical Economics. O prefácio de Samuelson tinha ainda a seguinte observação sobre o autor: “Mesmo sendo um especialista na Matemática, ele é imune aos charmes sedutores desse instrumento, sabendo usá-lo de maneira objetiva e pé no chão”.1 O chamou de “professor dos professores”, e de “economista dos economistas”. No final do prefácio desafiou qualquer economista informado a permanecer complacente depois de refletir sobre a introdução do livro.
Curiosamente, o mesmo Samuelson que elogiou Georgescu-Roegen foi também quem o baniu da comunidade dos economistas dez anos mais tarde na décima edição do livro-texto Economics. Em poucas linhas professores e estudantes de Economia foram advertidos que ele não podia mais ser aceito porque se embrenhara pela obscura Ecologia, uma disciplina que os economistas ainda hoje acham tão estranha e suspeita quanto à quiromancia. Georgescu-Roegen já havia tentado reformular a teoria do consumidor com base em pressupostos de comportamento mais realistas do que a noção de homem econômico agindo mecanicamente. Mas foi sua crítica à representação convencional do processo produtivo que gerou o anátema com essa comunidade. A saída da metáfora Mecânica passa pelo abandono da visão da economia isolada da natureza, e pela adoção da visão da economia como parte de um ecossistema vivo e atuante. Até o final da década de 1960, entre as diferentes escolas de pensamento econômico, não se questionou essa visão da economia isolada da natureza. Uma crítica profunda ao mecanicismo e à concepção do processo econômico como sendo circular e isolado da natureza só seria feita por alguém da profissão com os trabalhos de Georgescu-Roegen. Por isso, o principal objetivo deste artigo é mostrar como suas contribuições representam uma ruptura com o paradigma dominante na Economia.
O PARADIGMA
Fechado e circular
É no livro-texto que o aprendiz forma uma visão do que é a economia, de quais são seus problemas típicos, e de como representá-la visualmente. São os diagramas e equações que permitem uma visão do que é considerado realmente importante. O melhor exemplo da visão do sistema econômico é o modelo visual que explica em termos gerais a organização da economia, chamado de diagrama do fluxo circular. Tal diagrama ilustra a relação fundamental entre a produção e o consumo, e pretende mostrar como circulam produtos, insumos e dinheiro entre empresas e famílias.
A visão que se tem do sistema econômico é a de um sistema fechado e circular. Fechado, pois não entra nada de novo e também não sai nada. E circular, pois pretende mostrar como circulam o dinheiro e os bens na economia. Trata-se de um dos exemplos compartilhados por todos que se iniciam na profissão. Para ficar claro o que se quer dizer com “exemplos compartilhados”, vale citar Thomas Kuhn (1995, p. 234): “O estudante descobre […] uma maneira de encarar o problema como se fosse um problema que já encontrou antes. Uma vez percebida a semelhança e apreendida a analogia entre dois ou mais problemas distintos, o estudante pode estabelecer relações”. Não é por acaso que a ideia de exemplos compartilhados representa a definição menos ambígua e mais apropriada de “paradigma”.2 Mark Blaug (1988) sustenta que este termo só deveria ser usado na literatura econômica se entre aspas e apropriadamente qualificado. Contudo, ele mesmo reconhece que tal ideia cumpre a importante função de “lembrar a falácia que é avaliar teorias específicas sem considerar a estrutura metafísica mais ampla na qual estão inseridas”.
No fundo, a ideia de paradigma é de que há um ato cognitivo anterior a qualquer esforço analítico. Qualquer análise é necessariamente precedida por uma visão do processo que se vai estudar. Esse ato cognitivo é o que possibilita a análise e o que é omitido dessa visão não é recapturado pela análise subsequente. O diagrama de fluxo circular representa o paradigma, a “visão pré-analítica”3 que se tem do sistema econômico. Foi a representação do sistema econômico como um fluxo circular isolado que deu inicio a profissão, pois passou a tratar o sistema econômico como uma categoria a ser estudada separadamente. Os fisiocratas constituíram o primeiro grupo organizado de economistas, e deixaram duas contribuições científicas cruciais para os desenvolvimentos posteriores da Economia:
1) A ideia de interdependência entre os vários processos produtivos e de equilíbrio do sistema econômico;
2) A representação das trocas econômicas como um fluxo circular de bens e dinheiro entre os vários setores econômicos (Zamagni & Screpanti, 1993).
Mesmo o gênio crítico de Karl Marx pensou que o sistema econômico podia se manter sem a entrada de recursos naturais. Seu “esquema de reprodução simples” determinava as condições de equilíbrio do sistema econômico, ou o fluxo de bens necessários para manter a produção funcionando, mas sem crescer. Para retomar a noção de reprodução de Marx (1988, p. 145): “Qualquer que seja a forma social do processo de produção, este tem de ser contínuo ou percorrer periodicamente, sempre de novo, as mesmas fases. Uma sociedade não pode parar de consumir, tampouco deixar de produzir. Considerado em sua permanente conexão e constante fluxo de sua renovação, todo processo social de produção é, portanto, ao mesmo tempo, processo de reprodução”. O esquema de reprodução simples dividia a economia em dois setores: um de produção de bens de capital e outro de produção de bens de consumo. A reprodução simples exige que o fluxo de produção dos dois setores seja suficiente para manter constantes os estoques de capital e de trabalho usados na produção.
Para Georgescu-Roegen (1971, p. 228), contudo, apesar de ser uma simplificação bastante útil, a ideia de que tanto os bens de capital quanto a força de trabalho são mantidos constantes não deixa de ser uma ficção, pois o processo econômico muda contínua, quantitativa e qualitativamente máquinas e equipamentos. Além disso, a crítica que faz aos esquemas de reprodução econômica tais como o de Marx é que mesmo uma reprodução simples precisa dos fluxos de entrada da natureza para se manter, senão seria um moto-perpétuo, ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho ininterruptamente utilizando a mesma energia. Tal máquina seria um reciclador perfeito. Porém, isso contradiz a 2ª Lei da Termodinâmica, a Lei da Entropia.
