Por que falar é viver, artigo de Nei Alberto Pies
“A quem mais amamos, menos sabemos falar” (Provérbio inglês)
[EcoDebate] Todo tipo e forma de discriminação, além de ser um problema pessoal de quem os sofre, é também um problema social. A gagueira, como outros tantos limites humanos, deixa marcas e imprime jeitos de resistir para sobreviver socialmente. Como eu, pelo menos 1.700.000 pessoas em todo o nosso país apresenta algum grau de gagueira na sua comunicação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Fluência. A gagueira ganhou também um dia internacional: dia 22 de outubro.
A fala é o meio mais eficaz e mais utilizado para a nossa comunicação e interação social, porém não a única. Esta é a maior descoberta para alcançarmos reconhecimento social, através da comunicação. Se não falamos fluentemente ou temos algum grau de timidez, arranjamos jeitos de ser reconhecidos e valorizados socialmente por alguma outra habilidade ou virtude. Se não somos “experts” na fala, podemos ser bons na escrita, no canto, na representação, no estudo, na convivência ou nas relações. A qualidade da nossa comunicação depende da interação de todos, inclusive do apoio e compreensão que temos de dar àqueles que sofrem para se comunicar.
O ser humano é especialista na arte de compensar. Sem compensar não sobreviveria, porque se não é possível ser bom em tudo, é necessário ser bom e útil em alguma coisa. Por isso a gente se faz “agarrando-se” ao que tem de bom, àquilo que tem facilidade e àquilo que nos renda reconhecimento dos outros. A gente inventa e re-inventa jeitos e trejeitos para ser querido, amado e promovido pelos outros. O reconhecimento social é uma das maiores necessidades humanas, pois ninguém sobrevive se não comprovar para si mesmo o quanto é útil, importante, querido e estimado pelos outros.
O resgate da auto-estima e a auto-aceitação são preponderantes para a cura ou convivência com a gagueira. A gagueira é influenciada por fatores neurobiológicos ou emocionais. Conhecer-se, estudar o seu problema, procurar auxílio e terapias, aumenta as possibilidades de conviver socialmente, sem maiores traumas. É fundamental, ainda, assumir publicamente os limites da fala e da comunicação sempre que se puder. Assumir os limites da fala propicia discernimento e tranqüilidade interior para lidar com os desafios de se comunicar melhor. Quem fala se liberta!
Falar é a forma mais concreta de nos apresentar ao mundo. Por isso mesmo, falar pressupõe primeiro aceitar-se como se é para depois buscar o reconhecimento junto aos outros. A felicidade de “seres humanos falantes” alicerça-se tanto nos fracassos e limites como nos êxitos e nas conquistas, pessoais e coletivos. Uma boa convivência social pressupõe a aceitação de todos os limites humanos e a superação de todas as formas de discriminação.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.
pies.neialberto@gmail.com
EcoDebate, 24/10/2012
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