A degradação de terras no Brasil e a perda da resiliência em termos de produção e sustentabilidade. Entrevista com Eduardo Campello
“Até 2020 há uma previsão de incorporar algo em torno de 15 a 20 milhões de hectares ao processo produtivo. Com a aplicação do Código Florestal, será possível, aos poucos, reduzir de maneira gradativa as áreas degradadas”, assinala o engenheiro florestal.
Confira a entrevista.
Os dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente, de que 140 milhões de hectares de terras brasileiras estão degradadas, evidenciam que “não há necessidade de abrir novas fronteiras agrícolas, tampouco continuar desmatando para ampliar a área agrícola”, diz o engenheiro, Eduardo Campello à IHU On-Line. Segundo ele, “140 milhões de hectares de terras degradadas representa um dado preocupante, porque é uma área muito extensa em termos territoriais. Porém, o Brasil tem a possibilidade de recuperar e reincorporar parte dessas áreas degradadas aos sistemas produtivos”.
De acordo com Campello, tentativas para reverter esse quadro e recuperar as áreas degradadas já são desenvolvidas em algumas regiões do país, a exemplo do Centro-Oeste, onde se adotam “sistemas integrados de produção, como a integração lavoura/pecuária/floresta, que também permite reincorporar muitas áreas de pastagem e outras áreas onde houve uma perda da fertilidade do solo, uma perda da resiliência em termos de produção e sustentabilidade”.
A recuperação das áreas degradadas, conforme esclarece Campello, depende também de uma reavaliação das práticas agrícolas. “Não dá mais para fazer uma agricultura itinerante como aconteceu nos anos 1970, quando boa parte dos agricultores do Sul do país migraram para o Centro-Oeste. Também não dá para fazer uma transposição para a Amazônia. Precisamos adequar as propriedades a luz da nova lei, criando mecanismos que incentivem as pessoas a plantarem, recuperarem, e manterem a qualidade das terras”, destaca em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Eduardo Campello é graduado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, e doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente é chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Agrobiologia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo informações do Ministério do Meio Ambiente, cerca de 140 milhões de hectares de terras brasileiras estão degradadas. O que este valor significa, considerando a extensão territorial do país?
Eduardo Campello – Essa é uma área bastante expressiva, mas hoje o Brasil tem tecnologia para recuperar essas áreas degradadas. Então, na verdade, não há necessidade de abrir novas fronteiras agrícolas, tampouco continuar desmatando para ampliar a área agrícola.
A expectativa da ONU e da Organização Mundial da Saúde – OMS é de que em 2050 terão nove bilhões de pessoas no mundo. Quer dizer, haverá a necessidade de aumentar a produção de alimentos no planeta. Poucas áreas do mundo contêm uma extensão territorial e terra agricultável como o Brasil.
Efetivamente, 140 milhões de hectares de terras degradadas representa um dado preocupante, porque é uma área muito extensa em termos territoriais. Porém, o Brasil a possibilidade de recuperar e reincorporar parte dessas áreas degradadas aos sistemas produtivos.
IHU On-Line – Em quanto tempo é possível recuperar as áreas degradadas? Que tecnologias o Brasil possui para reverter a degradação das terras?
Eduardo Campello– Em termos gerais, ainda precisamos de um diagnóstico mais preciso do nível de degradação, e essa talvez seja a grande dificuldade quando se fala em recuperar a área degradada: não existe uma receita única; uma lógica que você vai lá e aplica de um modo geral. Existem várias condições relacionadas ao clima e ao solo, por exemplo.
O Brasil tem uma grande diversidade de biomas e de ecossistemas dentro de cada bioma, e isso precisa ser analisado de forma técnica para buscar uma solução para cada situação. Porém, exemplificando, têm regiões, como no Sudeste, onde muitas pastagens foram feitas em áreas de relevo mais acidentado, em encostas. Boa parte dessas pastagens está degradada, e para recuperá-las poder-se-iam adotar sistemas silvipastoris, nos quais se faz o consórcio entre a forrageira e espécies arbóreas para aumentar a produtividade, protegendo mais o solo.
