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Bala de prata, artigo de Marcia Silva Stanton

 

água

 

O Jornal Zero Hora publicou recentemente uma série de reportagens sobre a qualidade da água. A reportagem “A água que bebemos” analisa os problemas que assolam as bacias hidrográficas que alimentam a cidade de Porto Alegre e aponta o esgoto doméstico como o maior vilão da degradação de nossos rios. Refere que o custo de tratamento da água tem crescido a cada ano e triplicado no período de verão, devido à presença de cianobactérias. Mesmo tratada, a água é intragável em algumas ocasiões.

A reportagem “Água em xeque” noticia o crescimento do mercado de água engarrafada no México e o peso desta despesa na renda da população carente. A leitura atenta de todas estas reportagens nos leva a constatação de que, financeiramente, é muito mais vantajoso investir em coleta e tratamento de esgoto do que em tratamento da água. Se considerarmos a economia em saúde pública e em água engarrafada, a vantagem triplica. O que merece maior investigação no contexto local são justamente as vantagens de uma gestão preventiva e integrada das bacias hidrográficas para a qualidade e quantidade hídrica.

Em 1989, uma norma da EPA, a agência ambiental americana, dirigida aos responsáveis pelo abastecimento público de água, foi a mola propulsora de um dos maiores esquemas de proteção de bacia hidrográfica que se tem conhecimento, criado com o objetivo de gerir as bacias que alimentam a cidade de Nova Iorque. Após um amplo, longo e complexo processo de negociação, em 1997 foi assinado um acordo estabelecendo a adoção de uma série de mecanismos para proteção hídrica. Inobstante os desafios enfrentados, a busca por este acordo tinha uma sólida justificativa econômica: o projeto de gestão integrada de bacia hidrográfica teria um custo estimado de US$ 1.5 bilhões contra o custo aproximado de US$ 8 bilhões necessários para a construção do sistema de filtragem para abastecimento da cidade. Embora o contexto americano seja diverso do brasileiro, tanto lá quanto aqui vale a premissa de que é mais barato prevenir do que tratar a água na ponta final.

No Brasil, a partir da mudança no regime jurídico das águas pela Constituição Federal de 1988, principalmente, a partir da edição da Política Nacional de Recursos Hídricos de 1997, inaugurou-se um sofisticado e inovador marco regulatório do setor, adotando alguns princípios e ferramentas que a nossa legislação estadual, de forma pioneira, já previa. Talvez a única ferramenta utilizada no plano de Nova Iorque que se encontre no estágio menos desenvolvido no país é justamente aquela que se revela uma das mais eficazes na prevenção da degradação hídrica: a política de pagamento por serviços ambientais. O pagamento por serviços ambientais é um instrumento que busca remunerar todo aquele que, em virtude de suas práticas de manejo, recupera, conserva ou melhora um serviço ecossistêmico. Serviços ecossistêmicos são os benefícios diretos e indiretos obtidos dos ecossistemas, tão variáveis quanto a água potável ou a ciclagem de nutrientes.

Baseada no princípio do provedor-recebedor, esta política busca preservar o estoque de capital natural necessário à produção dos serviços ecossistêmicos. Adequada nos casos em que há uma atividade lucrativa socialmente, mas não individualmente, é altamente eficaz em situações nas quais outros instrumentos falham, seja por forte oposição política ou por dificuldade de regulamentação, sendo a poluição difusa um exemplo clássico desta última situação. Inobstante tais vantagens, possui limitações e não é substituto dos demais instrumentos de proteção ambiental. Portanto, se a política de pagamento por serviços ambientais não é o remédio para todos os males ou a “bala de prata” (Silver bullet or fools´ gold, 2002), ela certamente ocupa um lugar de destaque no pódio das ferramentas de proteção ambiental, atuando preventivamente onde outras políticas não são eficazes.

* Artigo enviado pela Autora e originalmente publicado no Caderno Nosso Mundo Sustentável do Jornal Zero Hora, pg. 04, em 03/09/2012.

Marcia Silva Stanton é Advogada, LLM em Direito Ambiental pela Pace University School of Law/NY.

EcoDebate, 06/09/2012

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Alexa

One thought on “Bala de prata, artigo de Marcia Silva Stanton

  • Muito interessante o artigo, sem dúvida o sistema de Pagamento por Serviços Ambientais – PSAs é uma ferramenta invadora, sem precedentes, já que a sociedade civil o Estado não estão não estão tendo enme terão melhor sorte na proteção das florestas, por exemplo. Para protegermos é preciso valer dinheiro. Alguns obstáculos legais precisam ser tangenciados junto aos PSAs como por exemplo a exploração de bens públicos (ecossistemas), da União, pelo particular. No aspecto técnico, na Lei do Acre, por exemplo, alguns termos como “setorizar’ ecossistemas precisam ser melhorados, evitando afronta da própria Alfabetização Ecológica, tão em alta e presentes nas constituições lationoamericanas como a do Equador, Art. 71, que reconhece a natureza como sujeito de direitos.
    Aparadas as arestas os PSAs precisam ser colocados em prática o quanto antes, sem burocratização, evitando a manobra aplicada pelos idealizadores do náufrago Protoclolo que Kioto, editado com intuito evidente de ganhar tempo, tendo o que discutir nos onerosos encontros em Copenhague, Nairóbi e Rio+20, enquanto nada se faz e as emissões de Co2 continuam por seus maiores poluidores, Estados Unidos e China.

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