Código Florestal: a seguir, cenas dos próximos capítulos, artigo de André Lima
Mesmo com a votação desta última terça-feira no Senado, a novela do Código Florestal pode ainda não ter chegado ao fim. André Lima* assessor de Políticas Públicas do IPAM, explica os motivos.
[IPAM] Li essa semana, em um jornal de grande circulação nacional, depois da votação da última terça-feira no Senado, que, enfim, a novela do Código Florestal chegou ao seu desfecho. Errado! Por pelo menos três motivos.
O primeiro motivo é que Dilma pode – e em nossa opinião deve, vetar alguns dispositivos do texto aprovado pelo Parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Só a título exemplificativo, merecem veto, dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º [1], 5º [2] e 13 [3] do Artigo 61-A, pois ampliam injustificadamente a anistia ao reduzir a recomposição e consequentemente a proteção de mata ciliar e nascentes, em benefício de grandes proprietários[4].
Tem agora a Presidenta uma segunda chance de fazer valer sua palavra[5]. Será ela complacente com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha? Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da responsabilidade de recompor integralmente a mata ciliar e as nascentes?
O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em ações judiciais difusas por todo território nacional (o chamado controle difuso de constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade (o chamado controle concentrado de constitucionalidade).
Não cabe aprofundar este assunto estritamente jurídico neste momento, mas o que acontecerá com a segurança jurídica tão defendida e propalada pela bancada ruralista no parlamento se o artigo 61-A, por exemplo, for julgado inconstitucional (total ou parcialmente) por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?
E o terceiro (e não menos importante) motivo é que agora começa de fato a peleja real no chão e nos gabinetes do governo. Acabou o palco para o discurso fácil do tipo “essa lei compatibiliza produção agropecuária com proteção ambiental”, ou o que também foi muito dito que “é possível ser potencia ambiental e agropecuária”. Vamos à prática. Agora é lei, certo? Agora é pra valer? É o que veremos…
Entramos na fase de regulamentação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os governos estaduais deverão esclarecer as lacunas, eliminar as ambiguidades e dizer como será sua implementação.
Apesar do prazo definido pela Lei já estar contando desde maio último (vence em 25 de novembro), até agora o Ministério de Meio Ambiente não abriu diálogo direto com as organizações do campo socioambiental a respeito. Na regulamentação há espaço para recuperar ou ampliar perdas importantes para a produção rural sustentável. Teremos surpresas nos atos normativos que regulamentarão a nova lei rural? A sociedade terá oportunidade de participar desse processo em tempo de evitar novos “consensos duvidosos” ou retrocessos?
Exponho a seguir algumas perguntas que indicam alguns dos desafios que teremos que enfrentar seja como governo, sociedade civil, setor privado, acadêmico, ambientalista ou ruralista:
– teremos uma política e um programa nacional de florestas robusto que ofereça, em prazo razoável e compatível com o proposto pela Lei, as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam de fato recompostas em escala no País?
– haverá transparência e controle social suficientes sobre a implementação dos planos de regularização ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos estados?
– os órgãos ambientais (federal e estaduais) vão aplicar as sanções necessárias aos infratores que desmataram ilegalmente após a data de “anistia” ou consolidação rural (julho de 2008)?
– qual será o programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar os proprietários (principalmente os pequenos) que cumpriram a lei ou que aderirem voluntariamente aos programas de regularização ambiental?
Infelizmente ouvi, há poucos meses atrás, da boca de uma importante autoridade em meio ambiente da Confederação Nacional de Agricultura que, em no máximo cinco anos, – prazo para implementação do cadastramento ambiental rural em todo país (estranha coincidência?), seremos obrigados a rever a Lei novamente porque o governo e os produtores rurais não serão capazes de cumpri-la. Temo sinceramente que essa não seja somente uma aposta pessoal do alto dirigente dessa importante instituição corporativa.
Enfim, a novela do código florestal deve se converter agora em um longo seriado que promete muita emoção e demandará muito trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!
*André Lima, advogado (OAB-DF 17.878), Mestre em Gestão e Política Ambiental pela UnB, Assessor Especial de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-DF.
[1]O §4º (incisos I e II) do artigo 61-A reduz a recomposição das APPs ciliares de imóveis com área entre 4 e 15 módulos fiscais de 30 para 15 metros e nos imóveis com área superior a 15 MF define o mínimo de 20m de recomposição de APP.
[2] O §5º do 61-A reduz a recomposição de APP de nascentes de 30 para 15 metros.
[3] Estabelece parâmetros técnicos para recomposição de APP permitindo inclusive a recomposição de mata ciliar com espécies frutíferas exóticas.
[4] As alterações promovidas na Medida Provisória pela Câmara e chanceladas pelo Senado beneficiam propriedades com até 1500 hectares da Amazônia e 1000 hectares na Mata Atlântica consolidando desmatamentos ilegais de matas ciliares e em margem de nascentes.
[5] Na primeira oportunidade que teve a Presidenta Dilma vetou perifericamente. Com o veto homeopático driblou a Rio+20 e devolveu a matéria para sua agrobase parlamentar na Câmara dos Deputados decidir. O Senado apenas chancelou. E o resultado foi mais anistia, mais consolidação de desmatamento ilegal, mais redução de área protegida e mais redução de recuperação de área de preservação permanente.
Artigo originalmente publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
EcoDebate, 28/09/2012
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