Juventude e Missionariedade: o que fazer e como? artigo de Gilvander Luís Moreira
Juventude e Missionariedade: o que fazer e como?
Bases para uma Teologia da Missão dos jovens.
Gilvander Luís Moreira1
“Deixa-me ser jovem, não me impeça de buscar, pois a vida me convida uma missão realizar…”
1. Para início de reflexão.
A Campanha da Fraternidade de 2013 será sobre Juventude. Que beleza! Mais do que necessária. Oxalá a juventude da igreja católica e de outras igrejas, as comunidades cristãs da Igreja Católica e de outras igrejas e pessoas de boa vontade dêem as mãos e unam os corações para que a Opção Preferencial pelos Pobres e pelos Jovens se torne uma realidade palpável entre nós, na atualidade, no Brasil.
Pediram-me um texto sobre Juventude e Missionariedade, palavra difícil para dizer “missão dos jovens”. Primeiro, digo que descobri minha vocação e missão de ser frei e padre carmelita em um Grupo de Jovem, em Arinos, Noroeste de Minas Gerais. Isso na década de 70 do século XX. Participei, animei e ajudei na coordenação ou assessoria de vários grupos de jovens em Arinos, MG, em Taguatinga/DF, na Vila Parolim, em Curitiba, PR, nas Favelas do Parque Novo Mundo, em São Paulo, SP. E, em 18 anos de padre e 27 de frei, na assessoria da Comissão Pastoral da Terra, do MST2 e de Comunidades Eclesiais de Base, tenho tido a alegria de ser militante de várias causas dos pobres ao lado de muitos jovens militantes de Reino de Deus, um reino que passa por Justiça Social e Justiça ambiental. São jovens que, como Che Guevara e/ou Jesus de Nazaré, sempre se comovem com a dor dos empobrecidos, se fazem solidários e ficam possuídos por uma ira santa diante de toda e qualquer injustiça acontecida contra qualquer pessoa (ou ser vivo) e em qualquer parte do mundo. Logo, acredito na Juventude que se levanta para lutar por vida e liberdade para todos e para tudo. Aliás, está se fortalecendo no Brasil o Levante Popular da Juventude3, um Movimento muito idôneo e do qual vale a pena participar.
Para refletirmos sobre a Missão dos Jovens (= Missionariedade) é preciso consideramos a Missão – ou as missões – dos Jovens com relação a várias dimensões que envolvem nossa vida. Jovem não deve desenvolver sua missão só dentro das igrejas. É preciso ser luz, sal e fermento na sociedade e em todos os ambientes. Devemos perguntar: Qual a missão dos jovens diante da Espiritualidade? E da afetividade e da sexualidade? E das questões ambientais? E diante da violência que assola a sociedade, fere e mata milhares de jovens? E na Pastoral nas Igrejas e a partir das igrejas? E com relação à Comunicação? Enfim, qual a missão dos jovens a partir da Bíblia? Mas, antes, quais a/s identidade/s do/s jovem/ns, hoje?
2. Jovem, um dinamismo de vida.
O jovem, por natureza, é inquieto, busca, questiona, não aceita verdades prontas, quer participar. Muitos sentem que fazem parte ou querem participar. Quantos jovens são cantores, trovadores, poetas, artesãos, artistas que resistem valorizando a cultura popular e as raízes culturais mais profundas.
A Juventude é – em parte e pode ser cada vez mais – expressão de três belíssimas metáforas do Evangelho do jovem Galileu: luz, fermento e sal. Luz para iluminar caminhos e aquecer corações no meio de tanta escuridão eclesiástica/eclesial, social, política, econômica, existencial e ecológica. Fermento para fermentar muita massa sem fisionomia, amorfa e como folha ao vento. Sal para salgar a realidade eclesiástica, eclesial e social que, infelizmente, padece de muita podridão.
