Rio+Tóxico: jornada à cidade escondida
Por Lívia Duarte, da FASE
As visitas foram realizadas entre 15 e 17 de junho e participaram quase 300 “turistas” brasileiros e estrangeiros. A intenção do projeto Rio+Toxico era aproveitar que os olhos do planeta estavam virados para o Rio de Janeiro durante a Conferência das Nações Unidas para Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, para sensibilizar a população sobre as lutas socioambientais que estão, obviamente, fora dos cartões postais da cidade eleita Patrimônio Mundial como paisagem cultural pela Unesco.
Contudo, as atividades não são ações isoladas: fazem parte do processo de apoio às comunidades que já acontece há anos e têm o objetivo de criar mais redes de solidariedade e apoio, fortalecendo as resistências a grandes empreendimentos tóxicos instalados na região.
Partindo do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) – o banco público que financia boa parte dos empreendimentos visitados – , os “turistas” chegaram à Magé, onde pescadores resistem contra os impactos causados pela Petrobras na Baía da Guanabara. Ou à Santa Cruz e Pedra de Guaratiba, locais afetados pela instalação da siderúrgica ThyssenKrupp. Em Duque de Caxias, além dos impactos da atividade petroleira na refinaria conhecida como REDUC, foram visitadas a Cidade dos Meninos (onde há 50 anos resíduos de inseticida abandonados geram doenças na população) e Gramacho, o maior aterro sanitário da América Latina. Fechado em junho, ainda faltam muitas respostas para as pessoas que viviam da cata de materiais na região e para solução dos problemas ambientais gerados. Com isso, foi possível mapear algumas das injustiças ambientais e violações aos direitos humanos mais graves na região.
Em Magé, pescadores lutam para seguir com seu modo de vida
A entrada da rua que leva ao mar da Baía da Guanabara e à Associação Homens e Mulheres do Mar, em Magé, era diminuída pela presença de uma patrulha da Polícia Militar. Os soldados guardam Alexandre Anderson, presidente da Associação, que recebe ameaças de morte e desde 2009 faz parte do programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Também sua esposa e outros companheiros seguem com a vida ameaçada, mas sem escolta. Na manhã ensolarada de domingo, 17 de junho, Alexandre repetia para um grupo de 30 pessoas sobre a tensão pela vida dos pescadores. Na véspera encontraram na praia mais um barco alvejado: as marcas de tiro impedem o uso das embarcações e são encarados como ameaças.
Durante o Rio+Tóxico os pescadores contaram que a Ahomar foi criada em 2000, depois do derramamento de 1,3 milhão de litros de óleo na baía. Depois do desastre, as redes passaram a voltar vazias: o esforço que antes gerava 70kg de pesca, hoje não gera nem 10 kg. Todos relatam o desaparecimento de muitas espécies. E as 9 mil famílias que ainda tentam viver da pesca artesanal estão sendo expulsas para a areia: antes podiam pescar em 78% da baía, agora se restringem a 10% desta área pela poluição e também pelo impacto causado por dutos, piers e navios que não param de ser construídos.
No momento, a extensão da atividade petrolífera na região é realizada, por exemplo, com a instalação de novos terminais (Projeto GNL) para ligar por dutos a malha de gasodutos do Rio de Janeiro; o “Projeto GLP” que construirá dois dutos – com trechos submarino e terrestre – para as transferências de gás liquefeito de petróleo entre a Refinaria de Duque de Caxias e a Ilha Redonda; e o Comperj – maior complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Os pescadores narram que a Capitania dos Portos e seguranças privados da Petrobras impedem o acesso às melhores áreas de pesca ainda existentes na Guanabara graças às obras em andamento ou para “proteger” áreas utilizadas pela indústria do petróleo.
Os visitantes viram no mangue do bairro Ipiranga que, 12 anos depois do derramamento, o óleo ainda brota do chão e segue contaminando tudo. Os caranguejos, fonte de sobrevivência de mais de 300 famílias, desapareceram. Segundo os pescadores a Petrobras alega que aquela é uma área recuperada. No entanto, as árvores que a empresa planta seguem morrendo. A comunidade resiste para que não sejam arrancados todos os troncos secos do mangue, testemunho do desastre ambiental.
Alexandre Anderson resumiu o problema: “A baía é a planta industrial da Petrobras. Não há espaço para viver, trabalhar, ter lazer. E sei que aqui não é diferente de Yasuní, no Equador, da Nova Zelândia, do Espírito Santo ou do Rio Grande do Sul. Em todos os lugares a Petrobras deixa destruição. Mas aqui sentimos na carne: somos perseguidos e proibidos de viver como fazemos há centenas de anos. Nunca vimos desenvolvimento sustentável aqui”. E completou: “Resistimos para não morrer de tiro. Mas também para não morrer de depressão por não poder fazer o que sempre fizemos”.
Entre as atividades que conformam a resistência dos pescadores está o monitoramento da Baía da Guanabara realizado por eles desde 2007. Todas as semanas os pescadores fazem uma espécie de fiscalização informal da região, especialmente onde há dutos, terminais e refinarias. Eles recolhem amostras e fotografam os constantes vazamentos de óleo e derramamentos de produtos químicos. Registram também a sujeira proveniente dos navios. O objetivo é gerar denúncias ao Ministério Público e seguir buscando compensações aos danos causados aos pescadores e a toda a população na Justiça.
No fim da tarde, o Secretário de Meio Ambiente de Magé, Cláudio Cossentino, que pediu durante a semana um encontro com os visitantes, respondeu de modo evasivo às perguntas. Em geral, justificava a falta de ação com frases como “estamos no governo há apenas 9 meses, mas nossas portas estão abertas”. Ou afirmava a importância das questões levantadas colocando a responsabilidade sobre outro setor do Estado.
No dia 25 de junho, recebemos a triste notícia de que dois membros da associação foram encontrados mortos no mar. No dia 29, durante ato público realizado na Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro foi lançado um manifesto de repúdio pelo recente assassinato de lideranças da Associação dos Homens e Mulheres do Mar (Ahomar). O documento exige pronta apuração sobre a morte de Almir Nogueira de Amorim, de 45 anos, e João Luiz Telles Penetra, de 40 anos, além da apuração sobre a morte de outros dois pescadores, crimes ocorridos em 2009 e 2010, que ainda não foram investigados.
Em Caxias, moradores descreveram a convivência com a injustiça ambiental
Veja algumas fotos de Charlotte Petitjean, para FASE
EcoDebate, 06/07/2012
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