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Voltando ao Tecnógeno, artigo de Roberto Naime

 

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[EcoDebate] O geólogo russo TER STEPANIAN (1970), num boletim do IAEG (International Applied Engineering Geologists) em 1970, propôs que o período geológico atual, denominado holocênico, fosse conhecido por Tecnógeno.

E o que significa tecnógeno? Uma fase da vida da humanidade sobre a Terra, onde a ação humana (antropogênica ou de engenharia) é hegemônica sobre as ações geológicas, químicas e biológicas.

O tecnógeno é então uma ciência voltada para o futuro, preocupada em acompanhar as mudanças ambientais e risco naturais devido à lenta ação de fatores imperceptíveis, que são gerados pela atividade tecnogênica do homem.

O tecnógeno precisa criar novos padrões, onde não necessariamente equações lineares, oscilatórias ou equações muito simples podem servir de modelos para sistemas governados pela entropia, onde os processos de fluxo de energia e materiais são hegemônicos sobre as representações fenomenológicas.

O tecnógeno guarda implícito o conceito de que a resiliência dos meios naturais foi ultrapassada. Ou traduzindo, que a capacidade de auto-recuperação dos ecossistemas e dos sistemas em geral, não consegue mais agir para voltar ao estado anterior a um impacto ambiental sozinha. Precisa da ajuda do próprio homem que gerou o impacto ambiental.

Fazendo uma analogia com uma borrachinha de dinheiro usada pelos bancos, podemos entender assim: a gente espicha a borrachinha e enquanto ela não rebenta e volta ao normal quando a gente pára de espichar, a resiliência não foi ultrapassada. Quando a borrachinha rebenta, quer dizer que a resiliência ou capacidade de auto-regeneração do sistema foi ultrapassada.

Já fazem quase 20 anos que o autor Ter Stepaniam fez a proposta original. E de lá para cá as condições ambientais do planeta se tornaram muito mais deterioradas. Ninguém mais contesta que as situações ambientais estão se tornando mais complexas, mais delicadas e influenciando cada vez mais a qualidade de vida para as pessoas na Terra.

Mais modernamente propõe-se, em data ainda controversa entre o início da revolução industrial e o final do século XX como o início do Antropoceno, a era de influência massiva da espécie humana, uma época de profundas mudanças climáticas e de transformações expressivas no modo em que vivemos em virtude das alterações no ambiente. Estamos tratando do caos da vida e precisamos entender o que representa a chegada do Antropoceno.

De um lado temos uma espécie que sobreviveu e se desenvolveu por um período e população nunca antes experimentados por nenhum de seus “parentes” naturais: nunca uma espécie de mamíferos qualquer perdurou sobre a face da Terra por mais de 1 milhão de anos. Sim, somos inéditos! E do ponto de vista do sentido caótico da vida, em um sistema complexo, o que isso representa? Que para compensar esse altíssimo grau de organização em que nossa sociedade, serviços e cadeias produtivas se encontram, é inexorável que em compensação o sistema a nossa volta comece a se desorganizar em marcha acelerada. Pessimista? Olhe pela janela. Teremos de repensar em um futuro próximo o próprio conceito de desenvolvimento sustentável.

A agenda 21 brasileira – bases para discussão, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, discute desafios em vários setores relevantes da gestão de recursos naturais do país e de sustentabilidade em setores fundamentais.

A sustentabilidade é definida como um planejamento do desenvolvimento que promova o uso racional dos recursos naturais, com a justa repartição dos benefícios alcançados.

Este documento se junta a outras normas legais que consagram no país o sistema de unidades de conservação, mais característico dos Estados Unidos, com o sistema de licenciamento ambiental, cujo maior desenvolvimento e aplicação ocorre na Europa.

Portanto a aceitação cada vez maior no meio acadêmico do conceito de tecnógeno traz como consequência principal o consenso de que atualmente as relações dos processos antropogênicos, ou seja gerados pelo homem (ou de engenharia, neste sentido, como estradas, pontes, barragens, lavouras, indústrias, esgotos e resíduos sólidos) naturais e induzidos são os processos dominantes no tecnógeno (ou antropoceno, como queiram..).

Estes processos ultrapassam a capacidade da natureza se recuperar sozinha, impondo a necessidade da própria intervenção humana para auxiliar a recuperação da natureza e a manutenção do equilíbrio que é fundamental para a qualidade de vida do próprio homem na Terra.