Existe no Centro-Oeste brasileiro, onde está hoje a maior produção agropecuária do país, a possibilidade da adoção dos sistemas integrados de produção, como a integração lavoura/pecuária/floresta, que também permite reincorporar muitas áreas de pastagem e outras áreas em que houve uma perda da fertilidade do solo, uma perda da resiliência em termos de produção e sustentabilidade.
IHU On-Line – Que características as áreas precisam ter para serem consideradas degradadas?
Eduardo Campello – Isso depende muito da interpretação de cada grupo de pesquisa, de cada grupo técnico. Particularmente, gosto de trabalhar com o termo perda da resiliência, ou seja, a capacidade do ambiente de responder aos estresses ambientais aos quais ele é submetido. Essa resiliência, capacidade do meio ambiente de reagir, chega a um nível tão baixo que é preciso fazer uma intervenção técnica para voltar a recuperar os mecanismos ecológicos que ali funcionam. No ambiente de produção, uma área é considerada degradada quando há perda da qualidade desse ambiente, ou seja, diminui a fertilidade do solo, e aparecem outros componentes da degradação, como a erosão, a perda da biodiversidade em torno dessas áreas, o decréscimo de produção etc.
O Brasil tem nesse hall de tecnologias algumas coisas que são extremamente potenciais, mas que são relativamente de uso limitados. Há um exemplo clássico que é a fixação biológica de nitrogênio. Hoje, no mundo, talvez os grandes limites para se continuar mantendo altos níveis de produtividade são os fertilizantes nitrogenados.
Para se produzir esse nitrogênio fertilizante, gasta-se muita energia, é um processo que consome combustível fóssil, emite muitos gases de efeito estufa. Por ser um produto solúvel, é preciso aplicar grandes quantidades de nitrogênio no solo, o que acaba contaminando os corpos hídricos, como rios e lagoas.
A natureza oferece opções como a simbiose entre microrganismos e plantas, onde a bactéria do solo – a bactéria do bem – fornece nitrogênios para a planta em troca de carboidratos da fotossíntese. Isso é possível de ser feito. A soja brasileira, por exemplo, não utiliza um grama de nitrogênio, e isso gera uma economia para o país de aproximadamente dez bilhões de reais por ano, o que equivale, no caso da soja, a cinco vezes o orçamento da Embrapa. Isso demonstra como o investimento em pesquisa de desenvolvimento e inovação pode dar retorno para o país.
IHU On-Line – Por outro lado, o Brasil ainda utiliza muito agrotóxico. Como o uso intensivo contribui para a degradação das terras, especialmente agrícolas?
Eduardo Campello– Esse é um dado obviamente preocupante. Queremos reduzir o uso de insumos químicos, e por isso estamos investindo mais nos insumos biológicos. A maior preocupação é que os agrotóxicos entram na cadeia alimentar e acabam acarretando efeitos na saúde humana.
Não desejaríamos que o Brasil fosse o campeão de uso de agrotóxicos, mas temos de considerar que esse é relativo. O Brasil possui uma grande extensão territorial e, por ser um dos maiores produtores de alimento do mundo em termos quantitativos, ele, em termos absolutos, o que mais usa insumos químicos. Porém, em termos relativos, o país está na quinta ou sexta colocação. Têm países que relativamente, por hectares, gastam mais dinheiro em insumos químicos, como o Japão, que é o campeão na utilização de insumos químicos e produtos para controlar pragas e doenças.
Na medida em que se desenvolvem modelos integrados de produção e se aumenta a diversidade, surge um ambiente mais equilibrado, com a presença de inimigos naturais dessas pragas. O problema é que, quando se transformam grandes áreas em monocultura, a tendência é que os inimigos naturais desaparecem, e as pragas dominem as terras, porque falta a diversidade de culturas para manter o ambiente em equilíbrio.
