O pico dos combustíveis fósseis: colapso ou transição para a energia limpa? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O uso controlado do fogo foi uma das maiores conquistas da humanidade. O ser humano aprendeu a usar as propriedades da queima da madeira (lenha) e do carvão vegetal, para dar um grande impulso ao processo civilizatório. O fogo foi usado para a proteção contra predadores, para aquecimento diante do frio e para cozimento dos alimentos, especialmente a carne de outros animais usados na dieta como fonte de proteína. A antropologia divide a cultura humana entre o antes e o depois do cru e do cozido.
O antropólogo e professor de Harvard, Richard Wrangham, em “Catching Fire: How Cooking Made Us Human”, vê evidências da evolução do ser humano na adaptação a uma dieta a base de alimentos cozidos, o que possibilitou dentes e vísceras menores do que em espécies antecessoras e o cérebro ficasse maior. Ele especula que a energia que ia para a digestão foi direcionada para o desenvolvimento do cérebro. Desta forma, o uso do fogo, enquanto combustível, foi fundamental para a evolução humana.
O outro grande salto do “processo civilizatório” se deu quando o ser humano passou a usar os combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) como fonte de energia para a produção agrícola, para turbinar a industria, para a iluminação elétrica, para movimentar o transporte e para sustentar todas as atividades humanas, incluindo educação, saúde e lazer.
Foi graças aos combustíveis fósseis que a população passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011, crescimento de 7 vezes, enquanto a economia mundial cresceu 90 vezes em termos reais, no mesmo período (dados de Angus Maddison). Sem energia barata e abundante não haveria como gerar empregos, produzir tantos bens de consumo e alimentar tanta gente.
Alguns dados indicam que, em nível global, o pico do petróleo e o pico do carvão vão ser alcançados em duas ou três décadas. O pico do gás (especialmente o gás de xisto) pode demorar mais 50 ou 100 anos. Isto significa que a era do petróleo e carvão abundantes e baratos chegou ao fim e o preço destes produtos vai subir nas próximas décadas na medida em que fica mais caro a produção deste tipo de energia. Quando o pico do gás for alcançado, será o início do fim da era dos combustíveis fósseis.
Porém, a IEA (International Energy Agency) divulgou o relatório World Energy Outlook, em novembro de 2012, mostrando que vai haver um crescimento da produção de combustíveis fósseis nas próximas décadas e os EUA podem se tornar uma nova Arabia Saudita na produção de energia fóssil. Porém, além de atrasar a transição para uma matriz de energia limpa, a maior produção de petróleo, carvão e gás vai agravar os problemas do aquecimento global e, como disse Robert Kuttner, em The American Prospect: “Saudi America is unintended irony. This country is becoming an oligarchy – make that oilagarchy”.
Contudo, mais cedo ou mais tarde, o fim dos combustíveis fósseis poderá representar um regresso da civilização humana, tal com conhecemos hoje. Existem pelo menos 3 grandes grupos de visões: 1) as pessimistas; 2) as práticas; e 3) as otimistas. Sem pretender apresentar os argumentos de maneira exaustiva, vamos esboçar rapidamente algumas formulações destas 3 alternativas.
Primeiro. As visões pessimistas consideram que será impossível manter o atual padrão de crescimento da população e da economia. O fim dos combustíveis fósseis deve provocar um colapso da economia mundial, com aumento da fome e redução significativa do padrão de vida da população mundial.
No texto “Life After The Oil Crash”, Matt Savinar considera que chegando na parte descendente da curva de Hubbert os preços dos combustíveis fósseis vão disparar e afetar a agricultura, a geração de emprego, o abastecimento de água, etc. O autor diz que, nos EUA, são necessárias aproximadamente 10 calorias de combustível fóssil para produzir 1 caloria de comida. A maioria dos pesticidas é obtida a partir do petróleo e todos os fertilizantes comerciais são baseados no amoníaco. O petróleo permitiu a existência de ferramentas agrícolas como os tratores, sistemas de armazenamento de alimentos como as câmaras frigoríficas, e os sistemas de transporte de mantimentos como os caminhões de distribuição. A agricultura baseada no petróleo é o fator principal que permitiu o aumento exponencial da população mundial. Assim, no espaço de poucos anos após ocorrer o “Peak Oil”, o preço dos alimentos vai disparar, assim como os preços de produção, armazenamento, transporte e embalagem, que também terão de subir.
Savinar considera que o petróleo também é necessário para a distribuição da quase totalidade da nossa água potável. O petróleo é usado para construir e conservar aquedutos, barragens, canalizações, poços, bem como para bombear a água que chega às nossas torneiras. Tal como com os mantimentos, o custo da água potável vai subir com a subida do preço do petróleo. O petróleo foi também responsável pelos avanços efetuados pela medicina nos últimos 150 anos, permitindo a fabricação em massa das drogas farmacêuticas, equipamentos cirúrgicos e o desenvolvimento de infraestruturas de saúde pública como os hospitais, as ambulâncias, as estradas, etc. O petróleo é ainda necessário para quase todos os aspectos do consumo, desde os sistemas de esgotos, tratamento de lixos, manutenção de estradas, mobilidade da polícia, serviços de bombeiros e a defesa nacional.
Neste sentido, Matt Savinar acredita que as consequências do “Peak Oil” terão efeitos muito além do preço da gasolina. De maneira pessimista, ele considera que o fim da energia barata e a escassez de combustíveis fósseis pode provocar “um colapso econômico, guerras, fome generalizada e um decréscimo maciço da população mundial”.
