Taxistas em São Paulo, os novos embaixadores dos carros híbridos e elétricos
Taxis híbridos da frota de São Paulo. Foto: Prefeitura /Divulgação
Roberto e Erasmo Carlos não serão os únicos a lembrar do “ronco barulhento do seu carro”. Motores possantes como o do cabeludo da canção “Detalhes”, gravada em 1971, já provocaram muitos suspiros. Se a composição fosse, no entanto, escrita hoje, é provável que o sujeito da calça desbotada fizesse mais sucesso a bordo de um automóvel silencioso. O clássico de Roberto e Erasmo pode até ser reconhecido pelas novas gerações. Mas poucos hoje veriam qualquer romantismo num carro barulhento. Ao contrário, o deslumbramento do passageiro com a ausência de ruído é o que mais tem chamado a atenção dos motoristas de taxi que participam do programa de carros híbridos e elétricos em São Paulo. Matéria de Marli Olmos, no Valor Econômico, socializada pelo ClippingMP.
“O motor deste carro está ligado? Mas não faz barulho algum.” O brasiliense Adeilson Xavier Soares já cansou de ouvir a mesma pergunta de manobristas teimosos. Justo ele, um dos poucos taxistas de São Paulo treinados para conduzir um modelo híbrido. O painel, luminoso como ele só, é a prova de que o veículo está, sim, ligado. Adeilson passou por rigoroso treinamento da Toyota, fabricante do Prius, o primeiro híbrido fabricado no mundo e que agora ele dirige em São Paulo.
“Durante o treinamento pensamos em tudo, mas não imaginávamos que a questão do silêncio iria ser a mais comentada. No entanto, é o que mais tem chamado a atenção dos passageiros”, afirma Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan, outra montadora que participa do programa paulistano. No caso do Leaf, que é totalmente elétrico, a ausência de ruído é ainda mais nítida. O híbrido da Toyota inclui um motor a combustão, que alimenta o elétrico. De qualquer forma, ambos são infinitamente mais silenciosos do que os veículos que os brasileiros costumam dirigir.
“O carro não faz barulho nenhum, não polui, é macio, confortável e os passageiros adoram, fazem mil perguntas”, afirma Alberto de Jesus Alves Ribeiro, taxista paulistano que já roda há sete meses com o elétrico Leaf.
Adeilson e Alberto não se conhecem. Mas estão entre os 30 motoristas escolhidos a dedo nas empresas de taxi que participam do programa. Ambos foram contemplados para testar as novidades por terem experiência e boa conduta no trânsito. Aos 29 anos de idade e sete de profissão, Adeilson diz nunca ter batido o carro da empresa e poucas vezes foi multado. Alberto, 53 anos, está há 30 na praça.
Tanto Nissan como Toyota não lucram com o programa, segundo garantem seus porta-vozes. Mas a exposição dos carros que funcionam com eletricidade lhes servirá para ganhar do consumidor a atenção que não receberam do governo ao reivindicar incentivos fiscais para esses veículos.
Aos passageiros mais empolgados com perspectiva de poder adquirir um carro 100% elétrico, Alberto logo avisa que o Leaf não está à venda no Brasil. O modelo é facilmente comprado em outros países, como Japão, Europa e Estados Unidos. Nesses mercados, a venda desse tipo de veículo sustenta-se com ajuda de dinheiro público.
No exterior, em regiões que oferecem mais incentivos a alternativas de energia sustentáveis, como a Califórnia, o elétrico custa em torno de US$ 30 mil. Mas no Brasil, sem incentivos, a soma de todos os impostos, incluindo os 30 pontos percentuais adicionais de IPI para modelos estrangeiros, faria o preço do elétrico da Nissan encostar em R$ 200 mil, segundo Moreno.
No Brasil, o Leaf não foi sequer homologado pelos órgãos de trânsito. Circula com autorização para os testes. “É como se fosse um tubo de ensaio dentro de um laboratório”, diz Moreno.
O Prius, o carro da Toyota, já está à venda. Está incluído na cota de importados isenta do IPI adicional a que a Toyota tem direito pelos investimentos que faz em produção nacional. Mesmo assim, o preço final – R$ 120.830 – está além do que a montadora considera adequado para o mercado brasileiro. Com incentivo tributário, o valor poderia baixar para algo em torno de R$ 95 mil a R$ 100 mil, segundo o gerente de relações governamentais da Toyota, Ricardo Bastos.
As discussões com o governo, no entanto, ainda não terminaram. Enquanto não retomam a conversa com a equipe econômica, as montadoras recorrem a seus “embaixadores” das ruas, os taxistas. Esses motoristas não têm do que se queixar. A curiosidade atrai a clientela. “Às vezes sou o terceiro da fila, mas o passageiro pede para testar o carro elétrico”, conta Alberto. Camaradas, os colegas do ponto costumam lhe conceder a vez.
Já Adeilson assume o papel de coadjuvante do espetáculo que se forma cada vez que para num posto para abastecer o híbrido. O carro, claro, é o protagonista. À plateia curiosa, de frentistas e clientes, o taxista esclarece: o híbrido é um automóvel com dois motores, um a combustão e outro elétrico. O primeiro é abastecido com gasolina, como nos veículos tradicionais.
O Prius ainda não é flex. Mas, segundo Ricardo Bastos, o porta-voz da empresa, a Toyota já se comprometeu com o governo a desenvolver a versão que pode ser abastecida com etanol, caso o modelo venha a ser produzido no Brasil. Será essa a moeda de troca de eventual programa de incentivos.
