A influência da temperatura dos mares nas chuvas amazônicas, entrevista com Rosimeire Araújo Gonzalez
Foto: chuva caindo sobre a Amazônia. Fotógrafo: Rhett A. Butler
Mudanças nas condições de temperatura da superfície dos oceanos Pacífico e Atlântico comprometem os ventos e as estações seca e chuvosa na região amazônica, assinala Rosimeire Araújo Gonzalez
Por: Márcia Junges
“Alguns experimentos numéricos sugerem que a temperatura da superfície do mar no Pacífico tropical e Atlântico têm uma influência importante na precipitação na Amazônia oriental em considerável parte do ano”. A afirmação é da física Rosimeire Araújo Gonzalez, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Segundo ela, “por meio de processos físicos envolvidos na complexa interação entre o oceano e a atmosfera, os oceanos desempenham um papel fundamental no contexto da variabilidade climática de um ponto de vista mais global. A temperatura da superfície do mar é extremamente importante no contexto de clima e tempo devido modularem a circulação da atmosfera, e ser uma variável considerada como indicativos das condições de tempo e clima de uma dada região”.
Rosimeire Araújo Gonzalez é graduada em Física pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM, mestre em clima e ambiente pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA e doutoranda em Clima e Ambiente pelo INPA-UEA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os principais eventos anormais que estão ocorrendo na temperatura dos oceanos Pacífico e Atlântico equatoriais?
Rosimeire Araújo Gonzalez – É necessário esclarecer o termo “anormal”. No contexto de clima, anormal ou anomalia são comparações em relação a uma média de alguns anos, ou seja, tratando-se de temperatura da superfície oceânica, em um dado tempo e espaço esse valor pode variar em torno de um padrão médio de pelo menos 50 anos e pode configurar uma anomalia positiva ou negativa quando a diferença entre o valor observado for maior ou menor do que o valor da média climatológica. Não que esses eventos ocorram desordenadamente ou inesperadamente, como o termo anormal propõe em termos etimológicos. Ao contrário, eles sempre ocorreram em uma frequência média esperada e existem estatísticas para suas previsões. Consequentemente são considerados padrões constituintes da configuração física dos oceanos. Essa média de valores é o referencial adotado para ressaltar as variabilidades em torno dessa média e a variabilidade são os padrões anômalos aqui considerados. Para todos os modos, caracteriza-se por aquecimentos ou resfriamentos por toda a superfície das bacias quando comparadas à média climatológica. Quanto ao Oceano Pacífico, um importante modo caracteriza-se pela ocorrência da temperatura da superfície do mar no Pacífico equatorial central leste acima ou abaixo da média climatológica definida como El Niño ou La Niña. E quanto ao oceano Atlântico Tropical, análises de temperatura da superfície do mar na região mostram pelo menos cinco modos de variabilidade: modos de variabilidade separados no Atlântico Norte e Sul, equatorial, gradiente inter-hemisférico e o de dipolo meridional.
IHU On-Line – Qual é a relação das chuvas da Amazônia com essas mudanças ocorridas nas águas marinhas?
Rosimeire Araújo Gonzalez – Em especial para a Amazônia, estudos observacionais e de modelagem mostram que eventos no oceano Pacífico são associados aos impactos sobre o clima atuando de forma diferenciada, isoladamente ou mesmo atuando juntamente com o oceano Atlântico. Mudanças nas condições de temperatura da superfície dos oceanos Pacífico e Atlântico, por se tratarem respectivamente do padrão dominante mais importante dessa região e fonte de umidade para a Bacia Amazônica, comprometem os ventos, consequentemente o transporte de umidade e/ou a circulação da atmosfera de grande escala, comprometendo em ambos os casos a qualidade das estações seca e chuvosa na região. Por ser muito extensa, a região Amazônica responde de forma diferenciada, em se tratando das chuvas. Por exemplo, em algumas regiões há redução ou aumento das chuvas em anos de El Niño ou La Niña. Em outras regiões a resposta é inversa, enquanto outras não parecem responder, podendo nesses casos ser mais dependentes das condições do Oceano Atlântico, por exemplo.
No contexto de variabilidade climática da Amazônia, embora a relação entre a precipitação e a temperatura da superfície do mar já venha sendo documentada desde o século XX, o impacto de cada oceano, sua relação com a estação chuvosa e os mecanismos associados permaneceram em discussão. Alguns experimentos numéricos sugerem que a temperatura da superfície do mar no Pacífico tropical e Atlântico têm uma influência importante na precipitação na Amazônia oriental em considerável parte do ano.
