Valoração Ecossistêmica da Paisagem para Resiliência da Agricultura, por João A. Mangabeira, Sérgio Gomes Tôsto e Lauro Charlet Pereira
VALORAÇÃO ECOSSISTÊMICA DA PAISAGEM PARA RESILIÊNCIA DA AGRICULTURA
João A. Mangabeira1
Sérgio Gomes Tôsto2
Lauro Charlet Pereira3
[EcoDebate] Para que se possa valorar de forma ecossistêmica uma paisagem e entender a sustentabilidade e a resiliência dos sistemas de produção agrícola de um território, é necessário também compreender a ecologia da paisagem em que se encontram inseridos estes sistemas de produção, bem como a dinâmica espaço-temporal do uso e ocupação das terras dentro desta paisagem ou território.
Ecologia da Paisagem é o estudo da interação entre padrões de paisagem e os processos ecológicos, especificamente a influência padrão da paisagem nos fluxos de água, energia, nutrientes e biota. O que distingue a ecologia da paisagem de outras disciplinas (p.ex. a geografia, a biologia, a ecologia, a hidrologia, entre outras) é que ela engloba uma abordagem hierárquica para interpretar estrutura ecológica, função e resiliência em múltiplas escalas de investigação (JENSEN, 2009).
Para a valoração ecossistêmica de uma paisagem é necessário entender a sustentabilidade dos agroecossistemas, que é determinada pela combinação de diversos fatores de natureza social, econômica e ambiental. Ao transformar o meio ambiente natural para fins econômicos, o ser humano estabelece as condições ambientais que irão permitir – ou não – a produção agrícola. O meio natural – as condições do solo, da água, da flora e fauna do entorno – tem um papel central no sucesso da produção agrícola. Além disso, é importante lembrar o impacto que a transformação da paisagem para fins agrícolas tem sobre sistemas mais amplos, como o clima, por exemplo. Ao transformar a paisagem tendo em vista apenas o sucesso econômico, o ser humano pode estar pondo em risco a capacidade do ambiente natural de continuar a permitir a produção agrícola, ou em casos extremos ameaçando a sua própria sobrevivência. Essa ameaça constitui um estado de insegurança ambiental (MARZALL, 2007).
Neste caso, um grande problema está na insegurança alimentar no futuro, pois para a manutenção do fornecimento de alimentosde modo sustentável e resiliente serão necessárias novas estratégias de ação, que respondamaos grandes desafioscolocados pelamitigação das alterações climáticas, escassez de água e declínio da agricultura pela perda de biodiversidade(NELLEMANN, et al., 2009).
Para o futuro, os sistemas de produção deverão não apenas contribuir positivamente para os ecossistemas e comunidades saudáveis e resilientes (com restauração de solos e da vegetação em paisagens agrícolas), mas também prestar serviços às bacias hidrográficas, garantindo habitats para a vida selvagem e sequestrandogases do efeito estufa (NELLEMANN et al., 2009).
Nesse contexto, é importante o conhecimento ecológico da paisagem, o que tem permitido que o foco atual das atenções seja dirigido ao que deve ser feito perante a mudança ambiental global, em oposição a simplesmente questionar sua existência. Entretanto, menos evidente tem sido o entendimento das respostas dos ecossistemas associados aos componentes dessa mudança (VITOUSEK, 1994). Questões decorrentes das alterações ambientais relativas à fragmentação florestal, à seleção de áreas para conservação, ao manejo dos recursos naturais, ao desenvolvimento sustentável ou à manutenção da diversidade biológica, cujas respostas deveriam guiar os tomadores de decisão, não são facilmente respondidas, sendo muitas vezes envoltas de incertezas.
Para o conhecimento ecológico da paisagem e diminuição das incertezas na tomada de decisão são necessários levantamentos e quantificações, de forma rápida e precisa, dos diferentes ecossistemas componentes de uma paisagem. Ou seja, diferentes ecossistemas formam paisagens, as quais, por sua vez, constituem uma região, que do ponto de vista funcional é adotada para administração. Para o gerenciamento ecologicamente adequado dos recursos disponíveis na região, torna-se essencial a identificação e a compreensão de como as estruturas ambientais estão dispostas e interagem na paisagem para a manutenção da integridade regional. É necessário compreender como um ecossistema responde funcionalmente às mudanças em sua estrutura, e também como diferentes ecossistemas e paisagens Interatuantes respondem às intervenções (PIRES et. al. 2004).
Nesse contexto, os Sistemas Geográficos de Informação (SIGs) e as informações derivadas dos sensores orbitais, aliadas às técnicas de geoprocessamento, têm sido extremamente eficientes na caracterização, identificação e mapeamento ambiental dos recursos naturais da paisagem (RIBEIRO et. al., 1999). O uso dos SIGs tornou-se essencial para as atividades relacionadas ao planejamento ambiental, principalmente nas tarefas associadas à simulação do espaço geográfico e dos processos naturais, na integração das informações espaciais e na produção cartográfica, que são importantes subsídios para os tomadores de decisão.
