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Pré-assentamento Dois de Julho: 13 anos de luta e resistência. Reforma agrária continua sendo um caminho para reduzir as desigualdades sociais, por Gilvander Luís Moreira

 

produção de alimentos

Pré-assentamento Dois de Julho: 13 anos de luta e resistência.

Reforma agrária continua sendo um caminho para reduzir as desigualdades sociais.

Gilvander Luís Moreira1

[EcoDebate] Na noite do dia 07 de julho de 2012, aconteceu no Pré-assentamento Dois de Julho, em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, uma celebração religiosa e uma festa. Motivo: Celebrar 13 anos de luta e resistência no Pré-assentamento Dois de Julho. Após um dia inteiro de preparação de uma grande fogueira, barraquinhas, palco, caldos, canjica, quentão, churrasquinho, pinga com mel, decoração do ambiente, em uma singela celebração, oramos, cantamos e ouvimos o Evangelho da Partilha dos Pães e outras mensagens de Jesus de Nazaré, tais como: “Feliz os humildes, porque possuirão a terra. Felizes os que têm sede e fome de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.” (Mateus 5,4.6.10)

A festa transcorreu em paz e com muita alegria até altas horas da noite, animada por cantadores locais, com a participação de um violeiro ligado a Fundação Artístico-Cultural de Betim – FUNARBE – que encantaram a todos com músicas sertanejas clássicas, além de ritmos ligados às festividades juninas. Crianças, adultos e idosos em uma sinergia comunitária, cantaram e bailaram ao som da viola, sob a lua cheia e o calor da fogueira, pisando na terra firme e sagrada, antes abandonada, mas agora aquecida e repleta de vida.

No dia 08 de julho continuou a festa com almoço comunitário com a presença de lideranças do MST, autoridades, parceiros municipais e o Superintendente do INCRA/MG que prometeu dentro de algumas semanas emitir na posse da terra as 50 famílias do Pré-assentamento Dois de Julho.

A área compreende 765 hectares, das quais 52% são reserva ambiental – remanescente de Mata Atlântica -, ou seja, 385 hectares. No parcelamento cada família deverá ficar com 5 a 7 hectares, excetuando-se a reserva ambiental.

Há 13 anos atrás, na madrugada do dia 02 de julho de 1999, dezenas de famílias Sem Terra, lideradas pelo MST, quebraram o cadeado da porteira da então Fazenda Ponte Nova. Entraram em uma fazenda que não cumpria sua função social.

Três anos após a ocupação, um belo dia, dezenas de policiais da Polícia Federal chegaram para expulsar as famílias acampadas e reintegrar na posse o fazendeiro dono de outras duas fazendas. Houve resistência e após quase um dia inteiro de luta para evitar o despejo, os Sem Terra conseguiram expulsar a polícia com reza, cantoria, Pai Nosso, diálogo, muita argumentação e determinação de não arredar o pé do acampamento.

Por diversas vezes a rodovia que corta o pré-assentamento foi bloqueada. Dezenas de lutas junto ao INCRA e marchas foram feitas. Muitas famílias desistiram depois de tanta demora do INCRA em liberar a terra. Outras famílias que lutavam a muitos anos em outros acampamentos foram aceitas no acampamento no lugar das que desistiram.

Na celebração, sob o calor de uma grande fogueira, em mutirão, elencamos 13 conquistas dos 13 anos de luta e resistência do Pré-assentamento Dois de Julho. Ei-las, abaixo.

