Biorremediação: Bactérias a serviço da remediação dos solos
Vilma Homero
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A coleta de amostras de solo, que mais tarde serão analisadas em laboratório, é a primeira etapa do projeto |
Antes mesmo de ser iniciada a reconstrução das instalações da estação Comandante Ferraz, na Antártica, consumidas por um incêndio em fevereiro deste ano, a proposta dos pesquisadores Juliano Cury e Alexandre Soares Rosado, ambos integrantes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Pesquisas Antárticas (INCT Antártica), é para que seja feito um trabalho de biorremediação em toda aquela área. Bem antes do acidente, eles já vinham desenvolvendo um projeto sobre o tema. Segundo a coordenadora do INCT de Pesquisas Antárticas, a bióloga Yocie Yoneshigue Valentin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está em andamento o planejamento para a reconstrução da estação.
“A biorremediação deve ser uma etapa anterior à reconstrução. De acordo com nosso projeto, podemos já dar início aos trabalhos a partir de novembro, dezembro, e começar a traçar um plano de ação desde já”, explica Rosado, Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, e coordenador do projeto, que como integrante do INCT, conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPERJ. Como se sabe, os INCTs reúnem grupos de pesquisadores, atuando em redes científicas, com possibilidade de trabalhar na fronteira do conhecimento, desenvolver projetos em áreas de importância para o País, com interação com o setor produtivo. Na Antártica, a contaminação já existente de algumas áreas, devido a antigos vazamentos de óleo diesel, provavelmente foi intensificada com o incêndio. “Com o incêndio, nosso trabalho foi prejudicado apenas em parte. Quem estava lá era o Juliano, que foi quem fez muitas das imagens do incêndio”, conta Rosado.
Os trabalhos na Antártica já renderam alguns artigos em revistas especializadas ou capítulos em livros. “Além do Juliano, que foi bolsista PNPD, da FAPERJ, com seu trabalho de biorremediação, já geramos uma tese de doutorado sobre diversidade microbiana, defendida por Lia Teixeira, uma monografia sobre diversidade e bioprospecção e uma dissertação de mestrado sobre biorremediação, ambas de Hugo Emiliano de Jesus. Tivemos ainda a monografia de Helena Villela, também sobre biorremediação. Segundo Rosado, o foco da monografia da Helena e da dissertação do Hugo foi o bioestímulo e o bioaumento em microcosmos que mimetizavam, em estufas especiais no laboratório, o ambiente antártico, com temperaturas de 0 a 4 graus. Da equipe também faz parte a professora Raquel Peixoto, Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, que participa dos trabalhos e da orientação de alunos. Todos, com exceção de Juliano – atualmente professor da Universidade Federal de São João Del Rey –, são do Instituto de Microbiologia da UFRJ.
Mas em que consiste a biorremediação? Quem responde é Juliano, responsável pela pesquisa, ao explicar que o processo proposto é desenvolvido a partir de experiências realizadas com diferentes bactérias presentes no solo antártico. “Como sabemos que várias bactérias têm capacidade de utilizar como fonte de carbono e energia certos poluentes orgânicos, como hidrocarbonetos de petróleo cru, diesel e gasolina, além de outros compostos, como pesticidas e rejeitos industriais, passamos a observar em laboratório o comportamento de várias delas, selecionando as que se mostraram mais eficientes nessa degradação.”
Segundo os pesquisadores, por ser o método mais barato, rápido e de menor impacto adicional, a biorremediação é a melhor alternativa na grande maioria dos casos de contaminação por petróleo, independente da extensão do solo, sedimento ou costa rochosa atingida. “Bactérias existem em toda aquela área. E, dependendo do tipo de estímulo, podem agir em áreas mais ou menos extensas. O programa não parou. Podemos implementá-lo a qualquer momento, dependendo apenas dos períodos do verão antártico, que dura apenas três ou quatro meses, de novembro a fevereiro ou março”, afirma Rosado.