Toda transformação energética envolve produção de calor. Ele tende a se dissipar, e por isso é a forma mais degradada de energia. Embora uma parte possa ser recuperada para algum propósito útil, não se pode aproveitar todo o calor. Justamente devido à sua tendência a se dissipar. Assim, a essência da Lei da Entropia é que a degradação da energia tende a um máximo em sistema isolado, e que tal processo é irreversível. Claro, sistemas que conseguem manter um padrão de organização, como as mais diversas formas de vida, não são isolados. São abertos e existem em áreas de fluxo energético. Sistemas isolados não trocam nem matéria nem energia com o meio. Os sistemas abertos trocam tanto energia quanto matéria. E “fechados” são aqueles que trocam apenas energia. O planeta Terra é fechado, pois a quantidade de materiais não muda mesmo recebendo permanentemente o indispensável fluxo de energia do sol (Schneider & Sagan, 2005).
Os seres vivos conseguem manter sua organização temporariamente, resistindo ao processo entrópico do universo. Isso só é possível por serem abertos à entrada de energia e materiais. Todavia, não é qualquer energia que pode ser utilizada, não podendo ser energia dissipada. A energia tem que ser capaz de realizar trabalho. Diz-se que essa energia é de baixa entropia. Ao utilizarem tais fontes para manterem a própria organização estão acelerando o processo de dissipação, aumentando assim a entropia do sistema maior no qual se inserem. Os organismos vivos existem, crescem e aumentam sua organização importando energia de qualidade, de baixa entropia, de fora de seus corpos, e exportando entropia, ou seja, aumentando a entropia ao seu redor (Schneider & Sagan, 2005). Também é assim que o “sistema econômico” mantém sua organização material e cresce em escala. Toda a vida econômica se nutre de energia e matéria de baixa entropia (Georgescu-Roegen, 1971). Contudo, os economistas ao focarem no fluxo circular monetário ignoraram o fluxo metabólico real (Daly & Farley, 2004).
Mecânica e equilíbrio
Os Fisiocratas e os Clássicos que consolidaram a análise do fluxo circular do processo econômico ainda se preocupavam com a produção da riqueza. Todavia, a partir da chamada “Revolução Marginalista”, a analogia com a Mecânica reduziu todas as questões econômicas a questões alocativas (Zamagni & Screpanti, 1993) A Mecânica é, grosso modo, o estudo da locomoção, mudança de lugar ou posição, de algum objeto. Uma das características de um sistema mecânico é que ele envolve um princípio de conservação, ou seja, define-se uma identidade ao longo do tempo. O princípio da “conservação de energia” estabelece que a energia total de um sistema físico isolado é constante. Não se cria e nem se destrói energia, ela apenas se transforma, sem perdas. É por isso que o tipo de fenômeno estudado pela Mecânica é reversível. Isso significa que ele é compreendido apenas pela posição do objeto em questão, não importando a trajetória temporal pela qual passou o objeto. Assim, num fenômeno reversível não há distinção entre passado e futuro. (Mirowski, 1988).
A “Revolução Marginalista” consolidou o entendimento mecânico do sistema econômico ao basear seu raciocínio em metáforas e analogias com o “princípio da conservação de energia” (Mirowski, 1988). A ideia era de que existe no mundo social um ponto em que todas as forças que agem no sistema se cancelam. O autointeresse seria a força, como a gravidade, que leva os indivíduos a maximizarem suas utilidades, mas como os recursos não são infinitos, há uma restrição às ações. O problema a ser resolvido, portanto, passou a ser o de encontrar a combinação de bens e serviços que maximizem a utilidade das pessoas dada a restrição de recursos. Na visão de Jevons, diferenças nas utilidades individuais criam um tipo de energia potencial para a troca. Tanto que, para ele, a noção de valor era para a Economia o que a noção de energia era para a Mecânica (Beinhocker, 2005; Mirowski, 1988, 1989).
A analogia com a Mecânica tem a ver com a utilização da linguagem da Física, e com metáforas que consideram que nas transações de mercado ocorre uma troca de algo como uma energia psíquica ou social. Isso não afeta apenas o discurso, mas principalmente a estrutura e a substância das disciplinas (Hodgson, 1999). Se do ponto de vista formal a Economia não se separou da Física do século XIX, a Física moderna se afastou da Economia. Mesmo assim, tal proximidade formal não significa que ela considera as relações biofísicas entre o processo econômico e o seu entorno. Ao contrário, o paradigma Mecânico na Economia tem como importante sintoma o não reconhecimento dos fluxos de matéria e energia que entram e saem do processo econômico, e muito menos reconhece a diferença qualitativa entre o que entra e o que sai do processo (Georgescu-Roegen, 1966, 1971).
ECOLÓGICA
Processo produtivo
Depois de ter contribuído por décadas à teoria do consumidor Georgescu-Roegen se voltou para a teoria da produção. Sua intenção era a de representar tal processo adequadamente. Uma das novidades de sua abordagem é a inclusão do fator tempo. Não era mais possível que as representações continuassem a ignorar os diferentes intervalos de tempo nos quais participam os fatores de produção. A função de produção convencional que relaciona quantidades de fatores [P = f (K; H; L)] seria substituída por uma funcional [P(t) = f {R(t), I(t), M(t), W(t), K(t), H(t), L(t)}], analiticamente muito mais rigorosa. Para Georgescu-Roegen, o produto é uma função de uma série de outras funções relacionadas ao intervalo de tempo nos quais participam os fatores de produção. Contudo, sua reformulação é muito mais difícil de ser usada em aplicações econométricas e para se chegar aos resultados da teoria neoclássica (Mueller, 2007).