3. Olhando para a história.
Para sugerirmos algumas missões e tarefas dos jovens, hoje, faz bem olharmos um pouco para a história da nossa América Afrolatíndia. Segundo Eduardo Galeano, autor do livro As veias abertas da América Latina – de leitura indispensável – e de muitos outros livros necessários para uma boa compreensão da nossa história, “a América Latina é uma peça fundamental para o enriquecimento das nações dominadoras, restando como conseqüência dessa lógica de exploração imperialista o subdesenvolvimento crônico do nosso continente e as intermináveis crises sociais que vivemos por nunca conseguirmos nos desvencilhar do status de colônia. A riqueza das potências é a pobreza da América Latina.”4
Como tem sido a participação da juventude brasileira historicamente? Assim como Zumbi dos Palmares e Dandara, sua companheira, muitos jovens negros fugiram das senzalas e construíram resistência nos quilombos. Lutaram e lutam hoje contra muitos tipos de escravidões. Muitos jovens camponeses participaram ativamente das Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião, um jovem advogado sonhador e aguerrido na luta, para quem a Reforma Agrária seria realizada na lei ou na marra. Muitos jovens participaram da Revolução Estudantil em 1968, anos de chumbo.
Na época da ditadura militar, civil e empresarial (de 1964 a 1985), milhares de jovens foram presos, torturados, exilados e muitos outros desaparecidos. Para conhecer melhor o contexto da época dos anos de chumbo, sugiro a leitura do livro Brasil Nunca Mais e, caso você não os conheça, assistir aos seguintes filmes, dentre outros no mesmo tema: 1) Batismo de sangue, 2) Pra frente Brasil, 3) Cabra Cega, 4) Ação entre Amigos, 5) Zuzu Angel, 6) Hércules 56, 7) Dois Córregos, 8) Nunca fomos tão felizes, 9) O Ano em que meus pais saíram de férias, 10) O que é Isso Companheiro?e 11) Araguaia. São filmes que registraram páginas sangrentas dos anos de chumbo no Brasil, nos fazem entender bem o passado e vivenciar nosso presente e planejar nosso futuro.
Resistência cultural também foi realizada por muitos jovens, tais como, Geraldo Vandré (“Quem sabe faz a hora não espera acontecer...”, Chico Buarque (“Pai, afasta de mim este cale-se…”) etc. O movimento da juventude gerou grandes políticos comprometidos com a libertação dos pobres. Isso sem falar dos carapintadas que contribuíram muito para o Impeachment do presidente Fernando Collor.
3.1 – Década de 60 do século XX até 1989:
A queda do Muro de Berlin, em 09 de novembro de 1989, marcou simbolicamente a derrocada do socialismo real. Desde a década de 60 até a queda do Muro de Berlin vivíamos sob o signo da Utopia da Grande Revolução. Acreditava-se ser possível superar o capitalismo – e o Capital – e construir o socialismo, uma Sociedade para além do Capital. Pensava-se que poderíamos tomar o Poder a partir do Estado e implantar de cima para baixo a justiça social fazendo revoluções – mais do que reformas – agrária, urbana, educacional e política. As revoluções cubana (1959) e nicaragüense (1979) eram exemplos a serem seguidos e fonte de inspiração para se travar a luta contra a injustiça social. Com o assassinato de Presidente Alliende, eleito democraticamente no Chile, em 11 de setembro de 1973, ofuscou-se a estrela do socialismo que estava irrompendo na América Afrolatíndia. Uma série de golpes militares, arquitetados pelo império estadunidense com forte apoio das elites nacionais aconteceram na América Afrolatíndia: Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Brasil etc. Na Argentina, cerca de 30 mil jovens foram assassinados. No Brasil, estima-se que foram cerca de 17 mil.
Com a queda do socialismo real, no pós 1989, as sociedades mergulharam na crise das grandes utopias. Inaugurou-se uma época de fortalecimento do capitalismo neoliberal, melhor dizendo, neocolonial. Veio a onda neoliberal e, como um tsunami, levou de roldão centenas de empresas públicas/estatais. No Brasil, só nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB + DEM), mais de 170 empresas estatais foram privatizadas “a preço de banana”. Um imenso patrimônio do povo foi sequestrado nas mãos de poucas empresas transnacionais. A Vale do Rio Doce, que valia mais de 100 bilhões de reais, foi entregue apenas por 3,2 bilhões de reais. Há mais de cem ações judiciais questionando a privatização da Vale, mas estão todas engavetadas no Poder Judiciário, poder que, infelizmente, defende mais a propriedade do que a dignidade humana. Companhias de água, energia, telefonia, siderurgia e etc passaram a ser regidas exclusivamente pelo mercado onde a ganância por lucro máximo não tem fim. Além de priorizar o lucro, essas empresas são responsáveis por danos sociais e ambientais em vista dos empreendimentos de alto impacto que patrocinam irresponsavelmente.
