“Nosso parque térmico, que utiliza gás, diesel, carvão e biomassa foi concebido com a capacidade de compensar os períodos de nível baixo de água nos reservatórios das hidrelétricas. Praticamente todos os anos as térmicas são acionadas, com menor ou maior exigência, e garantem, com tranquilidade, o suprimento. Isso é usual, normal, seguro e correto. Não há maiores riscos ou inquietações.” (ROUSSEFF, D., 2013, em pronunciamento público)
Errado, presidenta! Utilizar combustíveis fósseis não pode ser considerado “normal”, “seguro”, nem “correto”. Cada molécula extra de CO2 adicionada à atmosfera, elevando a já insegura concentração de 394 ppm amplia o “risco” climático e deveria, da parte de qualquer governante sensato deste mundo, despertar “inquietação”.
Termelétricas são “solução” de FHC.
Defensores incondicionais do
Governo Dilma deveriam lembrar
desse “detalhe”.
Claro, é fundamental colocarmos em contexto. Em 2001, o Brasil foi surpreendido por uma crise energética que veio a ficar conhecida como “Crise do Apagão”. No final do ano anterior, isto é, em 2000, a situação dos reservatórios hidrelétricos, principal fonte de geração elétrica no País, era precária. Foi adotado um racionamento de energia, medida típica de uma condição não apenas emergencial, mas que denunciava falta de planejamento e irresponsabilidade histórica. Havia ficado claro que a falta de investimento no setor, parte da política de privatização da era FHC, havia deixado o Brasil em situação bastante vulnerável.
No entanto, a “saída” emergencial de FHC e que posteriormente proliferou nos governos petistas foi a pior possível: a combinação do incentivo às termelétricas a óleo diesel, carvão e gás natural com a retomada dos projetos dos tempos dos militares, de grandes hidrelétricas na Amazônia (estas últimas tem custo sócio-ambiental enorme, sendo que um bom resumo das críticas de especialistas particularmente a Belo Monte é apresentada pelo Portal Ecodebate, num artigo em que há links para os documentos completos que foram elaborados, mas não serão o nosso foco neste texto). O que é realmente constrangedor é que o Brasil esteja retroagindo várias décadas no que diz respeito à composição de sua matriz energética, com o aumento substancial do uso de combustíveis fósseis!
O decreto que criou o chamado “Programa Prioritário de Termeletricidade”, foi assinado por FHC, no início de 2000. É absolutamente sucinto e não faz nenhuma menção à questão das emissões. 13 anos depois (simbólico, o número), Dilma se une a FHC e silencia, da mesma forma, sobre a questão climática. As emissões das térmicas somente em Janeiro podem ultrapassar 5 milhões de toneladas de CO2. O Brasil, que já tem tido dificuldade em cortar emissões de sua principal fonte, o desmatamento, o que deveria ser bem mais fácil, vê agora o crescimento não apenas das emissões de transporte, mas também das do setor energético.
Além do “silêncio climático”, vários outros aspectos têm sido omitidos, em relação ao uso das térmicas. O primeiro deles é que, além do CO2, há outras emissões, incluindo material particulado e óxidos de enxofre, particularmente no caso de térmicas a carvão. Impactos nocivos adicionais sobre o ambiente (incluindo chuva ácida) e a saúde humana se sobrepõem aos danos ao sistema climático. O segundo, é que uma série de insumos são necessários, com destaque para a água. Isso mesmo! Termelétricas precisam ser resfriadas e utilizam quantidades colossais de água dos reservatórios do País. Em alguns casos, como no Estado do Ceará, chega-se ao absurdo de subsidiar a água para as térmicas (no porto do Pecém, uma termelétrica, de propriedade do Sr. Eike Batista, recebe água bruta por metade do preço).
Ao invés do apagão energético, o apagão mental
O pronunciamento da Presidenta foi efusivamente saudado por apoiadores. O discurso presidencial, bem como as referências a ele (principalmente pelo anúncio da redução da tarifa, mas esquecendo do contexto geral) foram feitos num tom absolutamente ufanista. É algo estranho quando o que se descreve na frase que citei nada mais é do que o falso êxito de uma saída paliativa, herdada do fiasco de um governo anterior, de facção rival.
