Estudo mostra que extração do buriti permite conciliar geração de renda e conservação da espécie
Uma das plantas mais generosas, da qual se aproveita tudo – da folha ao óleo –, o buriti alcançou um prestígio tal que é tratado como “árvore da vida”, sobretudo por quem lida com ele. Uma pesquisa de doutorado do Instituto de Biologia (IB) sobre essa planta mostrou que é possível, às comunidades rurais que fazem o extrativismo do seu fruto, conciliar geração de renda e ao mesmo tempo conservação da espécie. O autor do trabalho, o engenheiro florestal Maurício Bonesso Sampaio, mostrou que há um menor impacto desse tipo de extrativismo do que em outras atividades que agridem o meio ambiente, como o desmatamento por exemplo.
Segundo verificou Maurício, em sua investigação feita da Unicamp (ele fez graduação e mestrado na Universidade de Brasília – UnB), mesmo sendo removidos até 70% dos frutos dessas populações, o impacto ainda não terá sido demasiado. “É que o extrativista não prejudica a semente pois, em sua atividade, apenas retira a polpa dos frutos. Como as sementes ficam intactas, se forem retornadas ao brejo pelos extrativistas, as populações de buriti seguirão o seu curso normal”, informa.
O extrativismo de frutos, repara o pesquisador, é uma alternativa econômica mais sustentável do que outras formas de uso da terra e, apesar de não dispor de dados sobre o quanto o buriti movimenta em termos de cifras nas regiões de sua ocorrência, Maurício ouviu relatos de que muitas famílias conseguem obter uma renda mensal de até dez mil reais unicamente com a comercialização de produtos à sua base, lembrando que a safra dura um período de três ou quatro meses, que é o tempo de duração da safra.
De acordo com o doutorando, atualmente as empresas são as que mais compram os produtos do buriti. E os doces caseiros são os que mais agradam, sendo produzidos e comercializados no Brasil pelos próprios extrativistas, moradores das zonas rurais. Entretanto, outras indústrias também estão interessadas no seu óleo, em geral do ramo cosmético.
Há cenários contudo, reconhece ele, que podem pôr em risco o desenvolvimento do ciclo de vida do buriti. O estudo de Maurício – orientado pelo docente do IB Flávio Antonio Maës dos Santos – chegou a sugerir que um revés como o fogo é capaz de causar grandes impactos à produção de frutos e à manutenção das populações, caso a queimada ocorra no interior dos brejos.
O fogo que acaba atingindo múltiplas áreas, mas em pontos diferentes, a cada dois, três anos, se queimar no mesmo local uma vez a cada dez anos, ou com uma frequência maior que isso, acabará inevitavelmente sendo nociva às populações de buriti, expõe o pesquisador.
Ao avaliar então os efeitos do extrativismo comercial de frutos para as populações naturais de buriti, Maurício ainda averiguou que “uma das problemáticas que persiste é a colheita intensa, que poderá trazer efeitos indesejados, diminuindo as chances de nascerem mudas que irão regenerar as populações de buritis”, relata. “Não existe plantio comercial do buriti no país.”
Se não houver regeneração, pode-se vislumbrar uma produção cada vez menor de frutos, e isso terá outros impactos, além dos ambientais, prevê o pesquisador. Os impactos poderão ser sociais, posto que muitas pessoas dependem desse extrativismo, mesmo para subsistência.
O buriti (Mauritia flexuosa), conta ele, é mais encontrado na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e em uma pequena área da caatinga, e fora do Brasil, em países da América do Sul como Colômbia, Peru e Venezuela. No Estado de São Paulo, onde existe em menor proporção em uma pequena faixa do norte do Estado, está classificado como “Em Perigo” (EN) na lista oficial das espécies da flora do Estado de São Paulo ameaçadas de extinção (Resolução SMA 48 de 2004).
A planta é uma palmeira da família das Arecaceae, à qual também pertencem os coqueiros e, embora presente em vastas populações, fica restrita às formações brejosas. Em algumas situações, conforme o professor Flávio Antonio Maës dos Santos, notam-se populações quase lineares seguindo cursos d’água, chamadas popularmente veredas.
Peculiaridades
Na tese, o pesquisador escreveu três capítulos. O primeiro faz alusão à ontogenia: como ocorrem modificações nas características morfológicas dos indivíduos ao longo do ciclo de vida, como a planta cresce e a partir de que tamanho produz frutos.
Entre os achados, Maurício revelou que a produção de frutos pode iniciar quando a planta alcança perto de oito metros de altura (uma palmeira pode alcançar 30 metros). Outra coisa: ela vive centenas de anos e é nativa de Trinidad e Tobago e da América do Sul.
No segundo capítulo, ele testou os efeitos do extrativismo de frutos e das queimadas (bastante frequentes no Cerrado) na ecologia de populações do buriti. Já no terceiro capítulo, avaliou os fatores sociais que influem no extrativismo de frutos e em outros usos nos brejos, como a criação de gado e porcos, e o estabelecimento de roças de arroz, milho, feijão, etc.
