EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Favelas e especulação, artigo de Victor Domingues

 

[Observatório de Favelas] Segundo estimativas da Defesa Civil de São Paulo, uma pessoa morreu e ao menos 300 ficaram desabrigadas, com o incêndio que atingiu a Favela do Moinho na última segunda-feira (17). Este é o sétimo incêndio em favelas da capital paulista nos últimos 40 dias e o 34º caso apenas no ano de 2012.

No dia 3 de setembro, outro incêndio destruiu cerca de 40% da Favela Sônia Ribeiro – conhecida como Morro do Piolho –, que ocupava uma área de 12 mil metros quadrados. A Defesa Civil estima que 1.140 pessoas ficaram desabrigadas após o incêndio. Promotores do Gaeco (Grupo de Apoio Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Paulo investigam se o incêndio foi cometido por algum grupo criminoso, representante dos interesses da especulação imobiliária na região. Existe a suspeita de que alguns destes incêndios possam ser criminosos, com o objetivo de facilitar a remoção de favelas, liberando áreas para empreendimentos, já que remoções legais são processos complicados que podem se estender por muitos anos.

É importante lembrar que, ironicamente, o Morro do Piolho era considerado “laboratório” para o desenvolvimento do programa de prevenção a incêndios da Prefeitura de São Paulo, o Previn. Criado pela gestão Kassab, o Previn foi lançado oficialmente em março de 2011. Das 1.632 favelas da capital, foram escolhidas as 50 consideradas de alto risco.

Em março (de 2012), a Câmara Municipal instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a enorme quantidade de incêndios que vêm ocorrendo na cidade e apurar a possibilidade de se tratar de uma atuação criminosa. Porém, a CPI não realizou qualquer investigação até agora. A próxima reunião da CPI dos incêndios ocorrerá no dia 26 de setembro, às 12h, na Câmara Municipal.

Para Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, “é bastante estranho que favelas que já passaram por situações muito mais precárias e propensas a incêndios do que hoje – a existência de barracos de madeira, por exemplo – estejam pegando fogo exatamente agora, no contexto de um dos mais altos booms do mercado imobiliário paulistano”, diz Rolnik em artigo no seu blog.

A partir dos dados da pesquisa, combinando o trabalho de programadores, jornalistas e designers, surgiu a “Fogo no Barraco”, uma plataforma colaborativa com informações sobre os incêndios

A partir dos dados da pesquisa, combinando o trabalho de programadores, jornalistas e designers, surgiu a “Fogo no Barraco”, uma plataforma colaborativa com informações sobre os incêndios

Ao comparar dados de pesquisas sobre os incêndios e a especulação imobiliária, pode-se concluir que das favelas que foram incendiadas nos últimos meses, muitas estão localizadas em regiões onde o mercado imobiliário aumentou sua valorização. Por outro lado, áreas que possuem maior número de favelas são as menos valorizadas e, curiosamente, são as que tem menos incêndios.

Para a jornalista Patrícia Cornils, o número de investigações da polícia, comparado ao número de incêndios, é muito pequeno. “A gente fez uma tabulação, com os documentos recebidos até a semana passada pela CPI dos Incêndios, que mostra que de 30 incêndios registrados, somente 10 viraram inquérito policial. Então a gente não sabe quantos dos incêndios foram criminosos, em sua origem, nem quem ateou fogo às favelas”, pontuou Cornils.

A jornalista desenvolve uma pesquisa sobre os incêndios em São Paulo. A partir dos dados da pesquisa, combinando o trabalho de programadores, jornalistas e designers, surgiu a “Fogo no Barraco”, uma plataforma colaborativa que faz o cruzamento de informações sobre os incêndios com dados sobre a valorização imobiliária dos bairros.

No Rio: ontem incêndios, hoje remoções

No Rio de Janeiro, o incêndio da Praia do Pinto, ocorrido em 1969 após os moradores da favela terem resistido à transferência para os conjuntos habitacionais, mostra que incêndios suspeitos não são novidades – acontecem agora em São Paulo e já aconteceram há décadas, como foi na Praia do Pinto (que ficava no Leblon, Zona Sul do Rio).

Mario Sergio Brum, Mestre e Doutorando em História pela UFF, analisa os processos históricos que levaram a atual situação da política habitacional no Rio de Janeiro “As remoções jamais saíram de foco, embora tenham perdido a força no período de Redemocratização”.

 

No Rio, remocionismo pré-megaeventos esportivos. FOTO: Francisco César

No Rio, remocionismo pré-megaeventos esportivos. FOTO: Francisco César

Brum observa que entre as razões que fizeram com que os projetos de remoções tenham perdido a força durante algum tempo, podemos pensar na recuperação da força política do movimento comunitário, no poder de voto dos favelados e no fracasso do próprio programa remocionista, executado pelos governos federal e da Guanabara, entre 1968 e 1973.

Como as causas do surgimento das favelas não deixaram de existir, o programa não impediu que novas favelas continuassem a surgir, nem que as já existentes crescessem. Além disso, a vida dos removidos nos conjuntos habitacionais piorou de tal forma que quase todos, por uma série de elementos, hoje são considerados favelas.

Outro elemento foi o surgimento de novas áreas para expansão imobiliária com a abertura da Barra da Tijuca para o mercado, que tornou mais viável fazer os empreendimentos lá do que remover favelas nas zonas centrais. Desta forma, as remoções permaneceram ocorrendo na Barra durante a década de 1980, como as favelas Via Park, atrás do Barrashopping, e a Vila Marapendi, próximo ao shopping Downtown.

A partir do confronto entre traficantes da Rocinha, na Semana Santa, em 2004, o tema da remoção volta com alguma força ao debate público, associado ao discurso da violência urbana. Editoriais do Globo e JB falavam de rever a localização de algumas favelas.

“Com os grandes eventos, a partir do Pan de 2007, e paralelo a isso uma forte retomada do mercado imobiliário, temos um cenário em que interesses imobiliários e uma justificativa para parte da sociedade – a segurança pública – podem se somar e trazer com força o tema das remoções, pretensamente, em nome de um objetivo maior que beneficiaria a cidade como um todo”, explica Brum.

Após as chuvas de 2010, o tema, pouco ou nada lembrado em outras tempestades, voltou com força nos editoriais e algumas opiniões. No entanto, quase metade das famílias a serem removidas, nos planos da atual gestão da prefeitura ficam, na área das Vargens, favelas planas, que não foram prejudicadas pela chuva.

Atualmente, a questão é que, diferente do período da Ditadura, os moradores não são atores que devem ficar calados, como podemos ver no caso da mobilização contra as remoções das comunidades da Vila Autódromo e do Horto, no Rio de Janeiro. É, principalmente, sua organização e sua articulação com outros setores da sociedade que podem fazer muita diferença, opção inexistente entre 1968 e 1973.

Victor Domingues (victor@observatoriodefavelas.org.br)

Artigo originalmente publicado pelo Observatório de Favelas e socializado pelo EcoDebate, 20/09/2012

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa