A cobrança pelo direito de uso da água, artigo de Junior Garcia
Em 7 de março, a Gazeta do Povo trouxe a notícia de que empresas passarão a pagar pelo uso da água no estado do Paraná. A cobrança no Brasil foi institucionalizada pela Política Nacional de Recursos Hídricos, a partir da aprovação da Lei Federal 9.433/1997. Isso significa que o Paraná levou 16 anos para implantar a cobrança, ainda em caráter de projeto piloto. A cobrança tem por objetivo reconhecer o valor econômico real da água, incentivar seu uso racional e servir como instrumento para a captação de recursos financeiros para financiar a gestão da bacia hidrográfica.
No estado do Paraná, a Política Estadual de Recursos Hídricos foi instituída em 1999, pela Lei Estadual 12.726, alterada pela Lei 16.242/2009. A legislação estadual reconhece que a água é um bem dotado de valor econômico, social e ambiental, ou seja, vai além daquilo proposto pela política nacional. Ainda, a política estadual reconhece que a cobrança deve conferir racionalidade econômica ao uso da água.
No país, as principais experiências de cobrança estão nos estados do Rio de Janeiro (o pioneiro), São Paulo e Minas Gerais. Contudo, elas revelaram que a “precificação” da água não é uma tarefa trivial. Além disso, o processo levado a cabo nesses estados revelou que existem interesses conflitantes quanto ao valor que seria cobrado, especialmente em termos do impacto na planilha de custo dos grandes usuários. Esse contexto contribuiu para que os “preços” deliberados nas propostas dos comitês de bacias não tivessem grande impacto nas planilhas de custos dos usuários.
Por exemplo, no projeto piloto estima-se que o valor arrecadado alcance R$ 6 milhões ao ano, valor insignificante quando comparado aos benefícios proporcionados pela disponibilidade de água pela Bacia do Alto Iguaçu, que atende uma população de 3 milhões de pessoas e gera um Produto Interno Bruto superior a R$ 75 bilhões. Acrescente-se ainda que a maior parte dos corpos d’água da bacia estão totalmente degradados, inclusive dos parques de Curitiba. Essa decisão implicou o abandono dos principais objetivos da cobrança – o reconhecimento do valor econômico real da água (e, no caso do Paraná, dos valores sociais e ambientais) e o estímulo ao uso racional da água.
A postura adotada nos estados pioneiros foi transferida para o Paraná, que desse modo também abandonou a busca por esses objetivos ao ignorar na “precificação” da água os pressupostos da sustentabilidade, o custo de oportunidade de provimento natural de água e os benefícios ao bem-estar humano providos pelo ecossistema. Como o volume arrecadado na Bacia do Alto Iguaçu poderá estimular o uso racional da água se não reflete o real valor da água? O volume de recursos será suficiente para recuperar, manter e preservar os mananciais da bacia? No dia Dia Mundial da Água havia o que comemorar no Paraná?
Junior Garcia, professor adjunto do Departamento de Economia da UFPR, é doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp (SP), com a tese Valoração da cobrança pelo uso da água e a gestão das Bacias Hidrográficas do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira – Uma abordagem econômico-ecológica.
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo, estado do Paraná.
EcoDebate, 26/03/2013
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