Mas foi no trabalho de campo que Maurício realmente compreendeu a dinâmica do buriti. Para isso, visitou três regiões – duas no Estado de Tocantins (o Jalapão, ao leste do Estado e o nordeste, próximo a Itacajá e Santa Maria do Tocantins) e uma ao sul do Estado do Piauí, onde se concentram pequenas indústrias produtoras do doce de buriti.
No primeiro ano, o doutorando passou quatro meses prospectando as áreas onde iria trabalhar e coletando dados para o terceiro capítulo da tese. Depois, a sua atuação passou a ser anual nas áreas estudadas. No caso do Jalapão, voltou de seis em seis meses, por encontrar terreno fértil para suas investigações. Em cada viagem, permanecia um mês no local.
A sua maior dificuldade foi identificar populações de buriti que tivessem pouco impacto antrópico (provocado pelo homem no meio em que vive). Um dos requisitos para este estudo era contar com áreas pristinas (o mais conservadas possível). Este foi o grande desafio, menciona Maurício.
Em muitos momentos, o engenheiro florestal requereu apoio das ONGs Pequi (Pesquisa e Conservação do Cerrado) e ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza). E, no trabalho de campo, teve colaborações dos próprios extrativistas – especialmente de um técnico da Emater, no sul do Piauí – e do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins).
No capítulo envolvendo a parte social, ele recebeu ajuda das pesquisadoras Tamara Ticktin, da University of Hawai’i at Manoa, que estuda os efeitos do extrativismo de produtos florestais não madeireiros, e de Cristiana Seixas, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam).
De acordo com o professor Flávio, a tese de Maurício converge com uma série de trabalhos da linha de pesquisa de Ecologia de Populações de Plantas do IB, desenvolvidos há mais de duas décadas no Departamento de Biologia Vegetal.
Dentro dessa linha, os estudos sobre os efeitos da exploração sobre populações de plantas tiveram início graças a uma demanda de pós-graduandos a partir de 1995, relacionada ao impacto da exploração madeireira de espécies arbóreas na Amazônia.
A seguir, passou a incluir a exploração de produtos florestais não madeireiros, como a pesquisa de Maurício e de outra doutoranda, Cristina Baldauf, que engrossou a iniciativa estudando a janaguba, uma espécie arbórea vista no Cerrado.
“O trabalho de Maurício vai na direção de conjugar muitas variáveis e fazer análise de um componente social ligado a essa exploração. Ao mesmo tempo, tentou casar isso com a avaliação dos modelos de dinâmica: como as populações estão reagindo a essa exploração. É extremamente difícil encontrar na literatura pesquisas juntando essas abordagens em torno de um ponto comum”, realça o orientador.
Engenheiro florestal desenvolve duas cartilhas
A experiência obtida no campo de trabalho balizou Maurício a conceber duas cartilhas para as populações rurais que moram perto das áreas de brejo e que praticam o extrativismo de buriti.
As cartilhas são Boas Práticas de Manejo para o Extrativismo Sustentável do Buriti, que teve apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); e Boas Práticas de Manejo para o Extrativismo Sustentável do Capim Dourado e do Buriti, produzida em parceria com os pesquisadores Isabel Schmidt, Isabel Figueiredo e Paulo Sano, analisando o capim dourado do Jalapão.
Uma cartilha aborda o fruto e a outra as folhas do buriti, que fornecem uma fibra muito empregada no artesanato do capim dourado. Maurício inclusive avaliou o impacto do extrativismo dessas folhas.
Cerca de mil exemplares foram distribuídos pelo ISPN para agroextrativistas do Cerrado. A expectativa é que os resultados contribuam para que essas comunidades continuem praticando o extrativismo, gerando renda e melhorando a sua distribuição e o acesso das pessoas à economia local.
Para Flávio, um dos pontos a ser ressaltado é que a extração é familiar, feita por pequenos grupos. Não é uma exploração intensiva, esclarece, porém falta apoio a essas pessoas e capacitação. “Se nutrirmos a ideia de que é possível criar uma economia mais vigorosa nessas regiões, as populações de buritis e as extrativistas poderão sofrer muito com isso.”
■ Publicação
Tese: “Ecologia, manejo e conservação do buriti (Mauritia flexuosa; Arecaceae) nos brejos do Brasil Central”
Autor: Maurício Bonesso Sampaio
Orientador: Flávio Antonio Maës dos Santos
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: CNPq e Fapesp
Texto: Isabel Gardenal
Fotos: Maurício Bonesso Sampaio e Antoninho Perri
Edição de Imagens: Tulio Chagas
Matéria no Jornal da Unicamp Nº 532, publicada pelo EcoDebate, 04/07/2012
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