A reeleição de Obama e o novo realinhamento político: ‘É a demografia, estúpido!’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos da Améria (EUA) e muitas foram as causas que explicam esta vitória. Sem dúvida, uma das mais importantes foi a dinâmica demográfica do país. Foi a nova configuração da população americana que possibilitou a derrota das forças conservadoras de direita, dos céticos anti-ambientais e da elite endinheirada.
Em 1992, quando os EUA ainda comemoravam o fim da URSS, a queda do Muro de Berlim, a unificação da Alemanha e a vitória na Guera do Golfo – com a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kwait – as eleições americanas foram polarizadas pelo desempenho dos indicadores econômicos, que não eram assim tão ruins naquele momento. Mas James Carville, o marqueteiro-mor de Bill Clinton, sintetizou a situação numa famosa frase: “É a economia, estúpido”.
Este bordão deveria ser mais atual do que nunca, vinte anos depois, quando a economia americana está em frangalhos, com elevados déficits fiscal e comercial , com a dívida pública do tamanho do PIB, com o aumento da desigualdade social e do número de pessoas abaixo da linha de pobreza, com taxas de desemprego recordes para o padrão histórico do país e com a ameaça de um duplo mergulho na recessão
Porém, a crise social e a péssima avaliação das políticas presidenciais na área econômica não diminuiram a probabilidade de vitória eleitoral de Barack Obama no dia 06 de novembro. A maior parte do eleitorado percebe que se a situação está ruim com Obama, pior poderia ficar com Mitt Romney. A revista britânica The Economist, manifestando apoio a Obama contra Romney, disse que é preferível votar no “diabo”conhecido do que no “diabo” desconhecido (“So this newspaper would stick with the devil it knows, and re-elect him”).
Mas esta percepção não é uniforme e tem uma clara divisão demográfica. De acordo com pesquisas de boca de urna em 2008, Obama perdeu para John McCain entre a população branca (43 a 55%), mas ganhou entre a população negra (95 a 4%) e entre os hispânicos (67 a 31%). Além disto, venceu com ampla margem entre o sexo feminino, vencendo entre as mulheres por 13 pontos e entre os homens por 1 ponto. Mas entre as mulheres não casadas Obama venceu por 41 pontos, enquanto John McCain venceu por 3 pontos entre as casadas.
Esta clara mudança baseada na divisão demográfica do eleitorado dos Estados Unidos da América, que surgiu em 2008, não foi um fato conjuntural, pois continuou sendo um fator de definição na intenção de voto em 2012. Mitt Romney tinha o apoio da velha e tradicional população masculina, rural, sulina, rica e WASP (White Anglo Saxon and Protestant), enquanto Barack Obama tendia a ter maior proporção do voto feminino, urbano, não-branco (negros, hispânicos, asiáticos, indígenas, etc), dos sem religião, dos jovens, não casados, das familias não tradicionais, dos mais pobres, das regiões litorâneas do leste e do oeste, etc.
O eleitorado branco caucasiano dos EUA estava em torno de 90% em 1996, passou para 75% em 2008 e caiu para 72% em 2012. Além disto diminuiu o percentual de domicílios com famílias biparentais. As mudanças demográfica na sociedade e na família tem favorecido Barack Obama e as políticas progressistas. Embora Mitt Romney tenha jogado todas as fichas na economia, há um novo bordão que define as eleições de 2012: “É a demografia, estúpido”.
Segundo quadro síntese do jornal britânico Daily Mail, Romney ganhou entre os homens em geral (52%), entre os homens brancos (57%), entre as mulheres casadas (53%), entre a população branca (58%), entre as pessoas mais religiosas (60%), entre os ex-militares (55%) e entre a população acima de 65 anos (58%). Já Obama ganhou entre as mulheres em geral (55%), entre as mulheres não casadas (68%), entre os negros (94%), entre os latinos (70%), entre asiáticos (73%) e entre os jovens de 18 a 29 anos (60%).
Em termos de peso do eleitorado foi o voto das mulheres – que são mais da metade da população e do eleitorado dos EUA – que fez a grande diferença (55% para Obama e 43% para Romney entre o eleitorado feminino nas menores estimativas do gender gap). As análises mostram que as mulheres fugiram do partido republicano devido às posicões conservadoras que propunham restringir o direito ao aborto, restringir o acesso aos métodos contraceptivos, contra o “salário igual para ocupação igual”, contra os direitos das mulheres em famílias monoparentais femininas, contra o casamento gay, condescendência com a violência de gênero, etc. Ou seja, as mulheres votaram pelos direitos sexuais e reprodutivos e esta bandeira foi um dos principais motivos da vitória de Obama, que contou especialmente com a mobilização das mulheres negras, hispânicas, asiáticas, pobres, urbanas, não-casadas e jovens. Isto está criando uma conjuntura mais favorável na preparação da CIPD para além de 2014 e também na revisão dos ODMs.
A vitória de Barack Obama foi, no geral, uma vitória contra as políticas que tem aprofundado as desigualdades sociais nos EUA, aumentado as agressões contra o meio ambiente, atacado a legislação ambiental e incentivado o fundamentalismo de mercado, o fundamentalismo religioso e o conservadorismo moral (tudo que é “severely conservative”). Portanto, foi, sem dúvida, uma vitória das forças progressistas, a favor da equidade de gênero, da justiça social e da proteção ao meio ambiente. Consolidou-se a nova coligação de forças (dos politicamente ascendentes) formada em 2008 nos EUA, agora com o isolamento dos atrasados militantes do Tea Party. Houve um reforço da tolerância com a pluralidade dos comportamentos individuais e familiares. É um realinhamento das forças políticas dos EUA. É a vitória de um país multiracial, multicultural e plural, pois a maioria WASP evanesceu. Como disse Ross Douthat (NYT, 07/11/2012) “Quando você ganha uma vez, é apenas uma vitória. Ao ganhar duas vezes, é um realinhamento”.
Mas, voltando para a economia, o primeiro mandato de Barack Obama, depois da trágica administração Bush (2001-2008), não foi suficientemente bom nem para o crescimento do PIB e a geração de emprego, nem para a redução da pobreza e muito menos para o meio ambiente. Ele evitou o aprofundamento da escalada das guerras dos EUA, mas não foi capaz de reduzir os gastos militares e promover a paz no mundo. O presidente Obama conseguiu interromper o desastre da depressão econômica, mas não conseguiu dar um novo rumo para a economia dos Estados Unidos. O novo realinhamento político e demográfico espera ações mais efetivas. Hillary Clinton já desponta como a provável primeira mulher presidente dos EUA e líder dessa nova coalizão de forças.
Vejamos como será o segundo mandato de Barack Obama e como o mundo vai atravessar a década que marca os 100 anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 12/11/2012
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