Código Florestal, uma novela sem fim, artigo de André Lima
[Correio Braziliense] A novela do Código Florestal está muito longe de chegar ao capítulo final. Por pelo menos três motivos. O primeiro é que Dilma pode — e em nossa opinião deve — vetar alguns dispositivos do texto aprovado pelo parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza, por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Merecem veto, dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º, 5º e 13º do artigo 61-A, pois ampliam injustificadamente a anistia, ao reduzir em quantidade e qualidade a recomposição e, consequentemente, a proteção de mata ciliar e nascentes, em benefício sobretudo de grandes proprietários com áreas que podem chegar a mil hectares na Mata Atlântica e no cerrado e até 1,5 mil hectares na Amazônia.
A presidente tem mais uma oportunidade de fazer valer sua palavra. Será ela complacente com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha? Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da responsabilidade de recompor integral e adequadamente as matas ciliares e nascentes? É o que veremos.
O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em ações judiciais difusas por todo o território nacional (o controle difuso de constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade, o controle concentrado de constitucionalidade.
Não é possível aprofundar esse assunto no espaço deste artigo, mas o que acontecerá com a segurança jurídica tão propalada pela bancada ruralista no Congresso se o artigo 61-A, por exemplo, que reduz as áreas a serem obrigatoriamente recompostas for julgado inconstitucional, total ou parcialmente, por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?
O terceiro (e talvez mais importante) motivo é que agora começa de fato o grande desafio de mudar a realidade. Vamos à prática, pois mesmo com todas as deficiências que a lei possui, agora é lei, certo? Então é para valer? Entramos na fase de regulamentação e efetivação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os estaduais devem esclarecer lacunas, eliminar ambiguidades e dizer como será sua implementação. Na regulamentação federal há espaço para reparar perdas importantes para a conservação ambiental e a produção rural sustentável.
Os desafios que o país tem pela frente para viabilizar sua efetividade são de grande envergadura. Carecemos de uma política nacional de florestas robusta que ofereça, em prazo razoável e compatível com o proposto pela lei, e considerando as diferenças ecossistêmicas, as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam de fato recompostas em escala.
Dever haver transparência total e controle social suficientes sobre a implementação dos Programas de Regularização Ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos estados.
Os órgãos ambientais (federal e estaduais) devem aplicar, de forma efetiva e com tolerância zero, as sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais e no novo Código Florestal aos infratores que desmataram ilegalmente após a data de “anistia” ou consolidação rural (julho de 2008).
O governo federal deve implementar, em no máximo um ano, um grande programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar os agricultores familiares e pequenos proprietários rurais que vêm cumprindo a lei ou que aderirem voluntariamente aos novos programas de regularização ambiental. Deve dedicar o mesmo empenho dado à aprovação do novo código “agroambiental” — é difícil chamá-lo agora de “florestal” — para aprovar o Projeto de Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (Projeto de Lei nº 792/07) e avançar na concretização da Estratégia Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.
Enfim, a novela do código deve se converter agora em longo seriado que demandará muito diálogo, bom-senso e trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!
André Lima – Advogado, mestre em gestão e política ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, consultor jurídico da Fundação S.O.S. Mata Atlântica e sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.
EcoDebate, 04/10/2012
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