Com o eclipse da Utopia da Grande Revolução, uma grande frustração se abateu sobre a esquerda mundial com a derrocada do socialismo real. Muitos diziam que se tornou impossível superar o capitalismo. Um arauto do neoliberalismo, Fukuyama, chegou a anunciar o “fim da história” ao sugerir que agora não seria mais possível implantar nenhum projeto alternativo ao capitalismo. Se fosse assim, restaria apenas a resignação diante do atual sistema é, na prática, uma máquina de moer vidas. Os capitalistas cantaram vitória. Mas a história não acabou. O monstro que é o capitalismo ruge como um leão, mas tem os pés de barro.
Nesse contexto, o foco passa a ser a construção de micro-revoluções. Trata-se de construirmos um Outro Mundo Possível e necessário, mas debaixo para cima e de dentro para fora, a partir dos pobres, tecendo uma rede de movimentos sociais populares em todos os cantos e recantos, em todas as vilas, favelas, bairros, no asfalto e nos morros, no campo e na cidade. Esse movimento está em curso, liderado em grande parte pelo Movimento de Juventude presentes nos vários Movimentos Populares: MST, MAB5, Via Campesina, Movimento Indígena, Movimento Negro, Movimento LGBT, Movimento dos Sem Teto, Movimento de Mulheres etc. A juventude presente nas Pastorais Sociais6 também participa ativamente da construção de micro-revoluções.
3.2 – Rápida retrospectiva religiosa.
Para entender a/s missão/ões do/s jovem/ns, hoje, temos também que fazer uma rápida retrospectiva religiosa. De 1962 a 1965 aconteceu o Concílio Vaticano II, que abriu a Igreja Católica para os bons ventos do mundo. Muitos dizem que João XXIII, o papa que convocou e abriu o Concílio, na abertura do Concílio teria aberto as janelas do Vaticano e dito: “Que os bons ventos do mundo inundem a Igreja e oxigene-a internamente.” No Vaticano II a Igreja se reconheceu como Povo de Deus, abriu-se para o ecumenismo e para a inculturação. Os leigos foram valorizados e diálogos com o mundo moderno iniciaram-se. Vários movimentos eclesiais tornaram possível a realização do Concílio e foram fortalecidos pelos Documentos do Vaticano II: Movimento litúrgico, movimento bíblico, movimento leigo, Movimento ecumênico, entre outros.
Quatro conferências dos bispos da América Afrolatíndia contribuíram muito para que os bons ventos do Vaticano II fossem assimilados entre nós. Na Conferência episcopal de Medelin, na Colômbia, em 1968, a Opção pelos Pobres e pelos Jovens foi consagrada. Em Puebla, no México, em 1979, a Opção pelos Pobres e pelos Jovens foi confirmada. Em Santo Domingos, na República Dominicana, em 1992 – quando clamávamos por Outros 500 anos sem opressão, sem colonização, sem imposição cultural e religiosa – a inculturação e o protagonismo das/os leigas/os foi referendado. Em Aparecida, no Brasil, em 2007, na 5ª Conferência episcopal latino-americana, os pontos fortes de Medelin, Puebla e Santo Domingos foram resgatados e o reconhecimento das Comunidades Eclesiais de Base foi atestado mais uma vez.
Movida e inspirada pela Teologia Política da Europa, a Ação Católica chegou ao Brasil no clima espiritual e profético do Vaticano II. A Ação Católica contava com cinco organizações destinadas aos jovens: JAC7, JEC8, JIC9, JOC10, JUC11. A JUC ajudou muito na criação da Ação Popular que lutava por Reformas de Base como a reforma agrária.
A Ação Católica contribuiu muito na construção do que é hoje a Pastoral da Juventude. Ajudou muito no nascimento e crescimento das CEBs. O papa Paulo VI continuou o Vaticano II e como pontífice colocou em prática as inspirações e os documentos conciliares. Paulo VI disse: “A melhor forma de amar o próximo é fazer política, pois esta ataca os problemas pela raiz.” Assim, Paulo VI ajudou muito as comunidades cristãs a experimentar a íntima relação que há entre fé e política, entre Evangelho e questões sócio-ambientais.
4. E os jovens na Bíblia?
Para se compreender a Missão dos jovens, hoje, é preciso também contemplar a atuação de muitos jovens que pelo que fizeram e ensinaram se imortalizaram na Bíblia. Cito apenas onze.
1. No livro de Gênesis (Gn 37-50), o jovem José, vendido pelos irmãos, dá a volta por cima e se transforma em um libertador do seu povo e dos seus irmãos.