Isto é mais bem compreendido quando partimos das premissas da moderna biologia, de Lynn Margulis e James E. Lovelock, criadores da hipótese Gaia, que a partir dos conceitos de entropia e processos, imaginam a vida como fluxos dinâmicos de matéria e energia, não mensuráveis por equações matemáticas simples. São processos que guardam em si a tendência natural da energia e da matéria em caminharem inexoravelmente para a situação de maior entropia, de caos. Mas e a vida? E a complexidade de cada célula viva? Nada mais que um pequeno recipiente de organização capaz de causar uma organização muito mais alta ao seu redor em sua curta existência do que um agente abiótico seria capaz em toda a escala geológica.

Nós seres vivos somos um trampolim, um plinto, um lançador de foguetes para o caos, a obra máxima da natureza, não por nossa beleza e pela maravilhosa sensação do amor, de estarmos vivos, mas por que somos a expressão máxima da fome de natureza de autodestruir e reinventar.

Para Margulis e Lovelock, as condições necessárias para a vida são criadas e mantidas pela própria vida num processo auto-mantenedor de retroalimentação dinâmica, caótico ab initio. Um bom exemplo é a versão mais simples da analogia da margarida. As margaridas brancas refletem a luz, tornando o planeta mais frio. As margaridas pretas absorvem a luz, reduzindo o albedo ou refletividade e com isto tornando o planeta mais quente.

As margaridas brancas querem um planeta mais frio, significando que florescem preferencialmente quando as temperaturas se reduzem. As margaridas pretas querem um clima mais quente. Estas características podem ser descritas em uma série de equações não lineares e o mundo das margaridas pode ser movimentado, formando um equilíbrio dinâmico (homeostase).

A preocupação com o meio ambiente em sua concepção mai atual nasceu na década de 50, na pequena cidade de Minamata no litoral do Japão, um lugar pequeno e tranquilo, em que boa parte da população vivia da pesca.

Em 1932 se instalou nesta localidade japonesa, a indústria Chisso, que fabricava acetaldeído, que é usado na produção de plásticos. Seus resíduos eram despejados no mar, sem qualquer tratamento e continham grande carga de mercúrio.

O mercúrio é um metal pesado, teratogênico (causa problemas na formação dos fetos durante a gravidez). Em 1953, depois de várias observações de animais com comportamento estranho (gatos realizando estranhos movimentos, com sinais de comprometimento das funções do sistema nervoso), também começaram a se identificar vários problemas de coordenação motora na população humana, além dos problemas dos nascituros.

Na cidade japonesa de Minamata houve mais um desdobramento trágico que hoje se repete de uma forma muito comum. A indústria Chisso empregava boa parte da população e se fechasse as pessoas ficariam sem trabalho. Foi o primeiro e clássico caso de conflito entre a sobrevivência e a qualidade de vida.

Com o tempo se tornou um consenso que para solucionar os problemas ambientais é necessário antes resolver o problema da sustentabilidade econômica das populações humanas. Não tem como pedir para uma pessoa remediada, que sustenta sua família através da renda de uma atividade predatória que pare de fazer isto por consciência ambiental, sem que se dê uma alternativa econômica para estas pessoas.

Isto não é o caso de grandes empreendedores, que por desconhecimento, ou alegado desconhecimento, causam impactos ambientais de relevância e não se conscientizam para elaborar um planejamento que compatibilize suas atividades com os meios físico, biológico e antrópico, sem causar impactos ambientais.

Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 04/07/2012

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2 thoughts on “Voltando ao Tecnógeno, artigo de Roberto Naime

  • Artigo maravilhoso! Como todos os artigos do professor Roberto Naime.
    Parabéns ao EcoDebate pela qualidade das informações.
    Compartilho sempre em minhas redes sociais os artigos do prof. Roberto Naime, muito úteis inclusive em minha vida profissional.
    É uma satisfação publicar alguns artigos neste espaço. Muito obrigado.

  • Agradeço os comentários elogiosos e a boa vontade do Silvio com minhas humildes contribuições e quero destacar que admiro muito seu trabalho e seus artigos que considero tanto ou mais qualificados que meus rascunhos… Grande abs Silvio…

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