Artigo publicano na GRL utilizou dados
de um VOR (veículo operado remotamente)
submarino, como descrito no site do NOAA
Artigo recentemente publicado no Geophysical Research Letters (GRL) reporta um estudo bastante interessante, que quantifica um mecanismo de amplificação do aquecimento do Ártico. O artigo, de autoria de M. Nicolaus e colaboradores é intitulado “Changes in Arctic sea ice result in increasing light transmittance and absorption” (Mudanças no gelo marinho do Ártico resultam em aumento da transmitância e absorção de luz) e baseado em observações utilizando um veículo submarino operado remotamente e chega a conclusões importantes.
Além da já conhecida redução da cobertura de gelo marinho durante os verões do Ártico, existe a tendência de o gelo do Ártico se tornar menos espesso. Além disso, ele tem se tornado mais “sazonal”, isto é, é cada vez mais raro encontrar gelo marinho de vários anos de idade, por conta do derretimento mais intenso durante os verões. Como consequência, a maior parte do gelo encontrado no verão tem menos de um ano de idade, isto é, formou-se durante o inverno que o antecedeu.
Quando a luz solar incide sobre o gelo, que é um bom refletor
(maior “albedo”), grande parte da luz solar é devolvida de vol-
ta para o espaço (à direita). Quando incide sobre o oceano, que
reflete apenas uma pequena parte da luz solar (menor “albedo”),
a radiação é em grande parte absorvida, aquecendo a água. Ou
seja, quanto mais calor, menos gelo; quanto menos gelo, mais
luz absorvida; quanto mais luz absorvida, mais calor. Este é o
chamado “feedback do gelo-albedo“.
Isto traz implicações importantes para o balanço energético da região. Evidentemente, uma menor área coberta pelo gelo, permitindo que mais radiação solar atinja o oceano, já é suficiente para disparar uma retroalimentação, como mostrado na figura ao lado. Enquanto o gelo reflete a maior parte da luz que incide sobre ele, o oceano absorve a maior parte da radiação solar. Daí, se o aquecimento reduz a cobertura de gelo, mais radiação solar é absorvida pelo sistema climático (no caso, pelo oceano), causando um aquecimento ainda maior. É um círculo vicioso, como outros que também atuam na dinâmica do clima.
O que o artigo da GRL traz de novidade é que as propriedades do gelo “jovem” (com menos de um ano) são diferentes das do gelo “velho” (com vários anos). Essas diferenças amplificam o feedback do gelo-albedo!
Diagrama mostrando a quantidade maior de energia transmi-
tida (11% contra 4%) e absorvida (52% contra 34%) na ca-
mada de gelo do Ártico, por Alfred Wegener. Fonte:
http://thinkprogress.org/climate/2013/01/27/1501201/
arctic-death-spiral-feedback-melt-ponds-sea-ice/
Os resultados apontam que mais radiação solar atravessa o gelo jovem (11%) do que o gelo velho (apenas 4%), o que está fortemente relacionado com a presença de mais poças d’água na camada de gelo mais recente (as estimativas do artigo são de 42% para o gelo jovem versus 23% para o gelo mais velho). A quantidade de energia absorvida sobre a camada de gelo jovem também é 50% maior do que aquela no gelo mais antigo. Os autores alertam que a maior penetração de radiação solar pode ter, além do impacto climático (um feedback do gelo-albedo amplificado), efeitos também sobre o ecossistema marinho.
O fato é que, possivelmente por não entendermos ainda por completo os mecanismos de retroalimentação que envolvem os oceanos e o gelo marinho, os modelos utilizados nas projeções de degelo não tem conseguido reproduzir a realidade. Sistematicamente, os modelos subestimam o ritmo de perda de gelo marinho, como temos sempre alertado.
Comparação entre degelo observado no Ártico e projeções
dos modelos do CMIP3 (Coupled Model Intercomparison
Project, Phase 3), projeto que subsidiou a elaboração do
IPCC AR4 (4° relatório de avaliação do IPCC).
A figura ao lado mostra isso muito bem. O nível de degelo atingido em 2012, segundo a média dos modelos, só seria esperado após 2065! Mesmo considerando o modelo mais “pessimistas”, nada parecido com o que se viu este ano era esperado para antes de 2030!
Ora o trabalho, publicado por Nicolaus e co-autores, pode ter dado uma contribuição importante para entendermos o porque dessa discrepância. Quem sabe, incorporando o efeito das diferentes propriedades entre camadas de gelo jovem e gelo velho nos modelos, estes se aproximem da verdade observada. O que assusta, porém, é que mais uma vez se percebe que a realidade é mais grave do que se imaginava há alguns anos, que o aquecimento do sistema climático terrestre é mais acelerado do que o que se supunha.
É de causar indignação que, em tal situação, a negação dessa realidade ainda esteja tão presente, sendo alimentada por indivíduos que ou são inescrupulosos ou, na melhor das hipóteses, são levianos e irresponsáveis.
Eu percebo que a maioria das pessoas, por não conseguir diferenciar o que é ciência de verdade e o que é embromação, anticiência e pseudo-ciência revestida com linguagem supostamente técnica, fica confusa. Como separar joio do trigo, então? Uma dica é procurar saber o que pertence ao domínio da literatura publicada com revisão, como a Science, a Nature, a GRL e outros periódicos de nossa área; identificar fontes confiáveis (como órgãos de pesquisa como NASA, NOAA, UK Meteorological Office e outros). Outra dica é não dar crédito a teorias de conspiração, pois estas sempre resultam, ao serem melhor exploradas, em disparates. Por fim, dar um voto de confiança ao conjunto dos cientistas que se dedicam, em sua maioria, a trabalhos que levam tempo para gerar resultados significativos, como os que mostramos aqui e que, em geral, compõem os painéis científicos sobre clima (internacionalmente, o IPCC e, no Brasil, o PBMC) e ser cético quanto aos “céticos” (que de céticos, ou seja, portadores de dúvidas sinceras nada têm, consistindo em negadores, isto é, indivíduos que se recusam a aceitar uma realidade, por maior que seja o volume de evidências).
Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
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