Internação compulsória de adultos usuários de crack do Rio não encontra apoio de especialistas
Dedos queimados e calos são cicatrizes comuns deixadas pelo crack nas mãos de quem fuma (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)
Entidades e organizações da sociedade civil reagiram negativamente à intenção do prefeito Eduardo Paes de internar compulsoriamente adultos dependentes químicos, principalmente consumidores de crack. Paes disse ontem (22) em um evento na Favela do Jacarezinho que no dia 5 de novembro as secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social vão apresentar um plano de criação de 600 vagas para dependentes químicos e que, a partir daí, pretende iniciar um programa de internação de adultos dependentes químicos.
“A partir da construção dessa estrutura, vamos iniciar a internação compulsória de adultos também. Está muito claro que os dependentes dessa droga [crack] não conseguem tomar decisões. Por isso, vamos intensificar o trabalho da prefeitura contra o crack”, disse.
Para o promotor de Justiça Marcos Kac, a competência para a institucionalização contra a vontade depende de uma série de medidas. “A pessoa só pode ser institucionalizada quando passa por uma interdição, que é quando ele deixa de poder praticar os atos da vida civil, ou quando há uma ordem judicial autorizando essa internação. Uma das razões de um juiz decretar uma interdição quando há uma dependência química, uma ebridade contumaz, quando a pessoa não consegue mais governar a própria vida. Uma vez interditado, cumpre ao curador a determinação do que vai acontecer com aquela pessoa”, disse.
A representante do coletivo Agentes da Lei Contra a Proibição Brasil (Leap Brasil, da sigla em inglês), a juíza aposentada Maria Lucia Karan, considera que o “estado de guerra” estabelecido em torno do assunto deriva diretamente da proibição, e que a internação é uma forma de criminalizar o uso de entorpecentes. “A proibição do desejo simplesmente não funciona. Mais grave que o fracasso da proibição são os danos destas políticas”, declarou.
Gestor do Instituto Nise da Silveira por dez anos, o psiquiatra Edmar Oliveira, atualmente vinculado à representação regional do Ministério da Saúde no Rio, tem uma visão diferente da do prefeito carioca. Para ele o tratamento só pode ser efetivo se contar com a vontade do paciente e sua dedicação ao tratamento, posto que as drogas não são causa, mas consequência. “Essa medida vai criar novos manicômios, vamos criar outro Paracambi”, disse, em referência ao hospital psiquiátrico localizado na região metropolitana do Rio, que foi desativado.
Oliveira critica também a possibilidade de se fazer as internações “por atacado”. Segundo ele. as medidas de internação, judiciais ou médicas, são únicas e só tem validade do ponto de vista individual, considerando as peculiaridades e evolução dos pacientes. A própria internação voluntária, segundo ele, deve ser comunicada ao Ministério Público, em seu início e término, resguardando os direitos individuais dos pacientes.
Membro do Conselho Regional de Serviço Social (Cress) fluminense, Silvia Dabdab também considera equivocada a proposta do executivo carioca. Há um problema, disse, em entender para quem é direcionada essa política, que tem um caráter intrínseco de higienização social, removendo pessoas que não se quer ver.
Não há estruturas adequadas para receber estas pessoas, havendo denúncias de venda de drogas na imediação de algumas clínicas, e é flagrante o recorte de classe que tange a ideia. “Para alguns se trata de uma democracia, enquanto para outros o que se apresenta é um estado de exceção”, declarou, ressaltando a necessidade de políticas voltadas para atender de fato as necessidades dessa população, um trabalho que “tem de ser voltado para a garantia dos direitos em todos os sentidos, inclusive os direitos humanos dessas pessoas”.
O responsável pela Câmara Técnica de Psiquiatria e Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, o psiquiatra Paulo Geraldes, concorda com o prefeito Eduardo Paes. “Há uma grande confusão de termos. O prefeito está falando de internação involuntária, e não compulsória”, disse. Segundo ele, o tratamento do crack é específico, com uso de medicamentos, e a medida não incorreria em risco de cassação de liberdades civis, posto que os usuários não têm mais a capacidade de responder por si.
Contrário às políticas de redução de danos, que julga inócuas para os usuários de crack, Geraldes considera insuficientes as estruturas públicas para internação na cidade, após uma série de políticas contra a hospitalização de pacientes de saúde mental equivocadas, e aponta a necessidade de se pensar em estruturas descentralizadas, com não mais de 200 leitos, facilitando a reinserção dos pacientes em suas comunidades e famílias e permitindo uma gestão eficiente.
Reportagem de Guilherme Jeronymo, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 24/10/2012
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