Baseando-se principalmente na análise de dados observacionais, e mostrando que apenas uma fração da variabilidade da precipitação sobre a Amazônia pode ser explicada por El Niño/La Niña, é mostrado que as anomalias de temperatura da superfície do mar nas regiões do Atlântico tropicais e norte apresentam uma influência considerável, enquanto que anomalias de temperatura da superfície do mar do Atlântico Tropical Sul parecem ter impacto limitado. No entanto, alguns estudos demonstraram que pode ter uma influência mais significativa na porção sul da bacia durante o início da estação seca. Mais pesquisas nesta direção utilizando modelos de circulação geral da atmosfera forçados pela temperatura da superfície do mar observada e com modelos acoplados oceano-atmosfera confirmariam a ligação Amazônia/Pacífico/Atlântico.
IHU On-Line – Por que o regime de chuvas amazônico está mudando? Que fatores explicam isso?
Rosimeire Araújo Gonzalez – Os estudos quanto às condições climatológicas das chuvas na Amazônia são recentes e, consequentemente, resultados relativos às suas variabilidades também são. Nesse sentido, ainda não se podem fazer conclusões a respeito de mudanças. Para um estudo climatológico completo que represente variações anuais, interanuais e decadais seriam necessários pelos menos 100 anos de coleta de dados, e isso ainda não temos. Base de dados confiáveis como chuva é algo complexo mesmo. Em se tratando de Amazônia é comum trabalhos apresentando em suas conclusões essa limitação, voltando muitas vezes o pesquisador a recorrer por técnicas estatísticas para completar sua base de dados, limitando avanços em suas pesquisa.
IHU On-Line – Como essa mudança das precipitações de chuva impacta os ecossistemas marinho e terrestre equatoriais?
Rosimeire Araújo Gonzalez – Existem relevantes estudos relacionando impactos de redução ou aumento das chuvas na Amazônia em ecossistemas terrestres. Estudos que visem a resposta da vegetação esclarecem uma dependência das condições de chuvas para sua função metabólica, estando principalmente associadas às condições hídricas do solo. Isso quer dizer que existe toda uma interação entre a biosfera e a atmosfera em questão ainda pouco exploradas devido ao limitado banco de dados de variáveis de tempo e clima na Amazônia. Existe ampla linha de pesquisa que relaciona a dependência dos processos físicos de interação entre oceano e atmosfera às ações antropogênicas, por exemplo. Há, ainda, pesquisas que visam avaliar impactos de ações antropogênicas na disponibilidade de CO2 dissolvidos nos oceanos e que podem contribuir em questões como estas.
IHU On-Line – Em que medida os oceanos servem como “termômetro” do que está acontecendo com o clima global?
Rosimeire Araújo Gonzalez – Por meio de processos físicos envolvidos na complexa interação entre o oceano e a atmosfera, os oceanos desempenham um papel fundamental no contexto da variabilidade climática de um ponto de vista mais global. A temperatura da superfície do mar é extremamente importante no contexto de clima e tempo devido ao fato de modularem a circulação da atmosfera e por ser uma variável considerada como indicativos das condições de tempo e clima de uma dada região.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Rosimeire Araújo Gonzalez – Gostaria de comentar quanto aos avanços e também capacitação profissional em pesquisas na área de clima da Amazônia. Primeiro, o Projeto LBA – Experimento de Grande Escala da Interação Biosfera-Atmosfera na Amazônia, um projeto pioneiro, visa gerar novos conhecimentos essenciais para a compreensão dos processos climatológicos, ecológicos, hidrológicos e da biogeoquímica da Amazônia, dessa vez de um ponto de vista mais quantitativo, quando comparadas às pesquisas com datas anteriores a década de 1970, por exemplo. Estudos com foco nos efeitos locais das diferentes formas usos da terra, da resposta regional das chuvas mediante processos de pequena, meso e grande escala bem como respostas do sistema solo/planta/atmosfera vêm sendo apresentados.
Mais recentemente, por meio de um vinculo Institucional entre o Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia – INPA e a Universidade Estadual do Amazonas – UEA é mantido um programa de pós-gradução (mestrado e doutorado) em clima e meio ambiente, capacitando pessoas e contribuindo para avanços em pesquisa na Amazônia, os primeiros resultados começaram a ser publicados no ano passado.
A UEA oferece um curso de graduação em meteorologia, em que estudantes desenvolvem pesquisas em Programas de Iniciação Científica. Em breve, os projetos desenvolvidos por esses alunos devem gerar resultados para publicação. O curso foi criado no ano de 2006 e os primeiros meteorologistas do Amazonas começaram a ser formados no ano passado.
(Ecodebate, 23/11/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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