2. Samuel foi um jovem que soube ouvir a voz de Deus e entrou para a história como um dos iniciadores da profecia (Cf. Samuel 1 a 16).
3. O jovem Davi reuniu os desvalidos da sociedade e liderou uma grande resistência popular que o tornou rei de seu povo. Davi, inclusive, desafiou o “invencível” Golias e dominou. Entrou para a história como um dos três reis bons: Davi, Ezequias e Josias.
4. Amós, um jovem camponês vaqueiro, pequeno agricultor, se tornou o profeta da justiça social. Fervia o sangue de indignação contra a opressão dos latifundiários. Clamava por preços justos para os produtos do campo e por Reforma Agrária.
5. O profeta Jeremias, com apenas 18 anos, se tornou um grande profeta.
6. Bela órfã judia, a jovem Ester, por sua atuação, foi decisiva para livrar seu povo do aniquilamento.
7. O jovem Daniel, exilado na Babilônia com seu povo, tornou-se um dos maiores profetas de todos os tempos.
8. A jovem Maria de Nazaré, por amor, abraçou o projeto de Deus. Arriscou ser apedrejada. Tornou-se solidária e libertadora de seu povo. Acompanhou Jesus de ponta a ponta e depois da paixão e ressurreição de Jesus, eis Maria no meio das primeiras pessoas que fizeram a experiência da ressurreição de Jesus.
9. José, o pai de Jesus, colocado pela tradição como um idoso, deve ter sido enquanto jovem que, por amor, abraçou a “Menina de Nazaré” e, como homem justo, ao lado de Maria, foi decisivo para que Jesus crescesse em estatura, sabedoria e graça.
10. João Batista, ainda jovem, liderou um grande movimento popular-religioso que lutava contra as desigualdades sociais e econômicas. Foi preso e decapitado pelo governador Herodes Antipas, porque estava liderando uma insurreição popular, ameaçava o status quo.
11. Jesus de Nazaré fez história em plena juventude. Foi condenado à pena de morte aos 33 anos, diz a tradição. A entrada de Jesus em Jerusalém (Lc 19,28-40), o que se recorda no Domingo de Ramos, foi organizada e realizada pelos camponeses da Galileia. No meio deles, muitos jovens.
O de número doze é cada um/a um/a de nós que somos carinhosamente convidados por esses e essas jovens da Bíblia a assumir nossa missão e fazermos a diferença, combatendo o bom combate.
5. Missão e tarefas dos jovens, hoje.
Considerando as muitas dimensões da pessoa humana, pensamos que a Missão dos Jovens, hoje, deve envolver várias dimensões humanas e levando em conta o abordado anteriormente, entre muitas missões/tarefas que estão clamando para serem abraçadas pelos jovens, hoje, destacamos:
5.1 – Fazer Teologia da Juventude.
Teologia não é uma reflexão sobre Deus, mas uma reflexão sobre qualquer assunto a partir da fé no Deus solidário e libertador. Teologia não pode andar no cabresto do papa e nem dos bispos. Não pode ser apologética, isto é, justificadora da Instituição Igreja. A partir do ser jovem, da realidade que é e envolve a juventude precisamos pensar: o que o Deus da vida pede de nós diante de tantos desafios que estão no colo da juventude?
Jovens, vocês são templos de Deus, templos do Espírito Santo. No altar dos deuses do mercado, do capital, da droga, do sexismo e do consumismo estão sendo sacrificados milhares de jovens anualmente no Brasil. O Deus da vida chora por causa disso. Todo tanto que fizermos para interrompermos essa matança é pouco. É hora de desmascarar a Idolatria do mercado e do capital.
5.2 – Promover libertação integral.
Intuo que uma das tarefas missionários dos jovens é lutar pela libertação integral das pessoas e de tudo e não apenas por libertação espiritual. No programa de Jesus, em Lc 4,16-21, consta uma libertação política (“libertar os presos”), social e econômica (“anunciar uma boa notícia aos pobres”), libertação ideológica (“restituir a visão”, e espiritual (“proclamar o Ano de Graça do Senhor”). Assim, Jesus resgata o Jubileu Bíblico (Cf. Lev 25,8-12). No ano do Jubileu, toca-se o “berrante” (em hebraico “sofar”), que acontece no primeiro ano após sete vezes sete anos. Neste Jubileu, todas as dívidas devem ser perdoadas; todas as terras devem voltar ao primeiro dono (aos ancestrais); todos os escravos devem ser libertados. Enfim, é tempo de se fazer uma re-organização geral na sociedade; tempo para recriar a Vida e as relações humanas com fraternidade, solidariedade libertadora, reconciliação e novos sonhos.