Sua principal contribuição para a teoria da produção consiste na análise crítica do significado da função de produção e na elaboração do modelo fundo-fluxo (Morroni, 1999). Georgescu-Roegen lamentou que a formalização matemática da produção tenha chegado a ponto de desrespeitar um pré-requisito básico da ciência: ter uma ideia clara sobre a correspondência dos símbolos na realidade. Um dos problemas da função de produção é que ela não mostra as transformações qualitativas que ocorrem como consequências das mudanças quantitativas nos insumos e produtos. A função de produção trata o K como uma medida de capital homogêneo. Contudo, um processo mais intensivo em capital significa quase sempre uma mudança na qualidade desse capital. Não faz sentido pensar que uma operação de escavação mais intensiva em capital signifique multiplicar o número de pás diminuindo a participação do trabalho. Haverá sim uma mudança na qualidade do capital no sentido de instrumentos mais sofisticados. Não há sentido, portanto, em falar de “elasticidade substituição” entre capital e trabalho, e nem de produtividade dos fatores de produção se os bens de capital não forem qualitativamente idênticos (Georgescu-Roegen, 1971, p. 244).
A função de produção indica a quantidade máxima de produto que pode ser obtida a partir de uma dada quantidade de insumos. Mostra o que um processo produtivo pode fazer, mas não o que de fato ele faz nas diferentes situações. Não considera o perfil temporal da utilização dos insumos, pois assume a organização mais eficiente possível. E é exatamente por não fazer referência aos aspectos organizacionais, em especial, ao perfil temporal da utilização dos insumos, que a teoria convencional da produção acaba ignorando diferenças importantes, como a existente entre processos produtivos na indústria e na agricultura (Georgescu-Roegen, 1969, 1971; Morroni, 1999).
Além de ter chamado a atenção para a relação entre a eficiência e a organização do processo produtivo, existe uma diferença qualitativa básica entre os chamados fatores de produção, que foi ignorada pela abordagem neoclássica até a formulação de Georgescu-Roegen (1969, 1970, 1971). Para começar, isso que se denomina produção deveria ser denominado transformação, pois isso daria a dimensão adequada do fenômeno em jogo. Elementos da natureza são transformados em bens econômicos. Existe uma diferença entre o que entra e sai relativamente inalterado do processo produtivo; e aquilo que entra, se transforma, saindo, portanto, outra coisa. A falha primordial de tratar todos os fatores igualmente como insumos fez com que a produção econômica fosse representada de forma simplista. A categoria de fatores de fundo que não sofrem mudança num processo específico são os agentes: capital, terra e força de trabalho. Os objetos que são alterados pelos agentes representam a categoria de fluxos. Os agentes transformam certos fluxos de energia e materiais, advindos diretamente da natureza ou de outro processo produtivo, em produtos finais, evidentemente, mas também em resíduos. Assim, há fluxos de entrada e de saída no processo produtivo. Os fluxos que entram no processo produtivo são:
- fornecidos pela natureza (energia solar, chuvas, petróleo, nutrientes nos solos agrícolas, minerais etc.);
- originários de outros processos produtivos, (aço, tábuas de madeira etc.);
- de manutenção (peças de reposição e lubrificantes para deixar os equipamentos intactos).
Além do fluxo de “Produtos”, emana inevitavelmente de qualquer processo produtivo um fluxo de resíduos, que a teoria convencional da produção não considera. Os fluxos são as substâncias materiais e a energia que cruzam a fronteira do processo produtivo, e não devem ser confundidos com os serviços prestados pelos fundos. Só os elementos que fluem no processo podem ser fisicamente incorporados no fluxo de produtos finais.
Fundos são diferentes de estoques. Apesar de uma máquina, por exemplo, ser um estoque material, não é no mesmo sentido que um estoque de carvão. É um estoque de serviços, mas é mais seguro chamá-lo de fundo de serviços. O uso de um fundo requer duração (Georgescu-Roegen, 1971, p. 226). O grande problema da abordagem neoclássica da produção está em reduzir o problema a uma questão alocativa. Como esta trata todos os fatores como fossem de natureza semelhante, se supõe que a substituição entre eles não tenha limites. O fluxo de recursos naturais poderia ser facilmente e indefinidamente substituído por capital. Entretanto, o papel desempenhado pelas duas categorias de fatores é radicalmente diferente em qualquer processo de transformação. É possível uma situação em que determinado fator seja redundante em relação à determinada atividade pela falta de um fator complementar. Nesse caso, “um aumento na quantidade disponível de determinado fator, na ausência de outros, não representaria necessariamente um acréscimo no nível de atividade que estaria sendo considerada” (Moldau, 1998, p. 75).
Por isso, é conceitualmente errado acreditar que o potencial do fator capital de sustentar o produto no curto prazo, com uma utilização menor de recursos naturais, seja um exemplo de substituição de um pelo outro. Quando um melhor conhecimento humano é “incorporado” no capital manufaturado adicional, cria-se uma ilusão substitutabilidade, pois se reduz a geração de resíduos (produção de entropia) no processo (Lawn, 1999, 2007).
Sustentabilidade
Importantes eventos ocorridos nos anos 1970 chamaram a atenção para o problema da adequação da oferta de recursos naturais para sustentar os padrões de consumo e produção. Tal debate sobre a adequação dos recursos materiais gerou um amplo espectro de opiniões cujos extremos chegavam a conclusões completamente opostas. Para Robert Solow (1974, 1993), o importante é que o nível de consumo per capita seja sustentado indefinidamente no nível mais elevado possível. Para que o consumo per capita seja mantido indefinidamente, o que deve ser conservado é a soma dos três tipos de capital: manufaturado — tudo aquilo que é construído; humano — força de trabalho e educação; e o natural — estoque de recursos naturais. Dada a disponibilidade finita do recurso natural, para que o consumo per capita se mantenha constante, algumas condições devem ser satisfeitas. A primeira é a possibilidade de progresso técnico poupador de recursos naturais; e a segunda é a facilidade do trabalho e do capital substituírem os recursos naturais na produção (Solow, 1974).
