Bomba-relógio: o tique-taque acelerado das mudanças climáticas, artigo de Alexandre Costa
[O que você faria se soubesse o que eu sei?] Recentemente, alguns textos têm circulado, nas mídias alternativas, acerca da justeza das projeções apresentadas pelo IPCC desde os anos 90 para o que era, então, o futuro próximo, e viria a ser, hoje, o nosso presente. Alguns, como este, destacam que as projeções de aquecimento global se confirmaram. Outros, como o texto de James Hansen, em sua versão traduzida, destacam aquilo que mais me preocupa, que é o ritmo alarmante de certas mudanças, que têm sido detectadas no sistema climático na escala de anos.
Distribuição do calor excedente no sistema climático terrestre, com base nos dados do IPCC. Figura adaptada a partir de http://www.skepticalscience.com/graphics.php?g=12. |
Extensão de gelo marinho no Ártico conforme as observações (em vermelho) e segundo as projeções do IPCC (em azul) |
Daí, mais do que o crescimento das temperaturas da superfície (que, mesmo com o sobe-e-desce devido à variabilidade natural, é inequívoco como mostrei neste texto), preocupa-me o ritmo da elevação do nível dos oceanos e do degelo do Ártico, que ultrapassam aquele prognosticado pela mais “pessimista” das projeções. O derretimento do gelo marinho do Ártico é extremamente acelerado, como se constata na figura ao lado, possivelmente expondo uma realidade que combina um transporte significativo de calor para aquela região, bem como uma possível manifestação do mecanismo de feedback que descrevi em texto anterior.
Elevação do nível do mar medida por estações e via altimetria por satélite, em comparação com as projeções do IPCC (Fonte: Rahmstorf et al. 2007) |
No caso da elevação do nível do mar, esta também aparece evidentemente subestimada nas projeções de modelos feitas anteriormente. Sabe-se que o oceano se eleva por uma combinação de dois fatores: a sua dilatação térmica (como qualquer objeto comum, ele se expande, ao ser aquecido) e o aporte de água proveniente do derretimento de gelo continental (como o da Groenlândia e Antártica). A combinação desses fatores tem levado a um ritmo de elevação dos mares muito acima das projeções dos modelos do IPCC (na figura ao lado, os resultados dos modelos seguem a faixa cinza, evidentemente abaixo das observações tanto diretas, por estações, quanto via altimetria por satélite).
Porém, outros processos também têm se somado ao conjunto de impactos esperados não para já, mas para anos ou décadas adiante. Alguns deles são destacados no filme “6 graus”, que já tive oportunidade de divulgar neste blog e que recomendei já em post anterior. Assistindo novamente esse filme, produzido há cerca de 5 anos, ele me pareceu tristemente profético em diversos pontos, sobre os quais discorro a seguir.
Começo pelos incêndios florestais, facilitados não somente pelas altas temperaturas e pelo tempo extremamente seco característico de locais como a Austrália e o interior dos EUA (condições que, evidentemente, tendem a se agravar à medida em que o clima aquece), mas também por um fator inesperado: migração de besouros de áreas mais quentes ou sobrevivência destes besouros por mais de um ano (geralmente eles morrem durante o inverno rigoroso, por exemplo, do meio-oeste americano) ou nascimento prematuro das suas larvas, em função da antecipação das estações quentes. Várias árvores que arderam em chamas no estado do Colorado já estavam mortas antes do incêndio, em função do ataque da praga. Os incêndios florestais amplificados pela mortandade prévia de árvores e ameaçando residências na Austrália se repetiram nos EUA.
Aliás, por falar em morte de árvores, a Amazônia fornece um exemplo do risco de possíveis efeitos não-lineares de retroalimentação. Apesar de a morte da floresta em um cenário de aquecimento mais severo, da ordem de vários graus, ainda permanecer objeto de debate, é fato que a ocorrência de duas secas severas na região, em anos próximos (2005 e 2010) trouxe uma mortandade muito significativa de árvores. Taxas de evaporação e evapotranspiração mais elevadas em função do aquecimento global, juntamente com a extensão dos períodos de dias consecutivos secos podem colocar até mesmo as árvores com raízes mais extensas (capazes de buscar umidade nas porções mais profundas do solo) em situação de risco. Aquelas que sobreviverem a uma seca, podem ficar fragilizadas a ponto de não resistirem à seca seguinte, especialmente se estas se tornarem recorrentes. A Amazônia passaria, então, de um enorme estoque de carbono (com potencial até de sequestrar ainda alguma parte do carbono na atmosfera) a uma nova fonte de emissão, acelerando o aquecimento global num ciclo vicioso (como no caso dos já discutidos feedbacks do vapor d’água e do gelo-albedo). A seca de 2005, mostrada no documentário “6 graus”, repetiu-se em 2010 e os riscos associados à possibilidade de secas recorrentes são reais.
Cena do filme “6 graus”, mostrando o metrô de Nova Iorque submerso |
Mas nada é mais surpreendente do que, no documentário “6 graus” ver a incrível cenarização do que poderia acontecer se uma supertempestade atingisse a costa leste americana, principalmente Nova Iorque. A catástrofe, mostrando inundação, metrô submerso e paralização da cidade, fazia parte da descrição do “mundo 4 graus mais quente”, algo projetado para décadas adiante. Sandy fez questão de chegar muito antes, dando uma demonstração do que pode vir a ser a “normalidade” num futuro não muito distante. A semelhança entre a cena do filme (então, um suposto cenário) e a realidade depois desnudada por Sandy é assustadora.
Fotografia de uma das estações do metrô de Nova Iorque, após a passagem da supertempestade Sandy |
Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
Artigo indicado pelo Autor e originalmente publicado em seu blogue pessoal [O que você faria se soubesse o que eu sei?] e republicado pelo EcoDebate, 17/12/2012
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Parabenizo Alexandre Costa pela produção e publicação de artigo tão oportuno e importante, e peço-lhe permissão para acrescentar: é o instinto do capitalismo, o qual sempre atua em defesa do lucro, chamamado, agora, de desenvolvimento, que faz com que as decisões sejam tomadas como se fossem de brincadeirinha, sem considerar os riscos envolvidos.
Mas o tempo que nos resta é tão pouco que é difícil acreditar.