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Palavra ou imagem ? artigo de Montserrat Martins

 

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[EcoDebate] O fascínio que o cinema exerce sobre as pessoas não é obra do acaso: mais que arte, ele é hoje uma ciência que exige muito de seus aprendizes. É fascinante a inteligência acumulada nos livros sobre técnicas de roteiro de cinema, mais profundos que muitos de psicologia e psiquiatria ao desvendar a mente e o comportamento humanos. Podemos visualizar os conhecimentos hoje existentes nessa área também nos exercícios de treinamento para atores. Um destes é especialmente significativo: todos dizem o mesmo texto, as mesmas palavras, mas cada um com um sub-texto (a mensagem implícita, transmitida por linguagem corporal) diferente.

O exercício de linguagem corporal é o seguinte: a tarefa de cada dupla de atores é dizer o mesmo “texto-padrão” de modo a transmitir uma determinada vivência, uma emoção própria ao espcctador. O texto tem diálogos do tipo “deixei o café pronto pra você”, a outra pessoa agradece, depois fazem comentários sobre o café. As instruções que o diretor dá para cada dupla de atores é que dão o tom da cena que eles vão criar: “vocês são um casal recém-casado” ou “vocês são um casal casado há trinta anos”, geram interpretações completamente diversas, na entonação e linguagem corporal de cada um, com o mesmo texto. E por aí vai, “vocês são um casal que se ama mas um dos dois está muito doente”, ou “vocês não se suportam mais mas ao mesmo tempo tem medo de se separar”, ou “vocês tem muito ciúmes um do outro”. As mesmas palavras ainda podem ser ditas por duplas com histórias tão diversas como “vocês são duas amigas muito invejosas uma da outra”, ou “vocês tem um caso proibido”.

Quer dizer, você descobre que o que faz a diferença não são as palavras e sim a linguagem corporal – olhar, entonação, postura, gestual, estado de ânimo, etecétera – quando assiste a uma cena destas. Você sai dali com a sensação de que imagem é tudo, palavra é quase nada. Deve haver outra explicação mais abrangente porque, como dizia o Millôr, “uma imagem vale por mil palavras, mas tente dizer isso sem usar as palavras”. O fato é que a concepção tradicional, de que as palavras é que definem os fatos, sai profundamente abalada de uma cena destas. Mas para isso são necessários anos de preparação, até chegar a gravar imagens que fiquem convincentes. O “glamour” do cinema é apenas a face visível de exaustivos esforços para dominar seus “segredos”, aos quais ninguém alcança sem muitos anos de estudo e treinamento.

Lembrei disso por conta da campanha eleitoral que está iniciando e que vai desembocar na sua tevê, nos próximos meses, cheia de caras e bocas. Mais caras do que bocas, aliás, porque essa eleição – mais que qualquer outra que eu me lembre – aparentemente será uma das mais “despolitizadas” ideologicamente de todos os tempos. Não se ouvem por aí mais debates sobre “privatização ou estatização”, por exemplo, porque todos agora só falam em “boa gestão”. A propósito, todos são contra a corrupção e a política tradicional, até porque a moral da classe política nunca esteve tão em baixa no país. Todos são a favor da “sustentabilidade” e de cuidar do meio ambiente, mesmo que os seus votos no Congresso Nacional tenham permitido aumentar o desmatamento. Como diferenciar candidatos que usam, de modo geral, o mesmo discurso ?

Encontramos o auge desse novo paradigma na capital gaúcha, onde as três candidaturas com mais tempo de TV – respectivamente capitaneadas por PDT, PT e PCdoB – são governistas tanto a nível federal quanto estadual. O que farão para captar a popularidade destes governos (principalmente o federal) e evitar o desgaste (tal como o com os professores) de quem apóiam? E, por fim, como irão transmitir sinceridade aos eleitores que, mais que em outras épocas, são dominados hoje por sentimentos de descrença e até revolta com os políticos ?

A publicidade usa as mesmas técnicas do cinema. “Vender” candidatos é talvez o maior desafio de qualquer publicitário, pela artificialidade comum entre aqueles e a desconfiança hoje dominante na população. As eleições virarem um grande “Big Brother”, no entanto, representa um grande retrocesso. Concluir que na política é “tudo igual”, além de desconhecimento, é uma atitude perigosa, porque nos deixa à mercê das piores enganações.

Seria interessante para a sociedade que os discursos não estivessem tão “pasteurizados” e que fosse fácil distinguir de que modo eles correspondem a projetos diferentes. Não é fácil prever o que vai acontecer nos próximos meses, mas tudo indica que vai depender de como cada um defender suas propostas, se vai transmitir coerência e sinceridade ao espectador.

Montserrat Martins, colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 06/07/2012

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