Um conceito-chave entre os economistas para a possibilidade de substituir recursos naturais por capital, por exemplo, é o de elasticidade-substituição (Nordahus & Tobin, 1972; Stiglitz, 1979). Esta fornece a mudança percentual na razão entre os insumos provocada por uma mudança percentual no preço relativo entre eles. Ou seja, se o preço de um recurso natural aumenta, sua participação relativa no processo produtivo diminui. Na visão neoclássica isso é considerado como substituição de recursos naturais por capital.
Os modelos que consideram substituição entre recursos naturais e capital violam as leis da Termodinâmica em especial a 2ª lei, sobre a entropia (Georgescu-Roegen, 1971, 1976, 1979). O que ela significa em termos de possibilidade de produção? Em primeiro lugar, a quantidade de matéria e energia incorporada nos bens finais é menor que aquela incorporada nos recursos utilizados na sua produção. Ou seja, uma parte da energia e da material de baixa entropia utilizada no processo de produção se torna imediatamente resíduo, alta entropia. Isso significa em termos práticos que 100% de eficiência produtiva nunca pode ser alcançada. É claro que a quantidade de baixa entropia que é desperdiçada imediatamente depende do estado da tecnologia de produção em um dado momento. Desenvolvimentos na tecnologia de produção significam menos desperdício, com maior proporção de material e energia de baixa entropia incorporada nos bens finais. Até que se chegue ao limite termodinâmico, há um potencial para que mais bens possam ser produzidos a partir de uma mesma quantidade de recursos energéticos e materiais. Uma vez alcançado o limite termodinâmico da eficiência, o produto real é totalmente dependente da existência do provedor de recursos que é o capital natural. Se for verdade que tal limite ainda está longe em termos de transformação de recursos em bens finais, à medida que se chega mais perto desse limite, a dificuldade e o custo de cada avanço tecnológico adicional se torna crescente (Lawn, 1999, 2007).
Outra importante implicação é que a reciclagem de materiais nunca pode ser total. É falsa, portanto, a suposição de que avanços tecnológicos na capacidade de reciclagem podem eliminar o problema dos estoques decrescentes de recursos terrestres, ainda mais no caso de economias que continuam a crescer. Finalmente, energia e matéria de baixa entropia são os únicos insumos verdadeiros do processo econômico. Apesar da função essencial dos fundos capital e trabalho na produção, estes são agentes transformadores que também dependem de recursos de baixa entropia para serem produzidos e mantidos. E os resíduos de alta entropia representam o único produto do processo econômico. (Lawn, 1999, 2007).
Ao focar na quantidade de materiais e energia processados pela economia, percebe-se que a atividade econômica de uma geração tem influencia na atividade das gerações futuras. Isso ocorre devido à utilização dos recursos energéticos e materiais terrestres e à acumulação dos efeitos prejudiciais da poluição no ambiente. E é este o cerne do problema ecológico da humanidade. A depleção de recursos e o despejo de resíduos, consequências inevitáveis da atividade econômica de uma geração, afetarão em algum momento a possibilidade das gerações seguintes terem qualidade de vida igual ou maior. Para Georgescu-Roegen (1976), a Economia não pode lidar com esse problema, por restringir sua análise onde a circulação de valores monetários pode ser observada. Por isso um dia deverá ser englobada pela mais ampla Ecologia. Todavia isso só ocorrerá quando a humanidade tiver que se preocupar com a distribuição intertemporal dos escassos recursos terrestres, e não apenas com a alocação de recursos relativamente escassos de uma geração apenas.
Anátema
Georgescu-Roegen morreu em 1994 sem ter suas críticas aos modelos de Solow e Stiglitz respondidas. Por isso, ambos foram chamados a respondê-las numa edição especial da Ecological Economics, em 1997. O tema central era a questão da substitutabilidade entre recursos naturais e capital manufaturado. Stiglitz (1997, p. 269) se defende dizendo que no médio prazo existe possibilidade de substituir recursos naturais por capital sim, e que para o economista o longo prazo é daqui a cinquenta anos. O papel dos modelos analíticos é de responder questões de médio prazo do tipo “é possível o crescimento ser sustentado pelos próximos 50-60 anos?”.
O papel dos modelos analíticos como os de Solow e Stiglitz é responder se o crescimento na produção de bens e serviços com valores monetários pode se sustentar no curto prazo mesmo que alguns insumos sejam finitos. Contudo, ao agregar os diferentes fatores em termos monetários, já se está admitindo a substitutabilidade entre eles. O dinheiro como unidade de valor permite agregar fatores de características distintas, e mostrar que os recursos naturais podem ter uma importância pequena relativamente aos outros fatores. Além disso, tais modelos de crescimento empurram continuamente para o futuro o começo do horizonte temporal. Isso pode ser interpretado como um carro guiado por um míope indo no sentido de um precipício (Sanson, 2007). Questões referentes à sustentabilidade ambiental do processo de desenvolvimento não são de curto prazo e não podem ser analisadas com base em valores monetários apenas. Por isso, não é possível passar do horizonte temporal pertinente ao individuo para o horizonte pertinente à espécie humana sem mudar o arcabouço conceitual (Naredo, 1987).
Ao escrever sobre as consequências econômicas do aquecimento global, Thomas Schelling (1997, p. 9) afirmou que como a agricultura representa menos que 3% do PIB dos EUA poder-se-á continuar bem sem ela e ainda ter 97 % do PIB. Há um raciocínio de substituição aqui, ainda que não do mesmo tipo que a de fatores considerada por Solow. O raciocínio de substituição nesse caso está relacionado às atividades que compõe o PIB. Assim, uma dimensão do erro inerente a esse tipo de exercício é tratar todas as partes do PIB como substitutas (Daly, 2000; Foster, 2002). Perde-se de vista o caráter primário da produção agropecuária.
O mesmo argumento é usado com respeito à energia. Como a indústria do petróleo representa apenas 1% do produto econômico global, ou como a energia representa apenas 5% dos custos de produção, ou como o custo energético como percentagem do PIB está declinando, tal recurso não seria tão importante. A redução a valores monetários faz com que se esqueça que a energia é um dos fatores mais críticos na história dos humanos no planeta Terra (Gowdy, 2006). Implícito no raciocínio de Schelling está a consideração de que os serviços (que não têm valor monetário) prestados pela natureza à agricultura, com o atual clima, poderiam ser “substituídos” sem prejudicar a economia. Tais serviços incluem as funções de regulação de clima e a manutenção de ciclos biogeoquímicos fundamentais para vida. Apesar de fundamentais, são serviços gratuitos, muito difíceis de terem direitos de propriedade e preços a eles atribuídos, e não podem ser substituídos se os fundos forem destruídos. Contudo, a maior parte dos serviços da natureza é deixada de lado pela recente iniciativa do Banco Mundial de medir a sustentabilidade do desenvolvimento dos países (Mueller, 2008).
O desenvolvimento sustentável seria aquele em que a riqueza total de uma sociedade se conserva ou aumenta (World Bank, 2005). Esta também é a “abordagem dosada” de Partha Dasgupta (2005). A abordagem de Georgescu-Roegen para o processo produtivo pode iluminar esse debate e permite uma avaliação crítica dessa metodologia (Mueller, 2007, 2008). O capital natural não é apenas uma fonte de fluxos de recursos (energia solar, os minerais e os combustíveis fósseis, e os nutrientes do solo) prontos para serem transformados pelo processo produtivo. A natureza, ou capital natural, também é um fundo de serviços, no sentido utilizado por Georgescu-Roegen. Os serviços prestados pela natureza não são integrados fisicamente aos produtos, mas são importantes não apenas para a produção e para o consumo, mas para a própria manutenção da vida. São, portanto, insubstituíveis, além de não serem passíveis à precificação. Tendo isso em vista, percebe-se que avaliações de sustentabilidade ambiental devem estar baseadas muito mais nos limites e impactos biofísicos do que em indicadores monetários.
Georgescu-Roegen nunca usou a expressão “Economia Ecológica” e não fazia nenhuma militância ambientalista, mas suas contribuições representam a linha demarcatória entre o que pode ser considerado Economia Ecológica e as vertentes ambientais da Economia Neoclássica (Daly, 1997; Gowdy & Erickson, 2005; Mayumi, 2001; Mayumi & Gowdy, 1999; Lawn, 2007). Ambos, depleção de recursos e poluição são inevitáveis. Por isso, para a Economia Ecológica, uma questão central é a da escala da economia, ou seja, do tamanho dela frente ao ecossistema (Daly, 1997; Romeiro, 2003).
EVOLUÇÃO E COMPLEXIDADE
O mecanicismo e o fascínio pelo equilíbrio na Economia vêm sustentando a ideia de um ponto “ótimo” para o sistema econômico que ignora suas interações com o sistema biótico. E há um sério perigo de o planeta ser danificado de forma irreversível se políticas econômicas continuarem a ignorar tais restrições. Muitos economistas atentaram para o problema, porém não reconheceram a necessidade de substituir os fundamentos mecanicistas da Teoria Econômica. O reconhecimento dos sistemas econômicos como sistemas constituídos de seres humanos vivos e como partes de ecossistemas que contêm outras formas de vida exige uma abordagem evolucionária (Hodgson, 1993). Uma abordagem evolucionária para a economia significa, em primeiro lugar, uma mudança no tipo de questão a ser respondida. Não se trata de saber como, sob certas condições, os recursos econômicos são alocados de maneira ótima ao equilíbrio, dado um estado de preferências individuais, a tecnologias e as condições institucionais. As questões são por que e como mudam o conhecimento, as preferências, as tecnologias e as instituições nos processos históricos, e quais são os impactos dessas mudanças (Witt, 2008).
Uma mudança fundamental no ponto de vista da ciência econômica vem ocorrendo com as pesquisas da chamada Economia da Complexidade e da Economia Evolucionária. Não se trata de novas teorias, mas sim de visões do processo econômico como algo eminentemente “fora-do-equilíbrio”. Em vez de se olhar para um fenômeno de maneira estática e procurando equilíbrio de maneira reducionista, tal mudança de ponto de vista implica olhar para processos e propriedades emergentes de maneira mais sistêmica. Olha-se para elementos que interagem e produzem padrões agregados que fazem os mesmos elementos reagirem. Assim, uma questão crucial é que os elementos criam aquilo à que reagem (Arthur, 1999; Finch & Orillard, 2005).
Quando se introduz a diversidade na Economia, esta fica mais parecida com a Biologia moderna do que com a Física do século XIX. Entretanto, a abordagem evolucionária não pode ser acusada de reducionismo biológico, pois não pretende explicar fenômenos sociais com categorias biológicas. Tampouco afirma que os mecanismos de evolução são semelhantes no mundo social e biológico. Trata-se do estudo de sistemas evolucionários, em que se enquadram tanto os sistemas econômicos quanto os sistemas biológicos (Bienhocker, 2006; Hodgson, 2006; Hodgson & Knudsen, 2006).
Crucial para entender a evolução socioeconômica é a compreensão do papel da inovação, sua emergência, e difusão (Hodgson, 1999; Witt, 2008). Uma questão que permanece é a fonte da inovação, se “de dentro” ou “de fora” do processo econômico. Como o processo não é fechado, a evolução socioeconômica depende tanto de causas “internas” quanto “externas”. Isso significa que a relação com o ambiente natural e choques culturais são fundamentais na explicação das mudanças econômicas (Hodgson, 1999, 2006). Se a economia fosse um sistema fechado, sua característica seria de tender a um estado de menos complexidade, e menos estrutura ao longo do tempo. Sendo um sistema aberto, é a entrada de energia livre que permite que ela fique longe do equilíbrio, e mantenha certa organização. Os sistemas isolados sempre têm um estado final previsível. Já os sistemas abertos são bem mais complicados.