  1. Conquista da terra.Aqui nessa fazenda, até 01 de julho de 1999 apenas uma família se beneficiava dessa terra. Hoje, essa terra aqui alimenta e sustenta 50 famílias, mais de 250 pessoas. A terra está sendo desconcentrada e partilhada”, assinalou Marcelo Alves, um ex-funcionário que trabalhava na fazenda há cinco anos.
  2. Respeito e reconhecimento da sociedade.Quando ocupamos essa fazenda, passamos a ser considerados pela redondeza uma ameaça. Diziam que a gente era perigoso e invasor de terra. Muitas pessoas tinham até medo de falar com a gente. Na época, a mídia veio e esbravejou dizendo que o MST tinha invadido e que estava roubando terra. Nunca mais a mídia voltou para noticiar como está sendo a vida das 50 famílias que aqui resistem e produzem bastante. Produzem acima de tudo pessoas felizes e lutadoras. Hoje, com a graça de Deus, somos respeitados e reconhecidos pela sociedade próxima aqui”, constata dona Teresa.
  3. Suspensão do despejo.Com a graça de Deus, o apoio de várias pessoas de boa vontade e nossa luta aguerrida conseguimos evitar que a polícia federal despejasse a gente. Se tivesse acontecido o despejo tudo teria acabado a dez anos atrás. Mas estamos celebrando 13 anos e celebraremos muitos anos pela frente”, afirma feliz da vida Jorge, um dos que ajudou a quebrar o cadeado da porteira.
  4. Luz e água. Após sobreviverem 10 anos sem água e sem energia, hoje se alegram pela conquista desses dois direitos humanos: acesso a energia e água.
  5. Educação transformadora. Todas as crianças e adolescentes do Pré-assentamento estão estudando. “Já conquistamos junto à prefeitura de Betim uma Van para levar e trazer as crianças para a escola”, diz Aparecida. Vários jovens do pré-assentamento já fizeram curso técnico oferecido por escolas do MST. Amarildo Souza Horácio tinha 13 anos quando sua família participou da ocupação. Hoje, aos 26 anos, já se formou em Pedagogia da Terra, pela FAE/UFMG. Feliz da vida participa do Setor de Educação e Cultura do MST/MG e informa: “A sede da fazenda, após um grande estudo cultural, foi tombada. Tornou-se patrimônio histórico. Nós vamos transformar a Sede em uma Escola do MST e em um Centro Cultural do MST da região metropolitana de Belo Horizonte.”
  6. Produção de alimentos. Nas 380 hectares agricultáveis, as 50 famílias vêm plantando, há 13 anos, milho, feijão, mandioca, amendoim, verduras e legumes. Criam também galinhas, porcos e vacas. Tiram leite e fazem queijo. A produção do pré-assentamento é boa e reconhecida na região. “Tendo a terra, plantamos e colhemos para nossa subsistência e ainda sobra um pouco para vender para ajudar outras famílias”, diz dona Maria de Souza. “Aqui no Dois de Julho produzimos também pessoas solidárias, éticas e lutadoras”, aponta uma pré-assentada.
  7. Construção de casas. Mesmo sem receber um centavo do INCRA/Governo Federal, as famílias, após vários anos debaixo da lona preta, construíram casas de alvenaria, mesmo sabendo que quando o INCRA concluir o processo de parcelamento da fazenda deverão construir novas casas em seus lotes. Não estão mais pagando aluguel e nem sendo humilhadas por sobreviver de favor como milhões de famílias nas periferias das grandes cidades brasileiras.
  8. Cultivo de uma espiritualidade libertadora. Em 13 anos de luta, sempre o pré-assentamento não descuidou do cultivo da fé no Deus da vida. O Sr. Genuíno, já falecido, criou uma Rádio Poste, a Rádio Coqueiro, no Acampamento e diariamente fazia programas que soprava um bom espírito na comunidade. Círculos Bíblicos, missas, celebrações ecumênicas, evangélicas, batizados, aniversários, místicas do MST, reuniões e reuniões. Tudo isso vem permeando a luta e a resistência do Pré-assentamento Dois de Julho, nome dado para marcar o dia da ocupação da fazenda.
  9. Preservação e sustentabilidade ambiental. Os órgãos ambientais têm dificultado à exaustão a consumação do Assentamento Dois de Julho alegando que a maior parte da fazenda é área ambiental. Havia na fazenda várias baterias de carvoaria que estavam transformando em carvão o remanescente de Mata Atlântica. Clandestinamente estavam queimando toda a Mata. “Queimavam ipê, cabiúna, Jacarandá, Jacaré, Aroeira, enfim, madeira de lei. Se o MST não tivesse ocupado a fazenda, toda essa mata, que hoje conta com 385 hectares, já teria sido transformada em carvão”, denuncia um dos pré-assentados.
  10. Organização e luta. “O segredo de muitas conquistas que tivemos nesses 13 anos tem sido organização e luta”, sintetiza Amarildo, da coordenação estadual do MST. Juntos, de mãos dadas, se apoiando mutuamente, as 50 famílias, Sem Terra por identidade, seguem conquistando sossego, tranquilidade, segurança e dias melhores.
  11. Consciência crítica e criativa. Marcelo Alves, um ex-trabalhador da fazenda diz: “Quando o MST ocupou essa fazenda, eu já trabalhava aqui há cinco anos, inclusive ajudando a queimar carvão de madeira de lei da mata. A mídia veio só no dia da ocupação. Falou mal do MST e nunca mais voltou. A Mídia diz sempre que o MST invade. Eu quebrei meu preconceito pela convivência que passei a ter com os acampados aqui. Vi com meus olhos que o MST deve ser respeitado e admirado. O MST não invade, ocupa. Se eu tenho um copo cheio d’água e meto o dedo lá dentro, isso é invasão. Mas se o copo está vazio posso por o dedo dentro que não vai derramar nenhuma água. O MST ocupou o que estava vazio aqui. Onde só uma família era beneficiada, hoje, 50 famílias vivem com dignidade.”
  12. Paz e sossego.Eu não sei mais viver fora daqui. Aqui é a nossa vida. Aqui há sossego, tranquilidade. Podemos plantar e colher. As crianças vivem livres da droga e da violência”, revela dona Maria de Souza Horácio. “Mesmo vivendo em barracas sem nenhuma segurança a gente não se sente insegura, pois é só dar um grito e todos do acampamento se reúnem para apoiar e acudir quem está com algum problema. Aqui vivemos em união. A solidariedade nos faz feliz”, diz dona Teresa.
  13. Postura crítica diante dos governos.Em 10 anos de acampamento e três de pré-assentamento não recebemos nem um centavo do Governo Federal. Nenhum crédito foi liberado para nós. Alegam que enquanto não for oficializado o Assentamento Dois de Julho não há como acessar nenhum crédito. Continuamos denunciando o descaso do Governo Federal com a reforma agrária. O Pré-assentamento Dois de Julho é um exemplo do bem que a reforma agrária pode fazer na vida dos pobres”, denuncia Sr. Jorge, lutador desde o primeiro minuto da madrugada de 2 de julho de 1999.