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Nas amostras coletadas, pesquisadores já constataram a presença de certos poluentes, como óleo diesel |
No processo de biorremediação, os micro-organismos podem ser empregados de duas formas dependendo de cada situação: através de bioestímulo, por bioaumento ou numa combinação desses dois métodos de biorremediação. “A ideia central é valer-se da capacidade que essas espécies de micro-organismos em degradar moléculas de carbono.” Como explicam os pesquisadores, no bioestímulo, busca-se expandir a atividade dessas bactérias já existentes no ambiente pela adição de nutrientes, como nitrogênio e o fósforo, que, localmente, podem estar em baixas concentrações. “Empregamos o bioestímulo nas situações em que sabemos que o processo de degradação do contaminante está sendo limitado pela falta de algum nutriente”, salienta. Nestes casos, a aplicação de fertilizantes nitrogenados ou fosfatados costuma corrigir a situação, fornecendo nutrientes em quantidade suficiente para estimular a reprodução dos micro-organismos. “Em maior número, eles passam a atacar o contaminante presente na área”, acrescenta Juliano.
No bioaumento, amplia-se a quantidade de células microbianas de organismos sabidamente degradadores no ambiente contaminado. “Este método pode, inclusive, ser empregado em combinação com o bioestímulo, quando não temos certeza se os micro-organismos presentes no ambiente são capazes de degradar o contaminante. Então, introduzimos mais micro-organismos, crescidos em laboratório e previamente selecionados, para ampliar seu número no solo”, acrescenta.
Seja em grandes extensões, ou ambientes difíceis, como é o caso da Antártica, não existem situações em que a biorremediação não possa ser aplicada. “O que pode acontecer são alguns casos em que ela não é suficiente para resolver o problema. Um exemplo são os ambientes em que, independente de outros fatores favoráveis – como a presença de micro-organismos degradadores e de concentrações ideais de nutrientes –, as condições são anóxicas, ou seja, a atividade microbiana é limitada pela ausência do oxigênio. Outro exemplo pode ser a presença de compostos extremamente tóxicos, que inibam a ação desses micro-organismos degradadores.” Nesses casos, a solução é lançar mão de técnicas adicionais, como injeções de oxigênio para promover a aeração constante da área, ou fazer o revolvimento do material para que haja exposição e degradação desses compostos tóxicos pela radiação solar. “Como alternativa, nosso grupo está desenvolvendo métodos de biorremediação com anaerobiose em outros projetos, alguns deles com apoio da FAPERJ”, completa o Alexandre Rosado.
Os projetos do grupo coordenado por Rosado vêm sendo realizados na estação Comandante Ferraz desde 2006/ 2007, embora os estudos sobre biorremediação tenham sido iniciados a partir da expedição dos pesquisadores em 2009/2010. Essa pesquisa revelou que ainda persistem no solo os sinais da contaminação por petróleo, consequência de derramamentos ocorridos há mais de 20 anos. “Isso acontece mesmo sendo o óleo diesel constituído por uma fração leve e facilmente degradável do petróleo”, afirma Juliano. Segundo os pesquisadores, três motivos explicam a situação: o primeiro é a ausência de nitrogênio no solo, detectada em nossos estudos; outro é a baixa difusão de oxigênio no solo devido à constante presença de água de degelo e a compactação do solo pelo trânsito de tratores; e o terceiro é a baixa temperatura, que retarda o metabolismo e crescimento mesmo de micro-organismos adaptados a ambientes frios, como o da Antártica.
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As bactérias presentes nas amostras coletadas são analisadas para detectar sua eficiência em degradar poluentes |
“O incêndio impediu que fizéssemos a coleta do solo de um experimento montado na expedição de 2010/2011, o que só poderá ser feito na próxima expedição. E também
destruiu alguns isolados de fungos que havíamos conseguido obter nas semanas anteriores ao incêndio”, afirma Juliano. Esses fungos seriam testados quanto a sua capacidade em crescer na presença de hidrocarbonetos e sua eficiência em degradá-los.
Para os pesquisadores, o projeto de biorremediação ganha agora maior importância, considerando-se o trabalho a ser feito de limpeza da área para a reconstrução da estação. Por sorte, poucos dados do projeto foram perdidos. “Temos informações suficientes dos trabalhos já realizados para propor uma biorremediação efetiva. Com a diminuição do óleo já existente na área, teremos oportunidade de ver uma estação mais limpa, e passaremos a contar com material e procedimentos efetivos para diminuir o impacto de futuros vazamentos.”
Fonte: Faperj
EcoDebate, 29/06/2012
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