A verdade é que é lamentável que a Presidenta, em 2013, quando é necessário e possível que o Brasil assuma um papel de liderança nas negociações climáticas, simplesmente ignore o impacto dessa forma de utilização de energia sobre o clima do planeta. Esqueceu, inclusive de como o clima afeta nossa principal fonte energética, as hidrelétricas, pois os reservatórios hidrelétricos podem ser afetados por mudanças no regime de precipitação (algo sobre o quê há muitas incertezas), pelo aumento de temperatura (este bem estabelecido no contexto do aquecimento global) e pelo consumo (que, diga-se de passagem, inclui uso massivo para refrigeração, que pressiona fortemente o sistema elétrico durante o verão).
Além disso, é também lamentável que as fontes renováveis tenham sido esquecidas em seu discurso e que a possibilidade de se usar energia solar para geração em escala doméstica (o que pode zerar a conta de energia ou até servir como fonte de renda para famílias mais pobres) não esteja sendo considerada pelo Governo Federal, o que representaria um impacto muito mais significativo do que a redução de 18% na tarifa. Para os que repetem o defasado mantra de que a “energia solar é cara”, informo que hoje em dia esta dispensa o uso de baterias (que ocupavam espaço, aumentavam o custo e impunham manutenção) e que essa tecnologia já é acessível, vide a iniciativa tomada em minha própria instituição. O uso generalizado em prédios públicos, o subsídio para famílias de baixa renda e linhas de crédito para as camadas médias poderiam levar, em questão de poucos anos, a uma participação significativa da energia solar em nossa matriz energética.
O Brasil pode ser, sim, uma grande potência energética, mas sobretudo pode ser um exemplo de como os combustíveis fósseis podem ficar para trás! Se protegermos nossas florestas e zerarmos o desmatamento; se utilizarmos nosso grande potencial solar, eólico, de ondas e maremotriz salvaguardando os reservatórios hidrelétricos; enfim, se recusarmos a exploração do petróleo da camada do pré-sal, o Brasil poderá estar na vanguarda das negociações climáticas, e será reconhecido historicamente pelo seu compromisso com as futuras gerações.
Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
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2 thoughts on “É o CO2, Dilma! artigo de Alexandre Costa”
Obrigado professor Alexandre pela clareza com que apresentou a situação sem ter medo de retaliações por parte de quem quer escamotear o que está se passando. Obrigado também por ter mencionado que precisamos pensar nas futuras gerações das quais os nossos governantes estão hipotecando o futuro. E obrigado também por ter realizado o que se pode fazer para solucionar o problema. Padre Angelo Pansa- Delegado ICEF (International Court of the Environment Foundation).
Lúcida a reportagem. Esbarramos novamente no velho problema da promiscuidade economia-política que assola nosso país (mais especificamente nosso congresso). É sabido que um dos grandes setores que financiam as campanhas eleitorais são os gigantes da construção de hidrelétricas, e esses não têem interesse nenhum em soluções limpas e “locais” (como incentivos a painéis solares em residências). Hoje vejo que a única maneira desse país melhorar é uma profunda e maciça reforma política. Algumas medidas são fundamentais e teriam impacto profundo a curto, médio e longo prazo: doações a políticos e partidos limitadas a pessoas físicas e com um teto máximo (por ex. 10 mil reais), fidelidade partidária, extinção de partidos “nanicos e aproveitadores” (por ex. um partido que não eleger no mínimo 5 cadeiras na câmara ou 1 no senado seria extinto), voto distrital.
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Obrigado professor Alexandre pela clareza com que apresentou a situação sem ter medo de retaliações por parte de quem quer escamotear o que está se passando. Obrigado também por ter mencionado que precisamos pensar nas futuras gerações das quais os nossos governantes estão hipotecando o futuro. E obrigado também por ter realizado o que se pode fazer para solucionar o problema. Padre Angelo Pansa- Delegado ICEF (International Court of the Environment Foundation).
Lúcida a reportagem. Esbarramos novamente no velho problema da promiscuidade economia-política que assola nosso país (mais especificamente nosso congresso). É sabido que um dos grandes setores que financiam as campanhas eleitorais são os gigantes da construção de hidrelétricas, e esses não têem interesse nenhum em soluções limpas e “locais” (como incentivos a painéis solares em residências). Hoje vejo que a única maneira desse país melhorar é uma profunda e maciça reforma política. Algumas medidas são fundamentais e teriam impacto profundo a curto, médio e longo prazo: doações a políticos e partidos limitadas a pessoas físicas e com um teto máximo (por ex. 10 mil reais), fidelidade partidária, extinção de partidos “nanicos e aproveitadores” (por ex. um partido que não eleger no mínimo 5 cadeiras na câmara ou 1 no senado seria extinto), voto distrital.