Representando a segunda alternativa, a pesquisadora Gail Tverberg, de maneira prática, no texto “Reaching financial limits–What kinds of solutions are available?” parte da constatação de que vivemos em um mundo finito e que já ultrapassamos os limites planetários em vários pontos. Para ela, os principais desafios da atualidade são:
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O petróleo barato não é mais um cenário viável para os próximos anos e décadas;
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A água doce é fundamental para beber, para o cultivo de alimentos, para a produção de petróleo e gás, e para a criação de energia elétrica, entre outras coisas. Em muitas partes do mundo, estamos usando água doce mais rápido do que os aqüíferos podem repor.
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As mudança climáticas, sejam elas causadas pelo homem ou não, são um problema crescente;
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A fertilidade do solo depende teor de húmus, das bactérias adequadas, do equilíbrio mineral, etc. O maior uso de fertilizantes, pesticidas e irrigação não são correções permanentes.
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A poluição é um problema tanto no que diz respeito ao dióxido de carbono em excesso, quanto ao mercúrio em fontes alimentares e a interferentes endócrinos para a proliferação de algas.
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A população humana está fora de equilíbrio com os ecossistemas do mundo e continua crescendo, em cerca de 76 milhões de habitantes, ano após ano.
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O sistema financeiro depende do crescimento, mas o crescimento em um sistema de mundo finito não pode continuar para sempre. Altos preços do petróleo tendem a reduzir o crescimento econômico e provocar recessão.
O que podemos fazer para enfrentar estes desafios? Embora não se possa resolver definitivamente estes problemas, Gail Tverberg sugere várias ações práticas para mitigar a situação:
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Gerenciar as finanças pessoais para tentar evitar o impacto de uma crise mais severa;
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Planejar o tamanho da família. A maioria das pessoas ainda quer ter filhos, mas uma boa escolha seria parar em dois. Seria ainda melhor parar em um;
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Diante da crise econômica, seria do interesse geral fortalecer os laços com a família e amigos;
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Plantar árvores com frutos comestíveis;
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Procurar maneiras mais simples e mais barato de fazer as coisas;
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Aprecie o que você tem;
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Não pensar demais em coisas ruins que podem acontecer;
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Fortalecer o aprendizado de habilidades que podem ser úteis para o longo prazo;
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Esteja preparado para os reveses econômicos e os momentos de crise.
Terceiro, o físico e presidente do Instituto das Montanhas Rochosas, Amory Lovins apresenta uma visão otimista, no livro “Reinventing Fire: Bold Business Solutions for the New Energy Era”. Ele considera que foi explorando e queimando os depósitos de combustíveis fósseis (material orgânico que a luz solar armazenou) que tornou possível a civilização urbana e industrial.
Mas o custo da dependência da energia fóssil tem sido alto. Somente os Estados Unidos tem gasto 1/6 do PIB para pagar os custos macroeconômicos, os custos microeconômicos da volatilidade do preço do petróleo e os custos militares cuja principal função é garantir os interesses americanos no Golfo Pérsico (as despesas militares são cerca de dez vezes o preço para comprar petróleo).
Amory Lovins acredita, contudo, que os Estados Unidos podem ficar livres do petróleo e do carvão até 2050, economizando US$ 5 trilhões, por meio da inovação, da maior eficiência e da mudança da matriz energética. O livro “Reinventando o fogo” não propõe aumento de impostos, maiores subsídios para o uso de energias renováveis ou uma postura ideológica que reconheça as mudanças climáticas antrópicas.
Um exemplo simples pode ser mostrado pela lâmpada LED (Light Emitting Diode) que funciona de maneira oposta à “obsolescência programada”. A lâmpada incandescente padrão, alimentada por uma usina elétrica a carvão (que apresenta 33% de eficiência na média dos Estados Unidos), apresenta 3% de eficiência, sendo a conversão líquida de energia em luz de apenas 1%. Já uma lâmpada LED, alimentada por uma turbina a gás natural eficiente, converte 20% da energia total em luz – um aumento de 20 vezes. Se funcionar com energia renovável (eólica ou solar) estará livre da emissão de carbono. Para o autor, estas mudanças podem ser feitas pelo setor privado, investindo em eficiência, segurança, fim dos desperdícios, geração de empregos verdes e uma política energética inteligente.
Em síntese, o que as 3 visões tratam é do fenômeno de que o pico dos combustíveis fósseis vai acontecer um dia. Porém, ninguém sabe como e quando virá o pico dos combustíveis fósseis e não existe consenso sobre as consequências e impactos deste fenômeno. Os cenários variam de um colapso total da economia internacional até visões otimistas de um mundo pós-petróleo, organizado com base na eficiência energética e nos combustíveis limpos e renováveis (solar, eólica, geotérmica, ondas, etc.) e na economia verde.
Mas toda esta discussão deixa pelo menos uma certeza: o mundo nas próximas décadas será bastante diferente da realidade atual, embora não saibamos, com certeza, se as mudanças virão para pior ou para melhor. Cada dia surgem mais pessoas questionando a noção de desenvolvimento econômico, inclusive o mito do “desenvolvimento sustentável verde”.
Referências:
Matt Savinar, Life After The Oil Crash, 2005
http://peakoil.com/forums/post160024.html
Gail Tverberg, Reaching financial limits–What kinds of solutions are available?, 2012
Amory Lovins, Reinventing Fire: Bold Business Solutions for the New Energy Era, 2012
http://www.rmi.org/rfexecutivesummary
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 23/01/2013
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Se algum “sábio” defender a tese de que para este Planeta funcionar bem a população humana que o habita deve sair dos 7 bilhões e tornar-se 7 trilhões, não nos devemos surpreender.