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Por que perdemos? crônica de Paulo Sanda

 

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[EcoDebate] E o “seu” Sebastião nos contava, de sua época de CEBs(comunidades esclesiais de base). Ainda na época de ditadura militar.

– Vixe, queriam construir uma usina no vale do ribeira, que ia acabar com um monte de aldeias e quilombos, ia se uma disgracera só. Mas a gente se uniu e protestou, enfrentamos as baionetas e tudo. A gente fazia reunião, vigília, ninguém arredava o pé. E conseguimos impedir aquele abuso.

Baixei a cabeça triste. Pois na hora me lembrei, pois sabia que a luta que o “seu” Sebastião e toda sua turma haviam ganho contra os militares, agora estava sendo perdida para o capital, serão construídas não uma, mas três usinas no vale do ribeira. Coisa e louco, se uma das pessoas humildes que moram naquelas terras a gerações derruba 1 alqueire de terra para fazer um roçado, são multados, mas o governo vai inundar centenas de quilometros de floresta, para gerar energia elétrica para uma indústria altamente poluente e que cria pouco emprego.

Seu Sebastião, continuou contando em uma prosa gostosa, algumas das aventuras vividas nas CEBs pelo Brasil afora.

Caboclo de pés descalços, pessoa humilde, com formação limitada, se é que teve alguma, a falta de conhecimento acadêmico, seu Sebastião compensa, com alegria de viver, sabedoria de uma vida que não se negou ao viver, ao contrário uma que mergulhou na fonte da própria.

Sujeito esperto, não correu em busca da ilusão dos bens e do conforto passageiro, mas encheu-se da alegria de proteger a vida. Tem dentro de si, verdadeiros mananciais de causos.

Aliás os causos foram tantos que quem ficou enrascado fui eu.

Como?

Explico. Quer dizer vamos voltar um pouco a conversa, para eu explicar o que estava fazendo ali.

Encontro “Fé e Política” de 2011 em Embu das Artes.

Calorão danado, milhares de pessoas de movimentando em busca de seu grupo. O um dos mais concorridos é lógico, era o do Frei Beto. Lógico que eu também queria escuta-lo, mas pensei que terei muitas outras oportunidades para isto, então decidi ver o que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) tinha para dizer.

Afinal de contas, eu estava envolvido até o pescoço no movimento contra a usina hidroelétrica de Belo Monte, um monstro que quando construído, irá impactar milhares de indígenas, ribeirinhos e pequenos produtores rurais.

O imenso galpão e L, tinha uma saida nos fundos, lá fora distribuidos em tendas estavam os diversos grupos de discussão, nem vou me arriscar a enumerar, pois é certo que não consigo me lembrar de todos, então para não ser injusto prefiro não citar. Quer saber, vá ao site do movimento “Fé e Política” e verifique você mesmo. Não fui pesquisar por preguiça mesmo, além do mais não tem nada a ver com meu tema. Outra coisa é site mas se lê (saite) tá. Tem gente pronunciando “site” e outros escrevendo “saite”, não sei quem está mais errado. Certo estão os portugueses, afinal mouse é rato.

Nossa que confusão, vamos voltar a história.

Sai pela porta dos fundos, como estava dizendo, uma confusão danada, um sol de lascar.

Fui em busca do meu grupo de trabalho, o do MAB.

Dei com os burros n’água algumas vezes, mas por fim cheguei no local da discussão. Que no começo não foi tão discussão assim, foi até um discursinho. Mas dos bons, o rapaz tinha fala mansa e voz suave, por isto chamei de discursinho, não pelo conteúdo, este sim muito bacana, bacana por ser esclarecedor, mas não por ser bacana, pois de bacana não tinha nada. Mostrou o quanto somos feitos de besta, isto sim. Pelos governos, pelas empresas, enfim pelo sistema.

Para resumir a história, pois da mesma forma, se quer mais detalhes vá ao site do MAB(Movimento dos Atingidos por Barragens), ali você tera elas mais completas e atualizadas.

Então para resumo da ópera, hidroelétrica não é tão sustentável assim como se diz, energia hidroelétrica também não é tão barata como se alardeia, quer dizer, é pois ninguém paga o preço real da coisa. Ninguém paga pelos biomas destruidos, ninguém paga pelas vidas arrasadas, ninguém por um monte de coisas. Quer dizer alguém paga, os povos da floresta, ribeirinhos e pequenos agricultores, pagam com suas vidas, às vezes com a morte, outras com a morte em vida. Isto sem falar que o dinheiro para toda esta matança sai dos cofres públicos direto para o bolso das empreiteiras, ou seja dos nossos bolsos.