IHU On-Line – É possível estimar em quais estados brasileiros a degradação é mais acentuada?
Eduardo Campello– O Brasil é um dos países que melhor utiliza, e de forma bastante efetiva, o monitoramento por imagens de satélite. Então, sabemos qual é a situação ambiental dos biomas. A Mata Atlântica, por exemplo, é um bioma extremamente impactado, porque a concentração urbana se deu no litoral, nos estados que estão na região litorânea do Brasil, e que concentraram suas principais cidades próximas ao litoral. O Cerrado brasileiro também sofreu um impacto e já perdeu quase 40% da cobertura vegetal por conta da expansão das fronteiras agrícolas daquela região. A Caatinga também é uma região que merece atenção especial, porque tem sido muito explorada para a retirada de lenha. Alguns processos produtivos, como a produção de gesso e cerâmicas no Nordeste, a produção do tijolo, utilizam lenha oriunda da Caatinga. Esse cenário, de modo geral, está mapeado nos estudos da Embrapa.
IHU On-Line – Considerando o modelo agrícola brasileiro, que investe na expansão do agronegócio e da pecuária extensiva, como conciliar a lavoura, a pecuária e a preservação das áreas florestais?
Eduardo Campello– O Brasil já tem feito isso de alguma maneira: existem vários zoneamentos agroecológicos. Um exemplo é o que foi feito para a cana-de-açúcar, que considerou a Amazônia brasileira e o Pantanal como áreas inadequadas para a produção de cana-de-açúcar, quer dizer, não recomendou a expansão dessa cultura. Já há conhecimento suficiente, mas precisamos reintegrar isso. De certo modo, essa tem sido a proposta do governo brasileiro, a qual foi assumida na COP-15, em 2009, em Copenhague, com os compromissos do Brasil de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Esse comprometimento gerou um programa de governo chamado Programa da Agricultura de Baixo Carbono – ABC. A proposta é cada vez mais, em cada ano, reincorporar áreas degradadas ao processo produtivo.
Até 2020 há uma previsão de incorporar algo em torno de 15 a 20 milhões de hectares ao processo produtivo. Com a aplicação do Código Florestal, será possível, aos poucos, reduzir de maneira gradativa as áreas degradadas. Durante a Rio+20 houve um reconhecimento internacional de que o Brasil vem dando exemplos de efetiva preocupação de mudança, de abordagem do seu sistema de produção agrícola, respeitando e adotando técnicas mais conservativas em termos ambientais.
IHU On-Line – Como a discussão da degradação das terras aparece no novo texto do Código Florestal? Caso o atual texto seja aprovado, o que pode se esperar em relação às áreas degradadas?
Eduardo Campello – O atual Código Florestal brasileiro é da década de 1960, e de lá para cá, nada mudou, apesar de o Código ser um documento com regras muito claras em relação a práticas que não poderiam ser adotadas em termos de preservação. O atual Código também tem uma visão mais punitiva e, de alguma maneira, o Estado brasileiro tem uma visão, hoje um pouco diferente. Reconhece-se a importância de trazer os principais atores envolvidos nessa questão de forma a estimular e mostrar que realmente preservar recursos naturais têm benefícios. Então, cada vez mais se fala em pagamento de serviços ambientais, vantagens que estão sendo dadas para aqueles que efetivamente cumprem esse Código.
Nesse sentido, hoje os agricultores têm mais consciência. Não dá mais para fazer uma agricultura itinerante como aconteceu nos anos 1970, quando boa parte dos agricultores do Sul do país migraram para o Centro-Oeste. Também não dá para fazer uma transposição para a Amazônia. Precisamos adequar as propriedades à luz da nova lei, criando mecanismos que incentivem as pessoas a plantarem, recuperarem e manterem a qualidade das terras e da água, porque não é possível fazer agricultura sem água.
(Ecodebate, 02/08/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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