5.3 – Acreditar na ortopráxis, sim; ortodoxia, não!
Outra missão dos jovens é defender uma ortopráxis (= testemunho libertador), não uma ortodoxia (= opinião certa). O que de fato faz diferença não é tanto o que a gente pensa ou em que acreditamos, mas o que fazemos (ou deixamos de fazer). É hora de compromisso com um outro projeto de sociedade, que seja justo, ecumênico e sustentável ecologicamente.
5.4 – Rever conceitos.
Verdade não é adequação de um conceito a um objeto. Isso é verdade formal. “Verdade é o que liberta todos e tudo”, diz o quarto evangelho da Bíblia. A verdade deve ser buscada conjuntamente. Ninguém é dono da verdade, mas verdade como o que liberta deve ser buscada a partir dos pobres (últimos, pequenos, discriminados): pobre, excluído, sem terra, indígenas, negros, pessoas com deficiências, idosos, desempregados, homossexuais, mãe terra, irmã água, favelados, vítimas da violência etc.
5.5 – Sentir-se igreja, membro vivo de uma comunidade de fé libertadora.
“Igreja é Povo de Deus”, nos ensina o Vaticano II. È hora de percebermos que o sacerdócio comum está acima do sacerdócio ordenado. Os jovens não podem aceitar uma relação que os coloquem como infantis e em uma postura de quem só deve obedecer. Nada disso. Os jovens têm o direito e o dever de dialogar, discutir e reivindicar o direito de decidir conjuntamente todos os assuntos que envolvem a vida da comunidade cristã e da sociedade.
È hora de perceber que a coisa sagrada é também profana. Profanar é retirar do uso exclusivo para dar acesso a todos. Pro-fanar vem do verbo grego faneo, que quer dizer “brilhar”. Ou seja, que o brilho do sagrado seja estendido a todos sem distinção e sem nenhuma discriminação. É hora de gritar “Não a todo e qualquer dualismo!” Não há separação entre espiritual e material, entre sagrado em profano, entre divino e humano, entre santo e pecador, entre puro e impuro etc. Tudo está intimamente relacionado.
Jesus não morreu na cruz porque Deus quis, mas foi condenado à pena de morte pelos podres poderes político-econômico e religioso.
Jesus doou sua vida por todos e tudo. Jesus nos salva porque nos amou demais e não porque sofreu demais.
Jesus não nasceu Cristo, mas tornou-se Cristo, pois conseguiu desenvolver o infinito potencial de humanidade que cada pessoa traz consigo ao chegar a este mundo. “Jesus foi tão humano, tão humano, que só podia ser Deus”, disse o papa Paulo VI.
Milagre não é algo fruto de um poder extraordinário que está acima do humano. Milagre é uma maravilha de Deus, conforme diz o Primeiro Testamento da Bíblia. Milagre é um gesto solidário e libertador de Deus agindo nas entranhas da história.
Deus não é juiz, pois Deus é amor. Ou melhor, o amor é Deus.
Deus não é transcendente, mas transdescendente. Na Bíblia, de ponta a ponta, vemos a imagem de um Deus apaixonado pelo humano.
Deus não é neutro diante dos conflitos. Deus faz opção preferencial pelos pobres (cf. Ex 3,7-10).
Não existe inferno, nem purgatório e nem limbo como locais destinados aos pecadores, como descrito de forma tradicionalista por muitos nas igrejas. Satanás (satã, em hebraico) ou diabo (diabolos, em grego) não são entes abstratos, um deus negativo que faz oposição ao Deus da vida. Satanás (diabo) é tudo o que divide, separa, desune, oprime, exclui, discrimina e depreda. Pode ser uma dimensão interior nossa, mas em uma sociedade capitalista neoliberal como a nossa, trata-se prioritariamente de estruturas e instituições que oprimem, excluem e depreda a natureza. Podemos dizer que o agronegócio é satânico, pois concentra riqueza em poucas mãos, expulsa os pequenos do campo e devasta a biodiversidade. Uma democracia burguesa formal que não respeita a Constituição Brasileira e pisa na dignidade das pessoas é uma falsa democracia, algo também satânico.
