‘Pibão’ ou ‘pibinho’, sós, não resolvem, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] O noticiário das últimas semanas anda prenhe de notícias sobre “mágicas contábeis” e outras invenções para fazer o “pibinho” de 2012 se transformar num “pibão” em 2013 e deixar todos os brasileiros contentes – como se crescimento do produto interno bruto (PIB), apenas, significasse avanço e/ou justiça social e o País não continuasse com uma das piores concentrações de renda no mundo, alguns milhões de pessoas vivendo na miséria, cerca de 40 milhões de pessoas em famílias que, para escapar a esse patamar dramático, recebem Bolsa-Família. Também não faltam notícias sobre incentivos fiscais e isenções de impostos para alguns setores alavancarem esse crescimento do PIB – como se esses caminhos, ótimos para fabricantes e consumidores de certos bens (veículos, principalmente), não significassem menos receita para o poder público atender às necessidades da maior parte da população.
Que poderá o crescimento do PIB significar, por exemplo, como solução para os gigantescos problemas das nossas cidades, principalmente das metrópoles? Que quererá dizer no enfrentamento das mudanças climáticas, dos eventos extremos nas cidades impermeabilizadas, na prevenção de desastres desse tipo gerados inclusive pelas ilhas urbanas de calor? Como se traduzirá em descongestionamento das cidades, que certamente enfrentarão mais engarrafamentos com mais veículos, e ainda estimulados por políticas fiscais? E na área da segurança pública, o grande destaque da comunicação de massa? Ou na solução dos inacreditáveis problemas do Legislativo, que deixa se acumularem, sem exame, mais de 3 mil medidas provisórias e vetos presidenciais, como se se tratasse de matérias de nenhuma importância?
Crescimento do PIB, apenas, não leva a soluções para questões dessa ordem. Ainda por ocasião da Rio+20, no final do ano passado, a Universidade da ONU, aliada a outras instituições, apresentou o seu Índice de Riqueza Inclusiva, no Inclusive Wealth Report – para essas instituições, um caminho mais seguro para enfrentar as grandes questões que nos aguardam até 2050, como a necessidade de aumento de 50% na produção de alimentos, 45% na de energia, mais 30% na disponibilidade de água. Mas como chegar aí, se os recursos naturais e seus serviços no mundo estão diminuindo? Então, é preciso definir novos caminhos de medição, que inclua três ângulos, social, ambiental e econômico, agregando também índices como alfabetização e mortalidade à equação da renda. Porque, diz o relatório, “progressos na equação econômica total não se traduzem necessariamente em progressos no bem-estar humano; avanços no emprego e renda de pessoas são consequências possíveis, mas não automáticas do crescimento econômico”.
O “desprezo ao capital natural”, diz o texto, é muito grave. Porque sua perda implica, além de bens naturais, segurança ambiental, qualidade de vida, relações sociais, entretenimento, até “aspirações espirituais” – porque aí se inclui, além do capital natural, o capital humano que gera o crescimento econômico. E a perda do capital natural tem consequências dramáticas. Numa avaliação que o relatório fez do período 1980-1998, o crescimento econômico espetacular da China caiu para menos de um vigésimo se considerada a perda de capital natural, e não apenas a economia. O do Brasil também, que baixa de mais de 40% para menos de 20%.
Então, já passou da hora de enfrentar, com as novas administrações, a questão de macropolíticas para os grandes aglomerados urbanos, principalmente regiões metropolitanas como São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador e outras. Entrelaçar as políticas de transporte, segurança, drenagem, desimpermeabilização do solo e tantas outras. E, ao mesmo tempo, cada município ter suas micropolíticas específicas para cada região. Não é possível continuar desprezando estudos como o de professores da Universidade de São Paulo (USP), que propuseram esses caminhos, a divisão da região metropolitana em dezenas de subprefeituras, com a eleição simultânea em cada uma de conselhos de cidadãos, encarregados de formular os programas, os recursos financeiros, os métodos de fiscalização. A Câmara paulistana criou as subprefeituras e os cargos, não os conselhos.
Mais recentemente, 40 especialistas da USP e 81 técnicos mostraram que a “São Paulo dos sonhos” pode tornar-se realidade, com a destinação, até 2040, de R$ 314 bilhões para as áreas de transportes coletivos, habitação, despoluição de rios, etc. Por que não? Por que insistir em ações isoladas? Um exemplo é a despoluição do Rio Tietê, onde já se gastaram bilhões de reais e tudo tem de recomeçar – mas não resolverá se não incluir áreas de nascentes e cabeceiras de rios, fora do Município; ou as dezenas de afluentes do Tietê sob o solo asfaltado carreando sedimentos desde a origem, sem que se julgue possível fazer qualquer intervenção sob o asfalto.
Da mesma forma, não se resolverá o problema de chuvas torrenciais e inundações urbanas sem enfrentar o problema das “ilhas de calor”, que as atraem. Há anos, especialistas em clima já mostraram que o Município de São Paulo ainda tem um terço de sua área coberto pela biodiversidade – na Serra do Mar, na Cantareira. Mas são áreas isoladas, onde a temperatura fica até mais de 5 graus Celsius abaixo da temperatura registrada nas áreas de maior ocupação industrial e maior trânsito – como a Mooca, por exemplo (já se registraram diferenças de até mais de 10 graus). E essas ilhas de calor atraem os “eventos extremos” – com a agravante de que ali chove mais durante a semana e menos nos fins de semana; nas áreas de biodiversidade e nascentes acontece o contrário.
Então, já passou da hora de conceber estratégias em que o PIB esteja presente, mas não seja a panaceia – insuficiente e ineficaz, no final.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 14/01/2013
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