Nas últimas décadas, o pensamento de Georgescu-Roegen tem tido impacto na Economia Ecológica. Todavia, o aspecto metodológico, principalmente da obra The Entropy Law and the Economic Process (1971), tem sido pouco mencionado. Os livros More Heat than Light (1989), de Philip Mirowski, e Economics and Evolution (1993), de Geoffrey Hodgson foram dedicado a ele, justamente por considerarem-no uma exceção na guinada atomista e mecanicista do pensamento econômico do pós-Guerra. Ao apontar os limites da metáfora mecânica e a necessidade de pensar o processo econômico de um ponto de vista “fora-do-equilíbrio”, inclusive se valendo de metáforas biológicas, Georgescu-Roegen antecipou a atual fronteira do conhecimento representada pelas abordagens da Complexidade e da Economia Evolucionária.
A evolução socioeconômica depende de um processo de histerese e de propriedades novas que emergem de combinações (Georgescu-Roegen, 1971). A histerese é um termo para descrever processos físicos, magnéticos, que dependem da sua trajetória particular. Na Economia, isso quer dizer que o processo socioeconômico depende da sua trajetória passada, de sua história. O processo de escolha individual também apresenta histerese, ou seja, depende das experiências passadas. O caminho tomado pelos consumidores terá efeitos permanentes nas escolhas futuras. Trata-se do “princípio da herança” (Georgescu-Roegen, 1950). Num nível mais macro, a ideia de histerese está relacionada à impossibilidade de extrapolar fórmulas de desenvolvimento para países com instituições e história particular (Georgescu-Roegen, 1960). Alguns sistemas exibem um tipo de inércia estrutural, pois tendem a continuar “amarrados” a características passadas. A importância da dependência da trajetória, em inglês path dependency, no desenvolvimento de tecnologias e na mudança institucional foi enfatizada por Douglass North (1990) e Brian Arthur (1999).
Como um bom discípulo de Schumpeter, Georgescu-Roegen considerou o processo econômico irreversível assim como a evolução biológica, e o motor dessa evolução como sendo as inovações radicais. Sua visão, e a de seu mestre, era de que as inovações não são sucessivas pequenas mudanças, quase imperceptíveis, mas saltos que levam a emergência de uma nova entidade. É justamente a atitude em relação à emergência que diferencia reducionistas de não-reducionistas (Mayr, 2005, pp. 91-92). Georgescu-Roegen não era um reducionista, pois não acreditava que o todo é simplesmente a soma aditiva de suas partes. Atribuía a devida importância à emergência de propriedades num nível superior de integração que não são passíveis de ser explicadas pelos modos de ação de seus componentes tomados de maneira isolada. Na verdade, sua crítica à Economia Neoclássica trouxe à tona um debate mais amplo sobre a ciência clássica e a ciência moderna (Dragan & Demetrescu, 1986; Mueller, 2007). Mostrou que a complexidade de macrossistemas biológicos ou sociais não pode ser compreendida com base numa epistemologia mecanicista. A Mecânica não distingue o passado do futuro, e não leva em conta as mudanças qualitativas e irreversíveis. A lei da Física que diferencia o passado do futuro e mostra a importância das mudanças qualitativas e irreversíveis no universo é a Lei da Entropia (Prigogine, 1996).
A importância e pioneirismo de Georgescu-Roegen em relação às novas possibilidades que se abrem à ciência econômica também foram reconhecidos por Eric Beinhocker (2006), que tentou sistematizar o que existe de pesquisa na área de “Economia da Complexidade”. Com base nos trabalhos de diversos pesquisadores de áreas diferentes, se propõe a responder como consegue a economia funcionar de maneira auto-organizada, e por que parece haver uma relação entre complexidade de uma economia e sua riqueza. Os trabalhos têm em comum o abandono das analogias mecânicas de equilíbrio, que orientaram a disciplina desde a “Revolução Marginalista”, e uma incorporação de insights da Termodinâmica de sistemas abertos, e da teoria da evolução darwiniana. De acordo com Brian Arthur (1999), o termo “fora-do-equilíbrio” resume melhor a mudança de paradigma que está em curso. Possivelmente as implicações mais importantes do pensamento de Georgescu Roegen para a questão da origem da riqueza são:
1) Todas as transformações e transações econômicas criadoras de valor são irreversíveis;
2) Todas as transformações e transações econômicas criadoras de valor reduzem entropia localmente dentro do sistema econômico, enquanto aumenta a entropia globalmente (Beinhocker, 2006).
A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DE GEORGESCU
Mark Blaug (1988, p. 31) afirma que a história da ciência econômica não fornece exemplos de ideias científicas internamente consistentes, corroboradas, frutíferas e poderosas, que tenham sido rejeitadas numa época específica. Essa é sua justificativa para não utilizar a expressão “paradigma”. Entretanto, se Georgescu-Roegen realmente antecipou tanto questões referentes à sustentabilidade ambiental, quanto à crítica da concepção mecânica do processo econômico, por que suas ideias científicas não foram levadas a sério? Tudo indica que sua nova “visão” do objeto estudado e, portanto, sua rejeição de importante exemplo compartilhado na Economia, representa uma revolução científica, pois significou: “uma espécie de mudança envolvendo um certo tipo de reconstrução de compromissos de grupo. Mas não necessita ser uma grande mudança, nem precisa parecer revolucionária para os pesquisadores que não participam da comunidade” (Kuhn, 1995, p. 225).
Nenhuma outra escola de pensamento considerou a economia como um sistema materialmente aberto. Por isso, sua visão constitui realmente um rompimento com o paradigma da Economia, no próprio sentido dado por Kuhn ao termo. Apesar de todas as divergências entre as diversas escolas de pensamento econômico — dos marxistas aos neoclássicos, dos keynesianos aos shumpeterianos, passando pelos institucionalistas etc. — todas elas compartilham uma visão de sistema econômico isolado do ambiente natural. Não podia ser diferente, pois desde os fisiocratas a Economia tem focado na circulação de mercadorias. Assim, a visão do sistema econômico como sendo circular e fechado orientou as mais diversas escolas e teorias, muitas vezes antagônicas entre si. Nesse sentido, todas estão de baixo de um mesmo “guarda-chuva”. O pensamento de Georgescu-Roegen representa uma revolução científica exatamente por ter saído do paradigma que delimita as fronteiras do processo econômico onde a circulação de mercadorias pode ser observada.
