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Eucalipto e a religião do progresso, artigo de Rosemeire Almeida

 

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[Jornal da Ciência] O município de Três Lagoas/MS voltou a ser notícia nacional por meio da reportagem da Folha de São Paulo, em 16/09/2012, intitulada: “Ex-capital do gado, Três Lagoas (MS) vira rainha da celulose”. Em resumo, principalmente aos que não leram, destaco que o foco desta matéria é dar relevo ao crescimento econômico e competitividade de Três Lagoas par a passo com uma suposta distribuição da riqueza e, consequente, melhoria de vida para todos. Situação que, se não fosse uma “Ilha da Fantasia”, certamente faria de Três Lagoas a solução tanto para as economias capitalistas como para as socialistas.

Apesar dos “não ditos” da referida reportagem, não é objetivo gastar este espaço para contar a “outra” história (aquela vista de baixo) até porque faltaria lugar. Em suma, o que impede o silêncio é a necessidade de desnudar o caminho adotado nesta matéria para ler a realidade de Três Lagoas. Qual seja? A repetição, em escala local, de um modelo econômico amplamente testado no país, cujo eixo de sustentação é o mito de que progresso (científico e tecnológico) é fonte de prosperidade universal: “o bolo cresce”, e todos se fartam.

Os ideólogos do capital esquecem que a riqueza que se diz universal, é concentrada. E o resultado deste escamoteamento é proposital, porque produz eficácia política em torno da fé no progresso. Pois, como alerta Ullrich (2000: 340), entra “tão profundamente na mente da maioria que qualquer crítica feita tem mais probabilidade de ser considerada uma heresia incorrigível do que uma voz cautelosa que adverte sobre um caminho errado”. Obviamente, tem novidade na receita, que é a clara hibridação entre o capital produtivo e financeiro. Ou seja, o limite entre os que produzem e os que especulam, é tênue. Por isso, cada vez mais, é um olho na esteira de produção e outro nas bolsas de valores. Situação intimamente ligada às constantes crises do capitalismo que, somadas à crise ambiental, nos dá a sensação desconfortável de que não há superação por dentro deste modelo.

Embora não haja realmente soluções de pronto, os ensinamentos que ficaram daquele que foi considerado o maior historiador do século XX, Hobsbawm (falecido neste início de primavera), apontam que o termômetro de um mundo melhor não é a maximização do crescimento econômico e das rendas pessoais, mas as decisões públicas voltadas para o desenvolvimento social, que devem beneficiar todas as vidas humanas, e não o livre mercado.

Destaco, quiçá, uma das mais perversas contradições do capitalismo derivada da injeção de capital no lugar, a valorização do espaço – a mídia divulga que mais de 15 bilhões foram investidos em Três Lagoas nos últimos anos. Esta ação do capital tende a agravar a desigualdade de acesso à terra, podendo torná-la um bem restrito e seletivo: é ordem para poucos e desordem para a maioria. Portanto, fundamental é a intervenção do Estado em prol do público, no lugar da costumeira postura de vassalo do interesse privado.

Recentemente, de forma mais precisa em 27/09/2012, o Valor Econômico retratou uma pesquisa realizada na Unesp/NERA, financiada pelo CNPq, apontando que, em regiões prósperas do agronegócio, como Ribeirão Preto/SP, há desenvolvimento de processos simultâneos de expansão da cana, pobreza relativa (a incapacidade de se viver de acordo com o custo de vida local), concentração da terra e violência no campo. Conclui o autor da pesquisa, Tiago Avanço Cubas, que o agronegócio procura/produz regiões vulneráveis para se desenvolver.

Um ícone usado para evidenciar que Três Lagoas está no “rumo certo” é o aumento no número de pessoas empregadas. Ora, este dado isolado trata apenas da evidenciação de que riqueza advém da exploração do trabalho, direta ou indiretamente. A questão é mais profunda: quais são as condições desse trabalho? As pessoas conseguem encontrar trabalhos com salários decentes? Qual a oportunidade de vida e esperança para as pessoas – e isso inclui educação, escola, saúde, lazer? Elas têm condições financeiras de viver na cidade? Acresce, a isto, a desnudada situação de miséria de pessoas que vêm em busca do eldorado, e não o encontrando, passam a morar pelas ruas da cidade, mostrando a face perversa do progresso para quem queira enxergá-la.

Mesmo sendo processo recente, já temos outra amostra das contradições do progresso em Três Lagoas. Senão, vejamos: em 2000, segundo o IBGE, 69,51% das pessoas ocupadas recebiam até 3 salários mínimos. Em 2010, após os alardeados 15 bilhões investidos na instalação das indústrias no município, subiu para 77,49% a população trabalhadora com até 3 salários mínimos, e diminuiu o percentual dos que recebiam acima de 3 salários. Repetindo o jargão popular, nem precisa fazer muita pesquisa para saber que a pobreza se constrói na cidade.

Mas, como lembra Hobsbawm, haverá sempre o olhar cínico a dizer que o abismo crescente entre os ricos e o restante da sociedade não tem tanta importância assim, desde que estes últimos estejam se saindo um pouco melhor.

Particularmente, prefiro o olhar clínico a dizer que realmente há riqueza no ar, mas, como não somos todos bobos da corte na terra da “rainha da celulose”, há também conflitualidade. Logo, é preciso encontrar rápido o caminho da valorização da vida, porque o tempo não para.

Rosemeire Almeida é professora da Universidade do Mato Grosso do Sul / Campus de Três Lagoas. Artigo enviado ao JC Email pela autora.

Artigo socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4615

EcoDebate, 06/11/2012

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