Banimento do amianto: direito humano, artigo de Renato Zerbini Ribeiro Leão
[Correio Braziliense ] Na sociedade internacional do século 21, o direito à saúde é um direito humano fundamental. Encontra-se consagrado nos regimes de direitos humanos universais das Nações Unidas e nos regionais, nos âmbitos do Conselho da Europa, da Organização dos Estados Americanos e da União Africana.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama, em seu artigo 25, que todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde e o bem-estar. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc) reconhece, em seu artigo 12, o direito de toda pessoa ao gozo do nível mais alto possível de saúde.
Esse não deve ser entendido simplesmente como um direito a estar sadio. O direito à saúde entranha — conforme o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, órgão de supervisão do Pidesc — liberdades e direitos. Assim, o direito à saúde está estreitamente vinculado com o exercício de outros direitos humanos; dentre os quais: à alimentação, à moradia, ao trabalho, à educação, à não discriminação, à igualdade, à vida privada, ao acesso à informação.
Os estados-partes do Pidesc, como é o caso do Brasil, têm a obrigação legal de cumprir com o direito à saúde. Por isso, requer-se que o reconheçam suficientemente em seus sistemas políticos e ordenamentos jurídicos nacionais, preferencialmente mediante a aplicação de leis e a adoção de uma política nacional de saúde.
A garantia da saúde pressupõe o acesso igual de todos a alimentos nutritivos sadios, água potável, serviços básicos de saneamento, moradia e condições de vida adequadas. Os estados também têm a obrigação de adotar medidas contra os perigos que representam para a saúde a contaminação do meio ambiente e as doenças causadas no exercício do trabalho. Assim, devem formular e aplicar políticas nacionais objetivando reduzir e suprimir a contaminação do ar, da água e do solo, incluída a contaminação causada por qualquer substância daninha, além dos riscos de acidentes e enfermidades ocasionadas no ambiente de trabalho.
A permissividade pelos Estados do uso do amianto em seus territórios inviabiliza a lógica anterior de afirmação do direito à saúde como um direito humano fundamental. O amianto ou asbesto é uma fibra mineral natural sedosa que, por suas propriedades físico-químicas, abundância na natureza e, principalmente, por seu baixo custo, tem sido largamente utilizado na indústria.
Entretanto, é extremamente cancerígeno. Por isso, seu uso foi banido em 52 países, incluindo os 27 da União Europeia. Os estados que, por ação ou omissão, permitem seu uso e são partes dos tratados internacionais de direitos humanos poderão ser internacionalmente responsabilizados por violação ao direito à saúde. Segundo dados fiáveis da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o Brasil é um dos maiores produtores, consumidores e exportadores de amianto do mundo. Não obstante, entre 2011 e 2012, o Sistema Único de Saúde teve um gasto calculado de R$ 291,8 milhões com o tratamento de doenças causadas pela exposição ao amianto.
Quando do direito à saúde se trata, as categorias de obrigações contraídas pelos Estados em tratados internacionais que regulam sua afirmação compreendem as de respeitar, requerendo dos Estados a abstenção de interferir direta ou indiretamente no direito à saúde; as de proteger, exigindo o impedimento da interferência de terceiros no direito à saúde; e as de realizar, demandando a adoção de medidas legislativas, administrativas, orçamentárias, judiciais, de promoção e de outro tipo, apropriadas para a plena realização do direito à saúde.
O banimento do amianto pelo Estado brasileiro atenderia a todas essas obrigações, consolidando o direito à saúde em território pátrio. E o Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser o ator a afirmar esse direito humano fundamental, pois julga ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que advoga pela situação irregular da interpretação permissiva do amianto no Brasil. Seu banimento seria um legado sadio deixado pela Corte Constitucional às novas gerações de brasileiros e de brasileiras.
Renato Zerbini Ribeiro Leão é Ph. D. em direito internacional e relações internacionais, membro do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, advogado e professor de proteção internacional da pessoa humana
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.
EcoDebate, 13/11/2012
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