Ser cristão implica ser anticapitalista. Não dá para compactuar com os pretensos valores do capitalismo: concorrência, competição, acumulação, lucrar e lucrar. Ser cristão é ser outro Cristo, alguém que consola os aflitos, mas que também incomoda os acomodados. Tarefa da pessoa cristã é buscar vida e liberdade para todos e tudo – e não apenas para alguns – mas a partir dos últimos.
5.6 – Comprometer-se com a Opção pelos pobres e pelos jovens.
O apóstolo Paulo, ao escrever sobre o Concílio de Jerusalém, acontecido por volta dos anos 49/50 do 1º século diz que a circuncisão, a maior de todas as barreiras, tinha sido abolida e que a única coisa que os apóstolos fizeram questão de alertar foi: “Não esqueçam os pobres.” (Gal 2,10) Esse alerta deve ser acolhido pelos jovens também. Mas faz bem ter um bom entendimento sobre quem é pobre. Primeiro, o carente economicamente. Depois, a mulher, o indígena, o negro, o homossexual, a divorciada, a mãe terra, a irmã água, o meio ambiente.
A Teologia da Libertação não vê o pobre apenas como um poço de carência, como um coitado, mas, principalmente, como um portador de força ética e espiritual. Deus age a partir dos pequenos. A Teologia da Libertação acredita que “o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”, conforme dizia Dom Hélder Câmara, o santo rebelde.
6. Enfim…
Contamos com os jovens, como protagonistas de sua história, para vivenciar a Opção preferencial pelos Pobres e pelos Jovens, buscar alternativas para a superação da atual crise sócio-política-econômica-cultural e religiosa. Apoiar firmemente a Economia Popular Solidária, as lutas pela Reforma Agrária, por agricultura familiar, por preservação ambiental, pela mudança do atual modelo econômico neoliberal. Queremos um modelo econômico que seja popular, democrático, soberano, inclusivo e sustentável ecologicamente. Queremos construir um outro modelo de igreja, onde, de fato, igreja seja povo de Deus, em comunidades que se relacionam em sistema de rede.
Apêndice ao texto, acima.
Sugestão: textos e eventos bíblicos libertadores que podem inspirar a Missão dos jovens:
- Gn 1: Toda a Criação é muito boa, imagem e semelhança de Deus.
- Ex 1,15-22: O Movimento das parteiras faz Desobediência civil e religiosa. Cf. Gandhi, Martin Luther King, as camponesas da Via Campesina.
- Ex 3,7-10: Deus opta pelos pobres.
- Davi vence Golias.
- Is 65,17-25: Eis um novo céu e uma nova Terra.
- Dn 2,31-37: Uma pedrinha destrói um gigante de pés de barro – a força da profecia.
- Jo 6,1-15: Solução radical para a fome de pão – partilha de pães.
- Mt 21,12-13: Jesus expulsa os capitalistas do Templo.
- Jovens camponeses, João Batista e Jesus se tornam líderes de libertação.
- Ap 12,1-17: Uma mulher grávida, em dores de parto, vence um Dragão.
- At 21,1-7: Deus deixa o céu e arma sua tenda no meio dos pobres.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 16 de julho de 2012, dia de N. Sra. do Carmo.
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1 Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina, em Minas Gerais; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: gilvander.moreira
2 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br
4 Cf. o artigo “América Latina e as ditaduras militares: fatores históricos” em
5 Movimento dos Atingidos por Barragens – www.mabnacional.org.br .
6 CPT – Comissão Pastoral da Terra -, CIMI – Conselho Indigenista Missionário -, Pastoral da Criança, Pastoral Operária, Cáritas, Pastoral Afrodescendente (APNs), Pastoral Carcerária, Pastoral da Mulher Marginalizada, Pastoral da Saúde, Pastoral de Direitos Humanos, Pastoral de Rua, Pastoral do Menor, Pastoral de Vilas e Favelas, Pastoral dos Pescadores etc.
7 Juventude Agrária Católica, formada por jovens do campo.
8 Juventude Estudantil Católica, formada por jovens estudantes secundaristas.
9 Juventude Independente Católica, que se constituía de jovens que não estivem na JAC, JEC, JOC ou JUC.
10 Juventude Operária Católica, que atuava no meio operário.
11 Juventude Universitária Católica, que atuava entre os jovens universitários.
EcoDebate, 17/07/2012
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