Nem só de APPs vivem os rios, artigo de Osvaldo Ferreira Valente
[EcoDebate] Como profissional ligado à conservação e ao manejo de recursos naturais renováveis – sou engenheiro florestal -, acompanhei com muito interesse, e também com muita preocupação, as discussões sobre o novo Código Florestal. Como especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas (conservação de aquíferos e nascentes), fiquei e continuo preocupado com a sensação transmitida ao público de que, constituídas e garantidas as APPs, os nossos recursos hídricos estarão salvos.
Os fundamentos da conservação de recursos hídricos, incluindo aí os grandes rios, as nascentes e os pequenos córregos, estão todos baseados na aplicação do ciclo hidrológico. E este não está limitado à circunscrição das APPs. No caso específico de produção de água, temos de analisar o comportamento do ciclo hidrológico nas pequenas bacias hidrográficas. Nelas nascem os pequenos córregos que se juntam para formar os ribeirões que, por sua vez, se juntam para formar os rios. Ou seja, grandes bacias hidrográficas são subdivididas em infinidades de pequenas bacias.
Se os córregos começam nas nascentes e se as nascentes são abastecidas pelos aquíferos subterrâneos, fica fácil entender que o mais importante é fazer com que infiltração, que é parte do ciclo hidrológico, seja privilegiada no processo, pois, após a chuva, ela é a responsável primeira pelo abastecimento do aquífero. E será que a infiltração na pequena bacia só acontece em APPs? A própria Lei das Águas, a 9.433, reconhece ser a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento. Na citada Lei não há referências explícitas sobre as APPs. A responsabilidade pelo abastecimento dos aquíferos subterrâneos é de toda a superfície da bacia, principalmente daquelas áreas que se sobrepõem aos mesmos. Mas há uma insistência, vinda não sei de onde, de afirmar que os topos de morros são as áreas de recarga. Por acaso perguntaram aos aquíferos subterrâneos se eles só querem receber água infiltrada nos topos?
As discussões, que desaguaram no novo Código Florestal, deixaram o sentimento de que, preservados os topos de morros e as áreas ciliares ou ripárias, os córregos e rios estarão salvos. Pior, deixaram a idéia de que tudo depende da floresta. Minimizaram o efeito da bacia hidrográfica, pois dela só se fixaram nas APPs e no papel das árvores. Sobre essa fixação nas árvores, eu tenho muita preocupação, pois induz o pequeno proprietário de terra, por exemplo, a achar que reflorestados os 30 metros ao longo dos córregos (15 metros de cada lado) o problema de sua conservação estará resolvido. Não precisará se preocupar mais com outras práticas conservacionistas. Se partículas de solo forem retiradas e transportadas, elas serão retidas pela vegetação ripária. Se o córrego, assim, não for assoreado, ele terá sua existência garantida. Quanto ao abastecimento do aquífero, responsável pelo fornecimento da água que escoa pelo córrego, isso ficará a cargo só do salvador topo de morro.
Tudo isso mostra uma falta de compreensão do comportamento do ciclo hidrológico. As pessoas muitas vezes se assustam quando digo que é possível fazer com que uma pequena bacia, formadora e mantenedora de um córrego, seja capaz de mantê-lo vivo e transportando água de boa qualidade, sem plantar uma única árvore, mesmo que elas inexistam na área. É evidente que não estou propondo que isso seja para uso em larga escala, mas é para mostrar que há outras práticas de conservação que podem ser aplicadas em áreas já intensamente exploradas e que podem fazer com que o ciclo hidrológico beneficie a produção de água.
Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor dos livros “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas” e “Das chuvas às torneiras- A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate. (valente.osvaldo@gmail.com)
EcoDebate, 12/07/2012
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Meus vigorosos aplausos a esta sua intervenção, Dr. Oswaldo Ferreira Valente, da boa estirpe da UFV. Já há tempos, mesmo sendo apenas ambientalista, comungo de corpo e alma com a tese que ora expõe. Cheguei a desafiar outro professor universitário envolvido a cotejar a infiltração comparativa de morros sem cobertura vegetal, mas com terreno mais arenoso, contra os morros cobertos de vegetação densa (matas e florestas), mas capeados por terreno “argiloso”. Percebi, por mera dedução e observação, que topos de morro arenosos não “seguram” a vegetação quando de ventos fortes, tendem a ficar de topo “careca de vegetação arbórea”, mas são mais capazes de retenção do precioso líquido. Porque? Porque, no outro caso, quando de solo “argiloso”, que retém mais o sistema radicular arbóreo, justo por ser argiloso e mais consistente, tem a absorção de chuva prejudicada pela primeira água que encharcado a camada superficial, passa a não permear a água para o sub-solo e gera a imediata e seqüente correnteza para os vales e seus cursos de água. Por favor, me diga se estou errado! Sou ambientalista desde a década de 70 e vejo quase tudo errado em nosso código, passado ou futuro, quando trata do mesmo movo superfícies e solos rurais versus solos urbanos. Fazem opção pela regulamentação de locais e distâncias contra o melhor entendimento que deveria ser, não o “onde e a que distância se está” e sim “o que e o como se está”. A web pode mostrar um lindo lago com centenas de pequenas ilhas, todas construídas e habitadas… será que se lhes permitem fluir seus esgotos e lixos para as águas? Cultura, minha gente, faz a diferença. Entendo que a opção civilizatória já consagrou que a opção para núcleos citadinos exclui a manutenção de plenas regras e características desejadas de serem mantidas quando os terrenos sejam rurais ou melhor, de campo e não urbanos. Na cidade a segurança dos taludes e contra infiltrações nas bases e mesmo nas construções expostas, não pode, nem deve, adotar o princípio de maior absorção e alimentação do lençol freático. Parece absurdo mas colecionei experiências nesse sentido. Tenho taludes de risco em plena avenida que margeia minhas terras urbanas, que não param de deslizar e já ameaçam inúmeras moradias. Estou por perto (Ponte Nova), sou membro da ONG-Puro Verde, co-mentor da CARTA VERDE DE PONTE NOVA e de legislação municipal contra HIDRELÉTRICAS DE RESERVATÓRIOS (consulte Philip Fearnside – no Google…) – defendo a geração hídrica por mini-usinas ao fluxo das águas, etc. etc. Podemos fazer contato através da UFV. O Prof. Jorge Dergan pode dar informações e encaminhar-nos aos contatos. Se consultar os anais do 1º Encontro de Silvicultura realizado em Viçosa, já nem me lembro quando, verá que dele participei e fui honrado com um dos relatores de grupos e das conclusões, apesar de não ser da área. Parabéns. Vá em frente e derrube essas falácias ambientais. Muito obrigado.
Finalmente um pouco de racionalidade e bom senso.
A Lei, em vez de proibir tudo de maneira irracional e sem fundamentos técnico-científicos, deveria apenas estabelecer quais são as funções ambientais de cada área e os empreendedores urbanos ou rurais deveriam submeter seus projetos de uso do solo com técnicas e compensações que preservassem as funções ambientais.
Infelizmente, na maioria, impera a hipocrisia e a irracionalidade.
Prezado Senhor Totino: Obrigado pelo apoio. Podemos trocar informações diretamente e, para isso, basta que o senhor entre em contato através do email informado no artigo
Prezadíssimo Professor,
Mais um belo artigo reforçando seus fortes alertas sobre as mistificações que são normalmente produzidas sobre o papel ambiental (e hidrológico) dos topos de morro e das matas ciliares.
Estou concluindo artigo onde considero os malefícios dessa mesma mistificação quando consideramos os processos erosivos degradadores do solo e promovedores do assoreamento da rede de drenagem. Enfim, estão exigindo dos topos de morro da mata ciliar responsabilidades exageradas, muiito além de sua capacidade de bem as cumprir. Enquanto isso, “danem-se” as vertentes.
Forte abraço,
Álvaro