Pequena dose de economia ecológica, artigo de André Aroeira Pacheco
[EcoDebate] Estive lendo algumas semanas o artigo entitulado Sitiante recompôs 80% da mata de seu sítio e criou a primeira RPPN de Amparo (SP)[1] em uma das minhas leituras diárias do profundamente inspirador boletim do site EcoDebate, que, à la Christopher Hitchens, lhe sugiro com veemência.
Em um daqueles exemplos impressionantes de altivez que surgem de tempos em tempos na TV, embora eu duvide muito que esse tipo de noticia vá ser pauta na TV brasileira nos próximos 20 anos, mais por falta de interesse do público do que por má intenção dos âncoras, um paulista resolveu plantar 5 mil mudinhas em seu sítio ao longo de 25 anos. Pagou do próprio bolso, pesquisou com o próprio tempo as espécies nativas da região nos 100 anos anteriores e provavelmente plantou milhares de árvores com as próprias mãos, transformando uma terra miserável em uma floresta exuberante.
Mas porque esse bobalhão vai perder dinheiro com isso? – você perguntaria. Ou, à la Kátia Abreu, a senadora, líder da bancada ruralista, produtora rural, mentora da retalhação do Código Florestal e chefe da Confederação Nacional da Agricultura, o que ele vai ganhar em manter essas malditas plantinhas?
Nada, eu responderia. Além da admiração pessoal deste autor e da satisfação de ter a mais bela, mais avifaunísticamente visitada, mais acolhedora, mais exuberante e mais saudável propriedade da região de Campinas, sinceramente, ele não ganha absolutamente nada, e isso é um problema sério. Ganhou 3,5 nascentes (três perenes e uma intermitente)? Bem, é provável que ele consiga sobreviver tranquilamente com as originais 1,5 e nesse contexto a água extra só servirá, na visão retrógrada do agronegócio brasileiro, pra crescer sapo e mosquito. Mas e o 1,5% da água pura que agora abastece Amparo e que ele fez nascer? Bom, se ele tiver algum amigo ou parente na cidade talvez ganhe umas latinhas de cerveja durante uma visita às cachoeiras que ele “plantou” em sua propriedade, caso contrário se contentará com algumas poucas centenas de reais/hectare/semestre de projetos pilotos do governo estadual, o que não paga 2 dias de trabalho de um agrônomo ou um profissional competente que possa fazer o planejamento de um projeto de recomposição florestal, que leva anos.
Sob a perspectiva das atrasadas autoridades ruralóides brasileiras, o desenvolvimento do Centro-Oeste, visto desde a fronteira do extraordinário Parque Nacional das Emas/GO – Foto: Gabriela Magalhães S.S.
Aí vem a pergunta que não se cala na cabeça de agricultores “sensatos”: porque diabos alguém faria uma bobagem dessas enquanto o governo dá crédito pra que se desmate áreas a serem cultivadas e dá subsídios pra que você envenene a comida alheia sob o pretexto de estar produzindo mais (e melhor!) no curto prazo, ainda que vá lhe custar a saúde do seu solo, de sua água e a sua própria num futuro não tão distante?
Bom, só podemos imaginar que Guaraci Diniz Júnior é a exceção. Nenhum agricultor do País vai replicar seu exemplo de plantar água, plantar solo, plantar aves, plantar insetos, plantar biodiversidade e plantar até uma Unidade de Conservação com o próprio suor e o próprio dinheiro.
A realidade hoje é que existe cada vez mais incentivo pra queimar, pra invadir, pra matar e quase nenhum incentivo à produção de serviços ecossistêmicos, aqueles que são prestados pelo meio ambiente à sociedade de forma gratuita, como o ciclo dos elementos, fornecimento de água limpa e matérias primas etc etc.
Qual a dificuldade de se estabelecer um programa de pagamento por serviços ambientais eficiente que valorize a floresta em pé? Qual o empecilho de se cobrar 1 ou 2% a mais na conta de água e repassar a quem protege a mata ciliar dos inúmeros cursos d’água da bacia, o que reduz custos de captação pelo aumento do volume ofertado e reduz custos de tratamento pela significativa melhoria da qualidade da água captada, que México e Costa Rica, por exemplo, fazem a anos? Porque não devolver a quem é de direito a economia propiciada nesse processo, direta e indiretamente, para resolver, por exemplo, os insolúveis problemas fundiários da maioria das unidades de conservação (UCs) cujo processo se arrasta, em teoria, por falta de recursos?
Ninguém parece se lembrar que estas UCs geram serviços inestimáveis de proteção das nascentes de grandes rios que abastecem de água as grandes cidades, mantém um patrimônio genético com valor quase incalculável de opção podendo, no futuro, revelar a cura de uma doença ou a patente de uma tecnologia revolucionária, pra ficar só nesses exemplos. Não é possível entender a má vontade do País que tem a maior biodiversidade do mundo mas engatinha nas atividades de valorar seu patrimônio natural ao passo que incentiva a destruição da sua única possibilidade de ser um (bom) exemplo para o mundo.
Questões como essas vêm engasgando especialistas a algumas décadas, a despeito de serem relativamente recentes, mas o que se vê do atual governo é uma chance remota de obter resposta à altura. Este é o governo que patrocina a invasão dos últimos rincões inexplorados da Amazônia, que afoga florestas virgens em lagoas apodrecidas para sustentar obras suspeitas tocadas por financiadores de campanha e que cai de joelhos pras solicitações da bancada ruralista no Congresso e concede anistias monstruosas a quem desmata; mas que na hora de fomentar iniciativas fantásticas em projetos miseráveis que clamam por recursos (como o Projeto Conservador das Águas, no sul de Minas Gerais), refuga. No fim das contas, estamos financiando com capital natural, produtos de baixíssimo valor agregado (commodities, papel, minério, ferro gusa, grãos etc) para serem beneficiados em outros Países.
A distância monstruosa entre as políticas públicas e a ciência faz o Brasil ignorar sistematicamente, a 500 anos, o inestimável valor, inclusive financeiro, que uma floresta nativa bem preservada tem pra oferecer, em uma área de influência muito grande, principalmente em tempos de desastres ambientais.
Quem quiser saber mais do assunto procure entrevistas recentes do Papa da valoração de serviços ecossistêmicos – e por consequência pagamentos por serviços ambientais (PSA) – Robert Constanza, que deu a veículos de comunicação brasileiros algumas das mais belas e inspiradoras entrevistas que já li.
André Aroeira Pacheco
andrearoeirap@gmail.com
A 2 meses da formatura em biologia pela Universidade Federal de Minas Gerais / Estagiário em Licenciamento Ambiental na Azurit Engenharia – Belo Horizonte
EcoDebate, 23/11/2012
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