Agricultura mundial necessita de adaptação para enfrentar as mudanças climáticas, por Bruce Campbell
“Muitos governos não estão esperando um consenso internacional para entrar em ação. No Brasil, por exemplo, um programa de dois anos e US$ 250 milhões já financiou mais de 2.000 projetos agrícolas para ajudar a recuperar pastagens degradadas, melhorar o processamento dos resíduos do gado, implementar agricultura de plantio direto para aumentar a vida do solo, plantar florestas comerciais e empregar outras práticas que têm baixas emissões e responder à mudança climática”, escreve Bruce Campbell, diretor do Programa de Pesquisa CGIAR sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar, em artigo publicado no jornal The New York Times e reproduzido no portal Uol, 17-12-2012.
Eis o artigo.
O clima e a agricultura sempre estiveram entrelaçados na maior parte do mundo. Não importa em qual continente, os agricultores têm sempre estado à mercê de precipitação e temperatura. Portanto é curioso que a maior parte das conversas em relação à mudança climática – como o clima tem sido modificado pela atividade industrial – gire em torno da redução de emissões (“mitigação” do clima) e não sobre uma forma de modificar a agricultura para as novas condições climáticas. Mas com a expectativa de aumento da população mundial em mais um bilhão de pessoas em 15 anos, precisamos produzir mais alimentos com menos emissões de enquanto nos adaptamos à mudança dos climas.
Outra rodada de negociações internacionais sobre mudança climática foi concluída em Doha, no Qatar, há algumas semana sem um consenso maior sobre as emissões. Isso era em grande parte esperado – nas negociações do ano passado a decisão mais importante foi a de elaborar um tratado internacional vinculado judicialmente em 2015 que entraria em vigor em 2020. As negociações deste ano marcaram o início desse esforço.
Surpreendentemente, porém, houve uma falta de consenso ao abordar a adaptação da agricultura. Os esforços para implementar um programa formal que lide com o problema urgente da segurança alimentar terminaram sem acordo e o assunto foi adiado para uma discussão adicional em junho.
Mas fora dos círculos diplomáticos, um consenso diferente está se formando – um que não depende de negociações. As pessoas estão percebendo que a mudança climática já está acontecendo. Talvez isso se deva à supertempestade de cobertura noticiosa que se seguiu ao furacão Sandy, que causou mais de US$ 50 bilhões em danos na região da cidade de Nova York.
É mais provável, porém, que tenha sido influência da falta das monções que secou as plantações da Índia, ou da seca feroz que atingiu a maior parte dos Estados Unidos este ano e que muitos outros lugares ainda enfrentam. Em Doha – como grande parte do Oriente Médio e Norte da África – desertos e outras terras secas estão se tornando ainda mais secos, reduzindo a produção agrícola local. Os preços dos alimentos estão cada vez mais voláteis.
Muitos governos não estão esperando um consenso internacional para entrar em ação. No Brasil, por exemplo, um programa de dois anos e US$ 250 milhões já financiou mais de 2.000 projetos agrícolas para ajudar a recuperar pastagens degradadas, melhorar o processamento dos resíduos do gado, implementar agricultura de plantio direto para aumentar a vida do solo, plantar florestas comerciais e empregar outras práticas que têm baixas emissões e responder à mudança climática.
No Níger, mais de mil projetos separados foram implementados na gestão da agricultura, pesca e pecuária, beneficiando mais de 100 mil pessoas. Estes projetos desenvolveram quase 9.000 mil hectares de terra com práticas de gestão mais sustentáveis. Quase 90% deles reduziu o uso da água e a erosão do solo. Eles também aumentaram a cobertura vegetal e a quantidade de carvão armazenado na paisagem.
No Vietnã, a produtividade do arroz cresceu e as emissão de metano foram reduzidas através da drenagem intermitente dos arrozais. O projeto foi lançado em 2007, e em 2011 mais de um milhão de agricultores estavam usando a abordagem em 185 mil hectares, aumento a produtividade de 9% a 15% e a renda dos agricultores em US$ 95 a US$ 260 por hectare por safra.
Estas iniciativas são todas bem-sucedidas, mas o problema está em sua escala. Apenas 10% dos produtores de arroz vietnamitas são atendidos pelo programa do país; um aumento considerável em capital é necessário para expandir o alcance do programa. Não está claro se o Vietnã, Níger e outros países em desenvolvimento terão fundos suficientes, acessíveis aos agricultores, que poderão ser usados para enfrentar a adaptação. É aí que as deficiências dos esforços internacionais aparecem.
Na ausência de um tratado global que forneça incentivos para adaptação agrícola, muitas vezes não há escolha a não ser continuar com os métodos tradicionais. Novas abordagens são desesperadamente necessárias para que todos os agricultores do mundo possam acompanhar a mudança climática.
(Ecodebate, 19/12/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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Bem, deveriam também pensar URGENTEMENTE em controlar o aumento da população, que já atingiu níveis totalmente insustentáveis. Interessante ninguém ou pouquíssimas pessoas tratarem sobre isso, que é uma das medidas mais necessárias e óbvias …
Caro Bruno,
Ninguém fala em controle populacional porque esse não é o problema.
A questão central é o hiperconsumo: 1/6 da humanidade consome 78% de tudo que é produzido no mundo (16% mais ricos do mundo são responsáveis por cerca de 78% do total do consumo mundial)
De outro modo, os EUA, com apenas 5% da população mundial, abocanharam uma fatia de 32% do consumo global.
Quem ‘come’ o planeta? os 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo (aproximadamente 7% da população mundial) são atualmente responsáveis por 50% das emissões globais de CO2, enquanto os 3 bilhões mais pobres são responsáveis por apenas 6%.
Resumo da ópera, a questão não é o tamanho da população, mas o hiperconsumo.
Henrique Cortez