As modernas concepções da biologia e o meio ambiente, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Harvey J. Gold em sua publicação “Mathematical Modeling of Biological Systems” (apud GLEICK, 1989, pg 55) declara: “O resultado de um desenvolvimento matemático deve ser conferido constantemente com a nossa intuição de que constitui um comportamento biológico aceitável”. Quando esta conferência revelar discordância, devemos examinar então as seguintes possibilidades:
a) Foi cometido um erro no desenvolvimento matemático formal;
b) Os pressupostos de partida são incorretos e/ou constituem uma simplificação demasiado drástica;
c) Nossa intuição sobre o campo biológico é inadequada;
d) Um penetrante princípio novo foi descoberto.”
Aparentemente o mundo constitui um laboratório de espontaneidades para os ecologistas, onde milhões de espécies interagem, sendo difícil estimar a quantidade real de espécies existentes, dentro dos conceitos de biodiversidade.
Algumas escolas da biologia, com certeza apresentando inclinações para a matemática, durante o século XX, criaram a ecologia, tratando a ideia de populações de plantas e animais como sistemas dinâmicos onde a concepção de fluxo de matéria e energia, ou seja, os processos são hegemônicos sobre os indivíduos.
Os ecologistas, embora sempre usando modelos matemáticos, sempre tiveram a clara percepção de que estes modelos eram pálidas e simplificadas aproximações do esfusiante mundo real. Os biólogos sempre entenderam que seus modelos matemáticos tendiam a um reducionismo e a uma extrema simplificação da realidade.
A biologia populacional aprendeu muito com a história da vida, com a interação entre os elementos, com a maneira pela qual as diferenças de populações poderiam ser interpretadas. Normalmente não são relações simplificadas, onde o aumento ou diminuição de um fator interferem diretamente sobre os quantitativos. Muitas vezes os caminhos são sinuosos e surpreendentes, uma elevação em um fator, produz alteração em outro e a sinergia resultante não é uma equação matemática simplificada.
A ecologia clássica sempre utiliza o exemplo do escaravelho, um tipo de besouro muito particular em jardins. Em toda entrada de primavera podemos contar os indivíduos de uma população. Sem levar em conta outros fatores, como passarinhos, citar descontadas as doenças próprias dos escaravelhos ou sua longevidade curta e outros podem citar o exemplo clássico representado pelo abastecimento fixo de alimentos. Se os escaravelhos forem poucos, eles se multiplicarão e então comerão todo o alimento disponível e depois morrerão de fome.
A população de uma determinada espécie animal ou vegetal tenderá a crescer com uma velocidade conhecida até atingir o nível de equilíbrio. É possível encontrar uma equação matemática que represente isto com veridicidade? Muitas equações diferentes poderiam funcionar, desde a clássica versão maltusiana linear xpróximo = rs(1 – x).
Na medida que o parâmetro r representa a taxa de crescimento e que o termo (1 – x) mantém o crescimento dentro de limites já que quando x aumenta (1 – x) cai, seria viável mediante uma simples operação aritmética obter resultados. O problema é inserir todas as variáveis que estarão presentes no crescimento da população e o comportamento matemático de cada uma delas e o resultado sinérgico que apresentam quando reunidas.
Este fenômeno atualmente é bem conhecido e descrito na biologia. Tem a denominação solene de “Princípio das propriedades emergentes” (ODUM, 1986), e representa exatamente esta ideia. Quando se faz dois fatores interagirem, eles não apenas causam resultados individualmente, como produzem uma sinergia que modifica os resultados dos mesmos considerados isoladamente e frequentemente originam outros fatores novos que também interagem, tornando os processos de redução a equações, sejam elas simples ou complexas, extremamente inadequados para registrar as ocorrências.
Temos a tendência de buscar e compreender fenômenos regulares. Nossa mente gosta deles. Mas não podemos ter a concepção simplista de que os comportamentos que a nós parecem irregulares não possam ser estáveis dentro de outros parâmetros que não os que estamos habituados a lidar. Podemos ter o objetivo de extrema simplificação de criar modelos regulares. Todavia, temos que ter a humildade de admitir que a regularidade possa ter outros limites e dimensões diferentes dos paradigmas que normalmente adotamos. Faz muito tempo que a espécie humana tem uma visão conceitual de que simetria, por exemplo, não significa perfeição, ao contrário da geometria primitiva dos gregos ou das proporções dos renascentistas italianos.
Na vida cotidiana dos cientistas e das pessoas em geral, podemos dizer que a dependência sensível das condições iniciais dos sistemas acaba sendo um álibi para explicar tudo que foge aos nossos paradigmas convencionais. Não é muito intuitivo, embora seja muito real, imaginar que pequenas perturbações na trajetória de fenômenos do cotidiano podem ter grandes consequências, tanto no destino quanto na física e na química. Não é muito fácil tanto para os cientistas como para o conjunto das pessoas criar modelos de mundo que sejam regulares no que aparentemente é irregular, que sejam estáveis na sua mutabilidade, ou seja, que não ocorram de forma repetitiva.
Os matemáticos sabem que a maioria das equações diferenciais apresenta grandes barreiras para serem resolvidas. Isto permite concluir que de alguma forma, em sua essência, a natureza é não linear. Ainda hoje, os biólogos e os cientistas naturais, por deficiências formais de construção acadêmica, tendem a relegar a matemática em suas apropriações da realidade. O que não é defeito, pelo contrário, aplicam uma visão holística e integrada na descrição compreensiva de realidades complexas. Até porque quem gosta de matemática e tem aptidão e vocação para isto, tende para a formação exata em física ou na própria matemática e tem dificuldade muitas vezes na apreensão dos fenômenos naturais.
Talvez decorram da falta de generalização deste avançados e modernos conceitos da biologia que suportam as novas visões dos ecossistemas, as dificuldades para compreensão dos complexos fenômenos ambientais.
ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
GLEICK, J. Caos A criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro. Editora Campus 1989, 312p.
Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 31/07/2012
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