Prestação de contas ambiental, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Toda atividade humana em alguma escala depende de recursos naturais. Para valorização dos serviços ofertados pela natureza, necessitamos considerar o estoque de “capital natural” disponível em determinada região. De acordo com Tundisi (2003, p.1): “Esta valoração pode ser feita em função do “capital natural que pode ser a biodiversidade ou funcionamento de uma área alagada como promotor do saneamento”.
A questão da valoração envolvendo a estimativa ou contribuição dos serviços fornecidos pelos sistemas ecológicos vem ganhando espaço, após a publicação do artigo “The value of the world’s ecosystem services and natural capital“ por Constanza (1994). Fica demonstrado um resumo de informações sobre a importância do sistema ecológico ou dos ecossistemas ambientais, ou seja, ecossistemas aquáticos, terrestres e aéreos, para garantir o bem-estar dos seres humanos.
Neste contexto, a responsabilidade socioambiental das empresas passa pela construção de um modelo de prestação de contas e transparência, voltado ao atendimento dos interesses dos acionistas ou sócios e também das partes interessadas (stakeholders).
A ciência contábil sempre esteve presente no desenvolvimento econômico mundial, sendo, inclusive, considerada como “linguagem internacional dos negócios”, contribuindo através do processamento, armazenamento e demonstrativos para o planejamento e a tomada de decisões.
A contabilidade ambiental, conforme Ribeiro (2005, p. 45) “não é uma nova ciência, mas sim, uma segmentação da tradicional já, amplamente conhecida. Assim, percebe-se que a contabilidade ambiental surge como uma finalidade social, além da finalidade de atender os investidores, de demonstrar em termos monetários o grau de degradação da natureza e às ações de conservação e preservação do capital natural”.
De acordo com Tundisi (2003, p.1) “Os ecossistemas apresentam funções que podem ser qualificadas de “serviços” e benefícios à população humana e a outras espécies”. A água fornece um conjunto de bens e serviços para os seres vivos, podendo ser considerada como matéria-prima em várias atividades produtivas, atividades de lazer, de esporte, reciclagem de matéria e energia, etc. Assim, a sua disponibilidade é indispensável, quantitativamente e qualitativamente para a manutenção do bem-estar da sociedade.
A água eleva a qualidade de vida da humanidade através da geração de riqueza. As atividades de consumo humano e de produção podem gerar impactos ambientais negativos, em consequência do uso inadequado do solo, defensivos agrícolas, destinação de dejetos animais, etc. Estas ações agridem de forma substancial a qualidade das águas, podendo inviabilizar a sua utilização no presente e no futuro.
Neste contexto é muito importante e relevante que as empresas evidenciem de forma clara, transparente e contábil no sentido quantificativo, como estão empregando o capital natural, pois esta grandeza passa a ter um valor agregado intangível. Este trabalho faz uma pequena comparação através de análises realizadas nos relatórios de sustentabilidade da Volkswagen alemã e da Randon brasileira.
Existem muitas dificuldades na comparação, pois os parâmetros utilizados pelas duas empresas são muito diferentes e não seguem de forma uniforme as recomendações do GRI (GRI, 2006), inclusive porque as recomendações são mesmo passíveis de interpretações diferenciadas e cada companhia molda o demonstrativo de acordo com práticas de mensuração que já executa.
Em ambos os casos são mantidos os princípios básicos do “disclosure” (transparência e divulgação da informação) e do “accountability” (responsabilização pela prestação de contas), considerando as recomendações do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e do Instituto Ethos de responsabilidade socioambiental.
As origens contemporâneas do conceito de desenvolvimento sustentável foram abordadas, inicialmente, na conferência de Estocolmo em 1972.
O desenvolvimento sustentável pode ser definido como um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico. O relatório Brundtland, elaborado a partir da World Comissionn Environment and Development e chamado, também, de Nosso Futuro Comum (ONU,1991, p.49), menciona que o desenvolvimento sustentável “é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e às aspirações humanas.”
Conforme Bellen (2006, p. 25) “[…] o desenvolvimento sustentável é o que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. Para que se considere como sustentável o desenvolvimento deve atender: ”os aspectos referentes às dimensões: social e ecológica, bem como fatores econômicos, dos recursos vivos e não-vivos e as vantagens de curto e longos prazos de ações alternativas” (BELLEN, 2006, p. 23).
Conforme o GRI (2006, p. 2):
“Um dos principais desafios do desenvolvimento sustentável é a exigência de escolhas inovadoras e novas formas de pensar. Se, por um lado, o desenvolvimento de conhecimento e de tecnologia contribui para o crescimento econômico, por outro, também pode contribuir para solucionar os riscos e danos que esse crescimento traz à sustentabilidade de nossas relações sociais e do meio ambiente. Novos conhecimentos e inovações em tecnologia, em gestão e em políticas públicas cada vez mais desafiam as organizações a fazer novas escolhas em relação ao impacto de suas operações, produtos, serviços e atividades sobre as economias, as pessoas e o planeta.”
A interação dos sistemas econômico e ecológico deve ser harmoniosa, visto que são vitais à sobrevivência humana por se complementarem. A humanidade sofre influência direta em razão do comportamento desta interação sistêmica. A população dos países em desenvolvimento é quatro vezes maior que a dos países desenvolvidos, ou industrializados, sendo que uma parte bem expressiva da população vive em condições de pobreza ou de extrema pobreza.
A solução proposta pela maioria dos economistas e políticos, sempre foi o crescimento econômico, com consequente diminuição das desigualdades nas diferentes regiões do mundo. Contudo, o acelerado crescimento econômico mundial trouxe consigo a degradação do meio ambiente em função do excessivo uso dos recursos naturais e do desmesurado aumento de emissões de gases de efeito estufa, num modelo de crescimento que precisa ser alterado (STERN, 2010).
Assim, o potencial econômico do mundo em que vivemos foi danificado na proporção que o patrimônio natural foi perdendo as suas qualidades. Nesta situação ocorre um paradoxo entre a riqueza individual das organizações, percebida no desenvolvimento econômico da região, e o meio ambiente, que é uma fonte básica de recursos para o próprio desenvolvimento.
GRI. Global Reporting Initiative – Diretrizes Para Relatório de Sustentabilidade: 2006. Disponível em: < http://www.globalreporting.org/ReportingFramework/G3Guidelines/ acesso em 29 de maio de 2010.
BELLEN, H. M. Indicadores de Sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro: Ed FGV, 2006.
COSTANZA, R. Economia Ecológica: uma Agenda de Pesquisa in Valorando a Natureza, Análise Econômica para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994.
RIBEIRO, M. S. Contabilidade Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2005.
STERN, N. H. O caminho para um mundo mais sustentável: os efeitos da mudança climática e a criação de uma era de progresso e prosperidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 242p, 2010.
TUNDISI, José G. Recursos Hídricos. O Futuro dos Recursos # 1, outubro de 2003. Disponível em http://www.multiciencia.rei.unicamp.br/artigos_01/A3_Tundisi_port.PDF >Acesso em março 2010.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 25/09/2012
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