Modelo do agronegócio baseado em commodities gera crise alimentar, artigo de Amy Horton
No início de julho, previa-se para 2012 um recorde mundial na produção de alimentos. Poucas semanas depois, os preços do milho e da soja quebraram os recordes alcançados na crise alimentar de 2007-08, quando revoltas disparadas pela fome espalharam-se por trinta países. Os preços do trigo também subiram, mais de 50% só nas últimas seis semanas.
Tudo isso coloca o mundo à beira de uma nova crise alimentar. Quando a ONU lançar seu relatório global sobre a fome, em setembro, é provável que o número de pessoas famintas no planeta – atualmente estimado em 925 milhões – tenha se ampliado.
A culpa principal foi atribuída à seca devastadora nos Estados Unidos, que arrasou mais lavouras que qualquer outro fenômeno climático desde 1956. À medida em que a mudança climática evolui, tais extremos estão se tornando normais.
Os biocombustíveis – que no ano passado engoliram quase 40% da colheita norte-americana de milho – também foram apontados como parte do problema. Nos EUA, estão crescendo as pressões para reduzir a adição de biocombustíveis na gasolina. Produtores de carne e leite estão advertindo que não serão capazes de pagar a ração dos animais.
Mas as análises estão esquecendo os especuladores financeiros, que ampliaram sua atuação nos mercados. Quer saber como eles veem uma crise alimentar em gestação? Na semana passada, Peter Sorrentino, um administrador norte-americano de hedge funds respondeu: “É como se uma grande torneira de dinheiro tivesse sido aberta”.
Em junho, os mercados de derivativos agrícolas foram inundados com 89 bilhões de dólares em dinheiro especulativo. O número é cortesia do Barclays Bank, o principal agente em mercados de alimentos do Reino Unido, que apontou, este ano, a especulação como “um motor-chave” para a alta dos preços.
Um texto de analistas do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra convida à ação. Pesquisa realizada por eles isolou os biocombustíveis e a especulação como as causas centrais da elevação dos preços de alimentos nos últimos anos. Há meses, têm alertado para a necessidade de enfrentar a ameaça.
Programas predatórios de conversão de alimentos em etanol (biocombustíveis) e especulação crescente nos mercados mundiais de commodities criaram uma bolha de preços de alimento, pressionando por um pico inevitável dos preços em 2013. Agora, parece que este “choque de colheitas” virá mais cedo devido à seca, a não ser que medidas para reduzir a produção de etanol e controlar os especuladores sejam adotadas imediatamente.
Os modelos dos pesquisadores do instituto, já validados por previsões e acertos anteriores, sugerem que os nos picos de preço, embora inicialmente causados por choques de produção e demanda, serão exacerbados pela especulação financeira, provocando um salto ainda mais grave dos preços. Os pesquisadores também sustentam que os esforços para reformar os mercados têm sido muito lentos. As tentativas de regulação têm sido contestadas por manobras jurídicas nos Estados Unidos e estão atrasadas na Europa. Por isso, medidas que poderiam refrear a especulação não foram implementadas.
A crise no horizonte destaca a vulnerabilidade de um sistema agrícola que depende cada vez mais de negociações voláteis de um punhado de cereais-chave. Enquanto os países em desenvolvimento enfrentam encruzilhadas dramáticas sobre o futuro de seus sistemas da abastecimento, os movimentos por segurança alimentar reivindicam um projeto mais voltado para a diversidade de cultivos, resiliente às mudanças climáticas e controlado localmente. Passos rumo a estes objetivos poderiam incluir a construção de comércio regional e o plantio de sementes nativas, que frequentemente resistem mais a estiagens que cereais como o milho.
Mas a força política para executar muitas das medidas necessárias – inclusive a reforma do sistema global de comércio – está nas mãos dos países mais ricos. Sem uma mudança radical de nosso sistema agrícola, que inclua mecanismos de regulação para evitar que especuladores fixem os preços dos alimentos, as populações mais pobres do mundo continuarão a pagar o preço mais alto.
Amy Horton é ativista e produtora de conteúdo no World Development Movement – em artigo, tradução de Antonio Martins, reproduzido pelo sítio Outras Palavras e socializado pelo MST.
EcoDebate, 21/08/2012
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