A integridade dos ecossistemas em uma paisagem implica a manutenção de suas áreas naturais em condições satisfatórias de tamanho e de qualidade ambiental, na perspectiva de assegurar a continuidade dos processos ecológicos ao longo do tempo. Entretanto, o principal desafio consiste em estimar a integridade ecológica de uma área qualquer sob gerenciamento e verificar suas tendências em relação às alternativas de manejo e gestão propostos. Diversos indicadores têm sido utilizados para estimar e monitorar a integridade ecológica de uma paisagem, como a produtividade primária (SCHAEFFER et. al., 1988), a ciclagem e perda de nutrientes (ODUM, 1985), a taxa de decomposição (SHEEHAN, 1984), a riqueza e diversidade de espécie (PAOLETTI, 1999), a análise de população mínima viável de espécies (SOULE & SIMBERLOFF, 1986), a análise de área dinâmica mínima (PICKETT & THOPSOM, 1978) e a análise de fragmentação de habitats (FORMAN & GODRON, 1986). A impossibilidade de uso simultâneo de todos esses indicadores para analisar a sustentabilidade e a resiliência de uma paisagem, associados a uma avaliação multiescalonada, remete à necessidade de uma avaliação com base em uma abordagem mais sintética, de forma multicriterial.
Por fim, organizar, levantar e sistematizar estruturas e funções ecossistêmicas de uma paisagem, que possam valorá-la e que determinem a sustentabilidade e resiliência desta paisagem, juntamente com a agricultura nela inserida, é objetivo de suma importância na atualidade de fortes mudanças climáticas. É fundamental que todas estas informações estejam numa base de dados georreferenciada, eficiente, preditiva e acessível a todos. Além disso, é necessário desenvolver e implementar programas que resolvam as inadequações de infraestrutura sistemáticas e recursos humanos com esforço para caracterizar e entender a sustentabilidade e resiliência da paisagem.
Referências bibliográficas
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FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. New York: John Wiley & Sons, 1986
LIMA, r.n. Análise ambiental de uma unidade de conservação. Estudo de caso: Parque Estadual Paulo César Vinha, Guarapari, ES. 1996. 163f. Dissertação (Mestrado) – UFSCar, São Carlos.
MARZALL, K.: Agrobiodiversidade e resiliência de agroecossistemas: bases para segurança ambiental: Resumos do II Congresso Brasileiro de Agroecologia: Rev. Bras. Agroecologia, v.2, n.1, fev. 2007.
NELLEMANN, C., MacDEVETTE, M., MANDERS, T., EICKHOUT, B., SVIHUS, B., PRINS, A. G., KALTENBORN, B. P. (Eds). February 2009. The environmental food crisis – The environment’s role in averting future food crises. A UNEP rapid response assessment. United Nations Environment Programme, GRID-Arendal, www.grida.no
ODUM, E. P.; Trends espected in stressed ecosystems. Biocience, v. 37, n. 7, p. 419-422, 1985
PAOLETTI, M. G. Using bioindicators based on biodiversity to assess landscape sustainability. Agriculture, Ecosystems and Environment, n. 74, p. 1-18, 1999.
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PIRES, J.S.R.; SANTOS, J. E.; PIRES, A.M.Z.C.R: Gestão biorregional: uma abordagem conceitual para o manejo de paisagens. In: SANTOS, J. E.; CAVALHEIRO, F.; PIRES, J. S. R.; OLIVEIRA, C. H.; PIRES, A. M. Z. R.: Faces da Polissemia: ecologia, planejamento e percepção. São Carlos-SP: RIMA, 2004.
SCHAEFFER, D.J.; HERRICKS, E.E.; KERTER, H.W. Ecossitem health: I. Measuring ecosystem health. Environ. Manegment, v. 12, n 4, p. 455-55, 1988.
SCHAEFFER, D.J.; HERRICKS, E.E.; KERTER, H.W. Ecossitem health: I. Measuring ecosystem health. Environ. Manegment, v. 12, n 4, p. 455-55, 1988.
SHEEHAN, J.P. 1984. Effects of pollutants on community and ecosystem structure and dynamics. In: J.P. Shaheen, D.R. Miller, G.C. Butler and P. Bourdeau (Eds.), Effects Of Pollutants At The Ecosystem Levels. John Wiley Sons Ltd., New York: 51-99
SOULE, M. E.; SIMBERLOFF, D. What do genetics and ecology tel uss about the design of nature reserves? Biol. Conserv., n 35, p. 19-40, 1986
VITOUSEK, P. Beyond global warming: ecology and global change. Ecology, v. 75, p. 1861-1876, 1994
1 Dr. em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente e Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite.
2Dr. em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente e Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite.
3Dr. em Planejamento Ambiental e Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
EcoDebate, 12/11/2012
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