No front, artigo de Montserrat Martins
Imagem: ABr
[EcoDebate] Participar de uma campanha distribuindo panfletos na rua, ouvindo histórias de todos os tipos, é uma experiência e tanto: é um aprendizado sobre as pessoas, muito mais do que sobre a política em si mesma. Senti necessidade de fazer esse relato como se eu fosse um correspondente de um front de batalha, registrando as impressões do dia a dia e o que isso está influenciando no seu modo de ver a vida.
O que significa colocar uma placa de um candidato em casa, em troca de dinheiro ? A lei proíbe, mas essa lei ainda não entrou em vigor na nossa cultura, está disseminado o hábito de ganhar um “troco” nessa época vendendo espaços para colocar placas. A vida é mais dura ainda em alguns territórios onde aqueles que resistem a colocar placas são “intimados” com revólver para fazer isso, por algum candidato. Prática comum em gangues de tráfico, “intimar” com arma ainda é um método de fazer política em algumas regiões.
Também ouvi relatos de controle de distribuição de produtos essenciais, por parte de candidatos que dominam tais negócios. Quer dizer, quem não garantir o voto fica sem o produto. E de regiões onde as pessoas se inscrevem como “fiscais” do dia da eleição não para fiscalizar, mas para fazer a própria boca-de-urna com mais liberdade de trânsito, entrando e saindo das seções eleitorais. Contam casos em que essas pessoas tiram das mãos dos eleitores a “cola” com o número do candidato que eles levam e os “intimam” a trocar pelo número do candidato deles.
O chamado “coronelismo” e as práticas históricas de “currais eleitorais” e do “voto a cabresto”, do tempo em que o voto era controlado por pedaços de papel identificáveis, persiste mesmo nos tempos de urnas eletrônicas. O mais incrível dos relatos que tenho ouvido, é que até hoje tem dado certo em muitas regiões, em que apenas numa eleição recente houve um caso de impugnação de alguém em tal “sistema” de eleição, mas não a ponto de inibir a continuação da prática. O caso foi tido pela famosa “exceção da regra”.
Encerro esse “diário do front” filosofando sobre a longa história da evolução humana. Não me digam que nada mudou, mesmo havendo hoje novas formas de exploração de pessoas por outras, costumam ser mais sutis, sabemos que as do passado eram ainda piores, mais brutais. Mas é verdade que muitas práticas de dominação grosseira teimam em resistir ao tempo, sob uma aparente passividade da sociedade, que ainda custa em reagir. Talvez por falta de convicção de que possamos evoluir, mesmo.
Compreendi que não adianta separar “políticos” das outras pessoas. Não ser político não isenta ninguém da nossa cultura, dos nossos hábitos sociais ainda tão corrompidos. Ainda há muito caminho a percorrer até podermos dizer que somos realmente “civilizados”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 24/09/2012
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