“Gasto de 20 minutos a meia hora cada vez que paro para abastecer”, conta, rindo, Adeilson. Mesmo para quem não pede detalhes técnicos, ele faz questão de fornecer um mínimo de explicação do funcionamento do motor elétrico no híbrido: É dotado de corrente elétrica e opera em sintonia com o motor a combustão. Em baixas velocidades, no trânsito da cidade, é o elétrico, abastecido pelo outro motor, que faz o carro rodar.
Já numa estrada, onde a velocidade requer mais potência, ambos os motores entram em ação. Segundo o fabricante, o Prius percorre, em média, 25 quilômetros por litro de gasolina. Mas Adeilson garante ter conseguido 27 numa corrida até Santos.
A função de apresentadores das novas tecnologias tornou o trabalho desses motoristas mais divertido. “Por que será que estão tirando fotos da gente?”, perguntou certo dia a cliente desligada, que não notou estar em um automóvel diferente. “A senhora não viu que troquei de carro?” Um início de conversa como esse é agora comum na rotina desses motoristas.
Adeilson também gosta quando entra no carro algum cliente familiar à tecnologia híbrida em razão de viagens ao exterior. Embora novidade no Brasil, o Prius é velho conhecido de consumidores de países como Japão e Estados Unidos. É de 1997 a primeira versão do modelo, que já está na terceira geração. Desde então, a Toyota vendeu mais de 3,5 milhões de unidades. No Brasil, entregou 20 para o programa de taxis paulistas e recebeu a encomenda de mais 80 para a mesma bateria de testes.
Ao contrário de Adeilson, Alberto já não precisa mais frequentar postos de combustível. Mas fica sempre atento para não passar o vexame de a bateria descarregar no meio de um trajeto com o cliente dentro do carro. Segundo o fabricante, com a carga da bateria completa, o elétrico Leaf roda 160 quilômetros. A direção da Nissan está atenta à experiência no Brasil, que a ajudará a avaliar os efeitos de uso mais frequente do ar-condicionado.
A autonomia é a única reclamação de Alberto. É a queixa de usuários de todo o mundo e uma das principais preocupações da indústria. Espera-se que a cada avanço no desenvolvimento de baterias consiga-se esticar a duração e tornar o equipamento mais leve.
Para Alberto, o ideal para um taxista é não ter de parar para a recarga, ainda que rápida. Ele sugere cargas suficientes para 300 quilômetros. No entanto, não vê problemas em recomendar o veículo em teste para quem vai e vem do trabalho de carro. Alberto está, aliás, a par de estudos que calculam em 50 quilômetros diários a distância máxima percorrida pela maioria dos usuários de automóveis em áreas urbanas.
A recarga dos veículos elétricos em teste em São Paulo pode ser feita em 30 minutos ou oito horas. Para a modalidade de meia hora, foram colocados alguns postos de recarga rápida em concessionárias Nissan. Já a de oito horas é feita nas sedes das empresas de taxi, ao fim da jornada do motorista.
O programa exige que o veículo passe a noite na empresa de taxis para ser totalmente recarregado. Assim, estará pronto para enfrentar a jornada do dia seguinte. Para as próximas fases, segundo Moreno, da Nissan, estuda-se a instalação do equipamento para carregar a bateria na casa do motorista. O objetivo é testar como seria a rotina de um consumidor comum.
O projeto paulistano para veículos elétricos tem parceria entre a aliança Renault-Nissan, a Prefeitura de São Paulo, a AES Eletropaulo e a Associação das Empresas de Taxi (Adetax). Na primeira fase, de junho a novembro de 2012, foram testados dois veículos. Este ano, entraram mais oito.
O presidente da Nissan no Brasil, François Dossa, disse ontem que o programa de carro elétrico para taxistas começará, em breve, a funcionar também no Rio. Segundo ele, falta apenas acertar com a Light os pontos de recarga de baterias pela cidade.
Tanto Adeilson como Alberto comprariam os carros que testam, caso o preço fosse, claro, atraente, com possibilidade de incluir os modelos em programas de redução de impostos para taxistas. O condutor do híbrido diz que a economia mensal com combustível chega a R$ 900. “Gastava R$ 50 a R$ 60 por dia e agora entre R$ 25 e R$ 30.”
O colega que ficou com o elétrico economiza ainda mais. Segundo informações da Nissan, com base em dados da AES Eletropaulo, o custo do carregamento da bateria é de R$ 0,0537 por quilômetro. Os dois elétricos usados na primeira etapa do projeto, de junho a novembro, rodaram cerca de 10 mil quilômetros cada, em jornada diária de seis horas, de segunda-feira a sexta-feira, e estimativa de 3 mil passageiros na soma dos dois.
Segundo a Nissan, ao longo de toda a primeira fase, gastou-se R$ 537 para carregar cada veículo. Para rodar em carro abastecido com etanol teriam que ser desembolsados R$ 2,1 mil para o mesmo percurso, segundo a montadora.
Em princípio, o programa paulistano de taxis híbridos e elétricos vai durar três anos. Ao final, poderá ser renovado, ampliado ou extinto. Caso seja suspenso, o modelo elétrico terá que sair das ruas se até lá não for homologado pelos órgãos de trânsito.
Os motoristas escolhidos para o teste evitam pensar no dia em que terão de reencontrar os velhos motores barulhentos. Alberto já nem lembra como era o ronco do Karmann Ghia, seu primeiro carro. Mas o tempo que ele passou ao lado do elétrico, não adiantará, como diria o cabeludo da canção de Roberto, “nem tentar esquecer”.
EcoDebate, 14/02/2013
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