Eu disse direto? Bem não é assim tão direto, no caminho a grana vai se desviando em muitas cascatas por vários outros bolsos, uma verdadeira Cachoeira sabe. Ou será uma cachorada?

Enfim a verdade é que as empresas geram a energia por um custo baixíssimo. Baixíssimo para elas óbvio. Pois graças ao neoliberalismo que privatizou todo o sistema, elas pagam pouco para gerar energia, mas ao vender, cobram de nós consumidores os preço das energias mais caras. Explico, o custo para as empresas da geração hidroelétrica é baixo, mas elas o vendem pelo mesmo valor da energia termoelétrica, aquelas que usam hidrocarburetos como combustível sabe, petróleo. Coisa de mercado globalizado. É por isto que depois das privatizações, as nossas contas de luz saem tão caras. Mas não para por ai não, querem também privatizar a água, se deixarmos vamos ver as nossas contas de água subirem as alturas.

Mas eu disse que o preço da energia é alto? Bom é alto para nós, para as industrias eletrointensivas, ou seja para os maiores vampiros de energia elétrica do mundo, ela é baratinha, coisa de 3 a 5 centavos o Kwh, afinal pobres empresas, Vale do Rio Doce, Alcoa e cambada a quatro. Mas nós, ricos cidadãos pagamos 30 a 50 centavos o Kwh.

Não entendeu? É assim, pegue sua conta de luz, se você paga 100 reais por mês de conta de luz, pagaria 10 se conseguisse o mesmo preço que as grandes indústrias eletrointensivas.

Então você pode pensar, mas estas empresas geram riqueza para o Brasil. Ledo engano meu amigo, se usássemos a quantidade de energia que estas empresas usam para fabricar produtos de baixo valor agregado, em geral matérias primas, que vão para fora e depois voltam para nós por preços, muitas vezes multiplicados, se usássemos esta energia para estes produtos finais, ganharíamos algumas milhares de vezes mais. Ficamos com a ninharia e a grande poluição gerada por elas. Alias ficamos nada, pois estas empresas tem o pior fator de geração de empregos por real investido. Alguém fica com esta grana, mas fique certo, nós não cara pálida.

O fato é que a palestra teve estes e outros esclarecimentos, não que fosse tudo novidade, mas com certeza foi muito boa.

Ao final dividiram o pessoal em subgrupos para discutir o tema, elaborar propostas e depois serem apresentadas.

Ao fim das discussões nos subgrupos, pediram que os representantes se levantassem para apresentar seus resultados.

Alguns foram bastante polêmicos, outros ainda discutiram assuntos nada a ver com os problemas levantados, enfim deram bastante pano para manga.

O problema foi que quando chamaram o nosso grupo, verificamos que tínhamos gasto o tempo todo ouvindo os causos do seu Sebastião, fora isto não discutimos mais nada. E para piorar, meu grupo me elegeu seu porta voz.

Cheguei na frete da assembleia com cara de interrogação. Afinal de contas vou falar o que? Inventar? Dizer somente das minhas idéias? Não dá, não seria honesto, resolvi falar a verdade.

– Pessoal, não discutimos nada.

– Fato é que passamos o tempo ouvindo gostosas histórias do seu Sebastião e seu tempo de CEBs(Comunidades Eclesiais de Base) e suas lutas contra barragens que o governo militar queria impor. O quanto eles lutaram juntos, mesmo quando enfrentavam baionetas, não arredavam o pé. Venceram vários monstros. Em outros não, mas nem por isto desistiam de seus ideais.

– Por isto não temos propostas para apresentar.

– Mas eu tenho uma pergunta.

– Porque será que o seu Sebastião e amigos, mesmo enfrentando baionetas, conseguiam vitórias?

– Mas nós, o que estamos enfrentando? Pois parece que perdemos todas.

– Belo Monte por exemplo está ai, sendo construida, Jirau, Santo Antônio, e tantas outros projetos que vão destruir nossa floresta e massacrar os povos.

– O código florestal também não conseguimos impedir e ainda estamos na luta para tentar salvar alguma coisa.

– Qual é o inimigo?

– Amigos, o inimigo que enfrentamos hoje, é mais ameaçador que um fuzil em nossas caras?

– Parece que é.

– Pois a indiferença e apatia em relação a vida, que o poder do capital causa. Consegue calar vozes que as armas não conseguiram fazer silenciar. É uma corrupção generalizada, parece que nossas almas foram junto com o pacote, tão bem vendido por Demóstenes da vida.

Paulo Sanda é Teólogo, chefe escoteiro, palestrante, idealista, associado da ONG RUAH e tem sido ativo participante das manifestações Belo Monte NÃO, em São Paulo.

EcoDebate, 16/07/2012

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