Anualmente, o dia 2 de Julho é celebrado no Pré-assentamento Dois de Julho, pois esta data, em 1999, tornou-se o dia da emancipação de 50 famílias que em breve serão emitidas na posse de uma terra que antes não cumpria sua função social e estava sendo devastada ambientalmente. Eis mais uma prova de que só perde quem não luta ou quem desiste da luta. Quem entra na luta e persevera lutando só pode conquistar os sagrados direitos que têm. Assim, tiramos o chapéu para a “Família MST” do Pré-assentamento Dois de Julho.

Celebrar 13 anos dessa primeira ocupação significa também celebrar 13 anos da vinda do MST para a Região Metropolitana de Belo Horizonte que conta, hoje, com mais de dez áreas entre acampamentos e assentamentos. Estar aqui significa a cada dia estreitar a luta dos Sem Terra com a luta dos Sem Teto, dos operários da cidade e de todos aqueles que um dia ousam sair à luta como brada o grito de ordem: “Seguiremos em marcha até que todos e todas sejamos livres!!!”

O Pré-assentamento Dois de Julho está de parabéns pela luta, resistência e conquistas e, assim como outros assentamentos e ocupações sinalizam para a Reforma Agrária como uma das grandes alternativas para reduzir as desigualdades sociais no Brasil. Trata-se de uma garantia constitucional, de uma luta que tem a idade da história do Brasil, mas que os governantes ainda não definiram como prioridade. Apesar de várias conquistas, é lamentável que em 13 anos o Governo Federal ainda não tenha regulamentado a situação do Pré-assentameto Dois de Julho Que o faça logo.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 09 de julho de 2012.

1 Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; assessor da CPT, CEBI e SAB; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis – facebook: gilvander.moreira

EcoDebate, 10/07/2012

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