Seu banimento na década de 1970 parece ter sido um caso de ideias consistentes e poderosas que foram rejeitadas numa época específica. Nesse começo de século XXI, contudo, elas encontram um ambiente mais propício à aceitação, seja pela importância que tem sido atribuída às questões ambientais globais, seja pela percepção de que fenômenos complexos não podem ser entendidos com arcabouço científico reducionista, mecânico e estático.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A incompatibilidade epistemológica do pensamento de Georgescu-Roegen com a Economia fez com que a profissão o isolasse cada vez mais. A consideração da Lei da Entropia no raciocínio econômico forçaria a revisões profundas no corpo teórico convencional, a começar pela representação básica do funcionamento da economia. Não seria mais possível apresentar o diagrama do fluxo circular como exemplo compartilhado pela profissão. Além disso, como um cavalo de troia, a noção de entropia tem implicações epistemológicas drásticas para todo o edifício teórico do paradigma dominante na Economia. Entretanto, a ruptura maior está na admissão de que o processo de geração de ordem, que é o sentido da produção econômica vem necessariamente acompanhada da geração de desordem. Esta engloba desde impactos ambientais locais até o fenômeno das mudanças climáticas antropogênicas. O que significa que a humanidade não resolverá os grandes desafios que encontrará pela frente tratando-se apenas os sintomas e nem utilizando as mesmas receitas que valeram desde a Revolução Industrial. Um primeiro passo é o abandono do paradigma que enxerga o sistema econômico como a totalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTHUR, B. (1999) “Complexity and the economy”. Science, 284: 107-109.
BEARD, Randolph & LOZADA, Gabriel (1999) Economics, Entropy and the Environment: The extraordinary economics of Nicholas Georgescu-Roegen. Cheltenhan, UK: Edward Elgar.
BEINHOCKER, Eric (2006) The Origin of Wealth: Evolution, Complexity and the Radical Remaking of Economics. Harvard Business School Press and Random House.
BIANCHI, Ana Maria, org. (1988) Metodologia da Economia: Ensaios. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
BLAUG, Mark (1988). “Kuhn versus Lakatos ou paradigmas versus programas de pesquisa na história da Economia”. In: BIANCHI, Ana Maria, org. Metodologia da Economia: Ensaios. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
DALY, Herman (1997) Beyond Growth. San Francisco: Freeman.
DALY, Herman (2000) “When smart people make dumb mistakes” Ecological Economics, 34: 1-3.
DALY, Herman E. & FARLEY, Joshua (2004) Ecological Economics: Principles and Applications.Washington, D.C.: Island Press.
DASGUPTA, Partha (2005) “Uma abordagem dosada”. Scientific American, Edição brasileira, 41: 98.
DRAGAN, J.C. & DEMETRESCU, M.C. (1986) Entropy and Bioeconomics: the new paradigm of Nicholas Georgescu-Roegen. Nagard.
FINCH, John & ORILLARD, Magali (2005) Complexity and the Economy: Implications for Economic Policy. Cheltenhan, UK: Edward Elgar.
FOSTER, John Bellamy (2002) Ecology against capitalism. Monthly Review Press.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1950) “The theory of choice and the constancy of economic laws”, Quarterly Journal of Economics, 64: 125-138.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1960) “Economic theory and agrarian economics”. Oxford Economic Papers, 28: 1-40.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1966) Analytical Economics. Cambridge, MA: Harvard University Press.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1969) “Process in farming versus process in manufacturing: A problem of balanced development” in U. Papi and C. Nunn, eds. Economic Problems of Agriculture in Industrial Societies, London: MacMillan.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1970) “The economics of production”, Richard T Ely lecture. American Economic Review, Papers and Proceedings, 60 (2): 1-9.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1971). The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge, MA: Harvard University Press.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1976) Energy and Economic Myths. New York: Permagon Press.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (1979) “Comments on Stiglitz and Daly”, in: SMITH, Vincent Kerry Scarcity and Growth Reconsidered. John Hopkins University Press.
GOWDY, John (2006) “Production theory and peak oil: collapse or sustainability?” International Journal of Transdisciplinary Research 1 (1): 23-33.
GOWDY, John & ERICKSON, Jon D. (2005) “The approach of ecological economics”. Cambridge Journal of Economics, 29: 207–222.
HODGSON, Geoffrey M. (1993) Economics and Evolution: bringing life back into economics. The University of Michigan Press.
HODGSON, Geoffrey (1999) Evolution and Institutions: on evolutionary economics and the evolution of economics. Edward Elgar.
HODGSON, Geoffrey (2006) Economics in the Shadows of Darwin and Marx: Essays on Institutional and Evolutionary Themes. Edward Elgar.
HODGSON, Geoffrey M. & KNUDSEN, T. (2006) “Why we need a generalized darwinism: and why a generalized darwinism is not enough”. Journal of Economic Behavior and Organization 61 (1): 1-19.
KUHN, Thomas S. (1995) A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva.
LAKATOS, Imre (1979) “O falseamanto e a metodologia dos programas de pesquisa científica”. In LAKATOS, Imre & MUSGRAVE, A., org. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix.
LAWN, Philip (1999) “On Georgescu-Roegen’s contribution to ecological economics”, Ecological Economics, 29: 5-8.
LAWN, Philip (2007) Frontier Issues in Ecological Economics. Edward Elgar.
MANESCHI, Andrea & ZAMAGNI, Stefano (1997) “Nicholas Georgescu-Roegen, 1906-1994”. The Economic Journal, 107: 695-707.
