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Artigo

COP18, Sensibilidade Climática e Insensibilidade dos Governos, artigo de Alexandre Costa

 

Todos os indicativos mostram que o sistema climático é bastante “sensível”, isto é, perturbações relativamente pequenas podem ter grandes efeitos. A chamada “sensibilidade do sistema climático” é, para nós, cientistas do clima, um parâmetro, um número que guarda um significado muito importante pois ele responde à pergunta: se duplicarmos a quantidade de CO2 na atmosfera da Terra, de quanto a temperatura do planeta subirá?

Acredita-se que esta “sensibilidade” seja de cerca de 3°C (entre 2°C e 4,5°C), isto é, que ao se duplicar a concentração de CO2 atmosférico, a temperatura planetária, ao se atingir um novo estado de equilíbrio, se eleve de três graus.

A figura acima é reproduzida a partir do  4°  relatório   do   IPCC  e  mostra
várias estimativas da sensibilidade climática, concordando razoavelmente entre si. Aquelas em tom de vermelho foram obtidas a partir de dados observados e contam com a inconveniência de que evidentemente o sistema climático terrestre está fora do equilíbrio, pois o crescimento das emissões é tão acelerado que o clima não tem tempo de se ajustar ao efeito estufa continuamente amplificado. Aquelas em verde são obtidas a partir de testemunhos paleoclimáticos, isto é, usando dados indiretos do clima do passado. Estas concordam muito bem com as representadas pelas linhas em azul, obtidas por meio de simulações computacionais com modelos climáticos.Para entender o que essa figura diz, podemos seguir alguns exemplos. Tomemos a chamada “probabilidade acumulada” de 0,5 (no eixo vertical). Se seguirmos uma horizontal até as curvas coloridas e, a partir do ponto de intersecção, descermos até o eixo horizontal, encontramos o valor mais provável para a sensibilidade climática, confirmando o valor em torno de 3°C de elevação de temperatura para uma concentração de CO2 duplicada. Para uma probabilidade acumulada de 0,1 e 0,9, encontramos que dificilmente a sensibilidade é menor do que 1,5 a 2 graus e dificilmente é maior do que 5 a 7 graus.

Os níveis de CO2 antes da era industrial giravam em torno de 280 partes por milhão em volume (ou seja, era como se, a cada milhão de litros de ar, 280 fossem de CO2), ou, conforme a sigla, 280 ppm, valor que ficou quase estável por 10 mil anos, desde que a Terra saiu da última era glacial! Conforme o site CO2now.org, que utiliza dados da famosa estação de Mauna Loa, no Havaí, no primeiro ano de medidas ininterruptas (1959), as concentrações desse gás já se aproximaram de 316 ppm (13% acima do período pré-industrial).

Em 1988, ultrapassou-se o limite considerado seguro para um aquecimento de menos de 1°C, a cifra de 350 ppm. Em 1992, por ocasião da Rio-92, já se havia ultrapassado 356 ppm. Quando Kyoto foi aprovado, em 1997, beiravam-se 364 ppm. O acordo de Copenhague de 2009 se deu sob uma atmosfera contendo já 387 ppm de CO2. O ano de 2011 quase encerrou com 392 ppm (40% acima dos valores do século XIX). Se estabilizássemos o CO2 atmosférico nesse valor, o planeta continuaria aquecendo até chegar a um estado de equilíbrio cerca de 1,4°C mais quente do que o período pré-industrial.

Como um aquecimento  global de 2°C pode ser profundamente danoso para grande parte dos ecossistemas terrestres, deveríamos fazer de tudo para ficar o máximo distantes dos 450 ppm que corresponderiam a essa elevação de temperatura e, com mais razão ainda, dos 560 ppm que provavelmente nos levarão a um mundo 3 graus mais quente do que o período pré-industrial. Mas, a “insensibilidade climática” dos governos de quase todos os países, a começar dos países capitalistas centrais e incluindo os chamados “emergentes” é enorme. Apenas um punhado de representantes de nações da África e, principalmente, de países insulares (fortemente afetados pela elevação do nível dos oceanos) têm mantido uma posição mais veemente em defesa do sistema climático nas negociações de cúpula, reverberando o movimento mundial por justiça ambiental e climática.

Um clima mais aquecido será também um clima de mais eventos extremos. Degelo, elevação dos oceanos, secas severas, enchentes recorde trarão impactos desiguais, que incidirão inevitavelmente, com muito mais força, sobre os pobres. O que precisa ser mudado, portanto, é o sistema, não o clima. Para isso, é necessário um movimento em escala mundial, tão grande quanto a tarefa. Ainda estamos longe disso, eu sei. Mas cabe a nós dialogarmos, mostrarmos, convencermos. Antes que Sandys, Katrinas e Catarinas o façam.

(Observação: a rigor, não se deve fazer o cálculo apenas considerando o CO2, pois outros gases de efeito estufa emitidos em atividades humanas, como o metano, ou CH4 e o óxido nitroso, ou N2O, ou os halocarbonetos também exercem efeito estufa. Um cálculo mais preciso usa a definição de “CO2 equivalente”, ou seja, considera-se o efeito estufa dos outros gases como se esse fosse exercido por mais CO2 atmosférico. Se você está desconfiado de que isso torna o quadro real ainda mais grave do que o que eu pintei… bem, você acertou…)

Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.

Artigo originalmente publicado em seu blogue pessoal [O que você faria se soubesse o que eu sei?] e republicado pelo EcoDebate, 28/11/2012

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