Avanço de negócios imobiliários para áreas periféricas contribui para a aumento das desigualdades sociais
O crescimento do número de empreendimentos imobiliários nas regiões periféricas de São Paulo amplia as desigualdades sociais e não apresenta elementos de uma real urbanização. Apesar da formalização das habitações, reformas e instalações de serviços públicos e urbanos básicos (escolas, postos de saúde, pontos de ônibus e espaços de lazer) chegam na região tardiamente e muitas vezes de forma insuficiente.
O geógrafo Danilo Volochko, autor da tese Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, desenvolveu uma análise dos fatores e consequências envolvidos na expansão do setor imobiliário em direção à periferia. “Há uma mudança profunda no modo de habitar, que pode até abrigar alguma melhora em termos de uma habitação formalizada — asfalto, iluminação, rede de água e esgoto —, mas que acentua a segregação socioespacial”, diz. Os novos empreendimentos continuam distantes das centralidades da metrópole e podem gerar o afastamento dos moradores mais pobres para áreas ainda mais distantes, uma vez que encarecem a região. “A urbanização capitalista se realiza de modo a ampliar as desigualdades sociais”, relata o estudioso.
A pesquisa contou com entrevistas e questionários com moradores dos bairros do Mirante da Mata e Jardim Isis, em Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo, e do empreendimento Residencial Valle Verde Cotia (loteamento com vários condomínios). O objetivo era reconhecer o perfil socioeconômico desses moradores, suas representações do habitar e suas práticas cotidianas. Além disso, foram feitas entrevistas com profissionais do mercado imobiliário e análise de dados detalhados de organizações como a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (EMBRAESP), disponibilizados pela Secretaria da Habitação de São Paulo (Sehab), para apurar as novas estratégias de empresas e construtoras. Houve, ainda, a análise de algumas políticas estatais de habitação.
Novos espaços e o cotidiano das periferias
Os novos moradores dos empreendimentos das regiões periféricas, em sua maioria condomínios fechados, podem ser diferenciados em dois grupos: os setores inferiores das classes médias (famílias com rendimentos entre 5 e 7 salários mínimos que anteriormente moravam de aluguel), e as frações populares (com rendimento familiar de 3 e 4 salários mínimos, que habitavam casas autoconstruídas próprias ou de parentes). Esses moradores formam uma camada social que não tinha acesso ao crédito imobiliário antes do processo de expansão. Eles canalizam suas rendas para o pagamento de financiamentos e muitos acabam endividando-se, ao não conseguir pagar taxas de IPTU e condomínio.
A maioria provém de regiões já periféricas: 48% dos moradores do Residencial Valle Verde Cotia vinham de bairros como Capão Redondo, Pirituba e Brasilândia; a outra metade vinha de cidades da região metropolitana, principalmente Osasco, Cotia e Carapicuíba. “Trata-se de uma reprodução da própria periferia, um deslocamento de moradores que já moravam em áreas periféricas e se dirigem para áreas um pouco mais afastadas, onde vislumbram adquirir a casa própria”, relata o pesquisador. Coloca-se, nesse processo, a casa própria como representação de ascensão social, apontando, no entanto, uma deterioração da vida urbana.
O que está envolvido na expansão imobiliária para a periferia?
O avanço do setor imobiliário para a periferia se deu com uma ampliação da presença do capital financeiro nas incorporadoras, a partir de 2005, que redesenharam a sua estratégia, até então concentrada em áreas mais valorizadas — cada vez mais raras — e voltada para a classe alta e média alta. Assim, passou-se a desenvolver um novo nicho de mercado, o da habitação popular, abrangendo famílias com menor rendimento econômico. “Com isso, a pobreza historicamente constituída nas periferias seria alvo de uma rentabilização imobiliária”, explica Volochko.
Intervenções urbanas e políticas habitacionais do poder público, como o Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009 pelo governo federal, também ajudam a sustentar a expansão imobiliária. Segundo Volochko, o Estado exerceu importante papel nesse processo, impulsionando-o a partir do fortalecimento da demanda pela casa própria e pela propriedade privada nas periferias, antes desvalorizadas e lugar de moradias informais e autoconstruídas.
Apesar do rótulo de “possibilidade real de aquisição da sonhada casa própria”, o programa apresenta uma série de problemas e poucos avanços em relação a seus objetivos, identifica o geógrafo. “Quando se observa o quadro do déficit habitacional no Brasil, vê-se que 89,6% [dado do Ministério das Cidades e da Fundação João Pinheiro] diz respeito a famílias com renda mensal entre zero e 3 salários mínimos, faixa para a qual foram contratados menos financiamentos no programa”, explica. Desta forma, o principal efeito do Minha Casa, Minha Vida ocorre para famílias com rendimentos acima de 6 salários mínimos, em detrimento dos mais empobrecidos. “A situação de valorização imobiliária e sobreendividamento tem constituído a expropriação como uma ameaça para as frações populares e para os mais pobres”, completa o pesquisador.
Imagens: Danilo Volochko
Mais informações: e-mail dvolochko@usp.br, com Danilo Volchko
Matéria de Bruna Romão, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 28/08/2012
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