MANKIW, Gregory (2001) Introdução à Economia: Princípios de Micro e Macroeconomia. (2ªed.) Editora Elsevier.
MARX, Karl ([1867] 1988) O capital — Livro I. São Paulo: Nova Cultural.
MAYR, Ernst (2005) Biologia, Ciencia Única: Reflexões sobre a Autonomia de uma Disciplina Científica. São Paulo: Cia das Letras.
MAYUMI, Kozo (2001) The Origins of Ecological Economics: The Bioeconomics of Georgescu-Roegen. London: Routledge.
MAYUMI, Kozo & GOWDY, John (1999) Bioeconomics and Sustainability: Essays in Honor of Nicholas Georgescu-Roegen. Edward Elgar.
MIROWSKI, Philip (1988) Against Mechanism: Protecting Economics from Science. Totowa, NJ: Rowman and Littlefield.
MIROWSKI, Philip (1989) More Heat than Light: Economics as Social Physics, Physics as Nature’s Economics. Cambridge University Press.
MOLDAU, Juan Hersztajn (1998) “Os fundamentos microeconômicos dos indicadores de desenvolvimento socioecômico”. Revista de Economia Política 18 (3).
MORRONI, Mario (1999) “Production and time: a flow-fund analysis”. In MAYUMI, Kozo & GOWDY, John. Bioeconomics and sustainability: essays in honor of Nicholas Georgescu-Roegen. Edward Elgar.
MUELLER, Charles C. (2007) Os Economistas e as Relações entre o Sistema Econômico e o Meio Ambiente. Brasília: Editora da UnB: Finatec.
MUELLER, Charles C. (2008) “Sustainable development: conceptualizations and measurement”. Revista de Economia Política 28 (2).
NAREDO, José Manuel (1987) “Que pueden hacer los economistas para ocuparse de los recursos naturales? Desde el Sistema Económico hacia la Economía de los Sistemas”. Pensamiento Iberoamericano, 12: 61-74.
NORDHAUS, W & TOBIN, J. (1972) “Is economic growth obsolete?”. In Economic Growth, The National Bureau of Economic Research Fiftieth Anniversary Colloquium, New York: Columbia University Press: 1–80.
NORTH, D.C. (1990) Institutions, Institutional Change, and Economic Performance. Cambridge University Press.
PRIGOGINE, Ilya (1996) O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza. São Paulo: Ed. da UNESP.
ROMEIRO, Ademar R. (2003) “Economia ou economia política da sustentabilidade”, in Peter May; Maria Cecília Lustosa & Valéria da Vinha, orgs. Economia do Meio Ambiente; Teoria e Prática. Rio de Janeiro: EcoEco & Editora Campus: 1-29.
SAMUELSON, Paul Anthony (1976) Economics (10ª edição). MacGraw-Hill.
SANSON, J.R. (2007) “Ethics, politics and non-satiation consumption: A synthesis”. Economia, 8 (1): 1-20.
SCHELLING, T.C. (1997) “The cost of combating global warming”, Foreign Affairs, 76 (6): 54-66.
SCHNEIDER, Eric & SAGAN, Dorion (2005) Into the Cool: Energy Flow, Thermodynamics and Life. University of Chicago Press.
SCHUMPETER, Joseph (1954) History of Economic Analysis, New York: Oxford University Press.
SMITH, Vincent Kerry (1979) Scarcity and Growth Reconsidered. John Hopkins University Press.
SOLOW, Robert (1974) “The economics of resources or the resources of economics”. American Economic Review, 64 (2): 1-14.
SOLOW, Robert (1993) “An almost practical step toward sustainability” Resources Policy 19 (3): 162-172.
SOLOW, Robert (1997) “Georgescu vesus Solow/Stiglitz”. Ecological Economics, 22 (3): 267-268.
STIGLITZ, Joseph E. (1979) “A neoclassical analysis of the economics of natural resources”, in SMITH, Vincent Kerry. Scarcity and Growth reconsidered. John Hopkins University Press: 36-66.
STIGLITZ, Joseph E. (1997) “Georgescu vesus Solow/Stiglitz”. Ecological Economics, 22 (3): 269-270.
VEIGA, José Eli da (2005) Desenvolvimento Sustentável — O Desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Garamond.
VEIGA, José Eli da (2007) A Emergência Socioambiental. São Paulo, Editora Senac.
WITT, Ulrich (2008) “Evolutionary economics” The New Palgrave Dictionary of Economics. Second Edition. Eds. Steven N. Durlauf and Lawrence E. Blume. Palgrave. http://www.dictionaryofeconomics.com/article?id=pde2008_E000295
WOLF, Martin (2007) “Uso da energia requer controle” Folha de São Paulo, 17 de Novembro.
WORLD BANK (2005) Where is the wealth of Nations? Washington, DC, The World Bank, Conference Edition, draft of July 15.
ZAMAGNI, Stefano & SCREPANTI, Ernesto (1993) An Outline of the History of Economic Thought. Oxford: Clarendon.
* Economista. Mestre em Ciência Ambiental pelo Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, com apoio da Fapesp. E‑mail: andrei@usp.br; Professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Pesquisador associado do “Capability & Sustainability Centre” da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp. E‑mail: zeeli@usp.br.
1 Tradução dos autores deste artigo.
2 A palavra paradigma, que na primeira edição de “A estrutura das Revoluções científicas” tinha 22 sentidos, pode ser entendida de duas maneiras conforme a revisão de Thomas Kuhn no posfácio da segunda edição, de 1970. Uma é a “matriz disciplinar” e a outra são os “exemplos compartilhados”.
3 Expressão cunhada por Joseph Schumpeter em History of Economic Analysis, 1954, p. 41.
Revista de Economia Política
Print version ISSN 0101-3157
Rev. Econ. Polit. vol.30 no.3 São Paulo July/Sept. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572010000300005
EcoDebate, 16/04/2013
[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.