Crise na Europa: de recortadores e recortados, artigo de Esther Vivas
Espanha: Proprietários de lojas tiveram que fechar as portas devido à crise (foto: Daniel Torrejon/Creative Commons)
[EcoDebate] Nos recortaram acima de nossas possibilidades. E ainda podem nos recortar mais. De fato, nos recortarão até deixar-nos em roupas íntimas ou nus. A avareza não tem limites. Assim é o capitalismo: buscar benefícios sem cessar. Assim tem demonstrado o governo do PP e, em seu momento, o governo do Psoe. O dogma neoliberal, a ditadura dos mercados se impõem. E os Orçamentos 2013, que são debatidos nessa semana, apontam nessa direção.
O mundo divide-se entre recortadores e recortados, ou entre os de cima e os de baixo; ou seja, 1% versus 99%. Uns poucos mandam; aos demais, supõe-se, toca obedecer. Os primeiros se beneficiam com a crise, apesar de tê-la criado; os segundos, pagamos seus pratos rotos.
Recortaram tanto que custa fazer o inventário. Saúde, educação, direitos trabalhistas, ajudas públicas diversas etc., etc. Podemos ver tudo isso detalhadamente…
Saúde em venda. Sofremos uma contrarreforma sanitária que nos fez retroceder três décadas. Acabou-se a atenção sanitária universal; reduzem-se as prestações sanitárias básicas; privatiza-se o serviço público de saúde. Duas grandes medidas. A primeira, o copagamento farmacêutico, ou seja, o “repagamento”, voltar a pagar aquilo que já pagamos mediante impostos. Os mais prejudicados? Os pensionistas, rendas baixa e enfermos crônicos. Ser idoso e estar doente é um luxo ao alcance de somente algumas pessoas. Segunda medida, expulsar do sistema sanitário às pessoas imigrantes sem documentos. Em palavras da Ministra da Saúde, Ana Mato, porque “trazem a seus familiares para a Espanha sem direito a utilizar o sistema de saúde”. Mentira. Vários relatórios demonstram que as pessoas imigrantes gastam menos em saúde do que as autôctones. Conclusão: não só enfrentamos medidas profundamente regressivas, mas absolutamente racistas e xenófobas.
SOS Educação. Aumenta a jornada de trabalho dos professores; recortam seu salário e multiplicam, em 20%, o número de alunos por sala de aula. Milhares de professores são demitidos. Incrementaram o valor da matrícula dos universitários em 50% e os critérios para obter bolsas de estudo ficaram mais rígidos. Na Catalunia e em Madri, pedem aos pais e mães uns 3 euros para que suas filhas/os possam levar o tupper al cole. E para culminar: pagar mais pelos livros de texto e pelo material escolar. Sem vergonhas.
E onde estão meus direitos trabalhistas? Graças à ultima reforma trabalhista, demitir está mais barato; os EREs são facilitados e, se isso é possível, se precarizam ainda mais. Pagar para trabalhar? Logo deixará de ser um sonho de empresários, se nada muda, para converter-se em realidade. Ou que os estagiários trabalhem de graça. E o salário desemprego, faltaria. Os desempregados, que se danem, como nos recordava a deputada Andrea Fabra.
As ajudas públicas, parece, sumiram. A Lei de Dependência? Se nasceu fraquinha, agora está na UTI: ajudas às pessoas dependentes 15% menos, como mínimo; dependentes moderados, só entrarão no sistema em 2015; as pessoas cuidadoras perdem o pagamento à Seguridade Social, que até agora era assumido pelo Estado. E o orçamento para serviços sociais? 14% a menos. O de igualdade? 25% menos. E, uma vez mais, os recortes se sustentam sobre o trabalho invisível das mulheres. À medida em que se recorta o Estado de Bem Estar, há toda uma série de trabalhos não valorizados; porém, imprescindíveis, que acabam recaindo sobre nossas costas.
E o que acontece com a solidariedade com os países do Sul? Com àqueles com quem os nossos governos e multinacionais expoliaram, endividaram e levaram à pobreza? A crise não chora os que passam fome na outra ponta do planeta. Isso é refletido pelos orçamentos públicos: 65% menos em cooperação para o desenvolvimento. Primeiro, o nosso. Ou não.
Enquanto nos aumentam o IVA, sobem as tareifas elétricas, o preço do transporte público… Que posso dizer?
A realidade, porém, deveria ser outra porque não somos recortáveis. Nem eu, nem tu, nem ela/ele. Os únicos que deveriam ser recortados são os banqueiros e políticos que hipotecaram nossas contas na época do boom imobiliário e que continuam fazendo negócio com nossas vidas e nosso futuro. Eles, sim, devem ser recortados… e muito. Sem esquecer, claro, a Casa Real.
Nem recortes e nem recortados. Estamos fartos de tanta tesoura cortando ao revés!
*Original em espanhol publicado en Público, 24/10/2012.
*Esther Vivas, Colaboradora internacional do Portal EcoDebate, é membro de Centro de Estudios sobre Movimientos Sociales (CEMS) UPF. Tradução: Adital.
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EcoDebate, 30/10/2012
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