‘Ecos’ de Fukushima: Pescadores japoneses de região atingida por desastre nuclear ainda vivem com medo
Polvos são descarregados no porto que serve Soma, no Japão. A pesca na região foi retomada perto da usina nuclear de Fukushima, mas a reação dos consumidores é uma grande questão para a indústria. Foto de Kosuke Okahara / The New York Times
O pescado capturado por seis pequenos barcos pesqueiros, os primeiros a retomarem a atividade da pesca comercial nas águas ao largo de Fukushima após a catástrofe nuclear do ano passado, foi colocado à venda em supermercados locais nesta semana, gerando esperanças e preocupações em uma região que procura retornar a um ritmo de vida normal. Matéria de Hiroko Tabuchi, The New York Times, no UOL Notícias.
Por ora, esse pescado consiste apenas de polvo e whelk, um tipo de caramujo marinho, já que os especialistas acreditam que essas espécies são as que menos acumulam partículas radioativas nos seus organismos. Mesmo assim, os moradores locais dizem que isso se constitui em um marco para a recuperação de uma fonte vital de alimentos e de empregos na região.
“Os últimos 12 meses foram longos e difíceis, mas o fato é que eu jamais desisti de ser pescador”, afirmou Toru Takahashi, 57, antes de sair para o alto-mar no sábado passado, em Matsukawa, que fica cerca de 50 quilômetros a norte do acidentado reator nuclear de Fukushima Daiichi.
Mas a esperança dos pescadores de voltar a trabalhar nas águas em que eles pescam há décadas está gerando intranquilidade por toda parte. Os especialistas afirmam que os efeitos do desastre sobre o oceano ainda não foram completamente entendidos.
Horas antes da saída dos barcos, o governo federal proibiu estabanadamente os pescadores de comercializar 36 tipos de pescado, permitindo apenas a venda de polvo e whelk. Até então, não havia nenhuma proibição explícita da pesca perto de Fukushima, já que os pescadores da região haviam suspendido voluntariamente a sua atividade após o tsunami e o desastre nuclear. Em troca dessa iniciativa, eles receberam cerca de US$ 125 milhões da operadora da usina nuclear, a Tokyo Electric Power.
“Nós não nos opomos à retomada da pesca pelos pescadores de Fukushima, caso eles possam comprovar que o pescado que estão capturando não contém níveis elevados de radiação”, diz Yasunobu Matsui, um funcionário federal do setor de fiscalização alimentar. “O que nós não queremos é que eles cometam um erro e capturem espécies que não estão liberadas para a pesca”.
O Japão ainda está sofrendo os efeitos do derretimento de reatores e outros problemas ocorridos na usina nuclear, que provocaram o maior vazamento acidental de material radioativo no mar já registrado. O nível de césio radioativo ao largo da costa atingiu um máximo de 100 mil becquerels por metro cúbico no início de abril – o que é cerca de 100 vezes superior ao nível que foi detectado no Mar Negro após o desastre de Chernobyl em 1986, segundo um estudo conduzido pela Instituição Oceanográfica Woods Hole, em Massachusetts.
Segundo Matsui, ninguém sabe ao certo o que isso significa para a vida marinha. Fora da área que circunda a usina nuclear, a radiação é muito difusa para representar um risco imediato à saúde humana, mas os especialistas temem que o material radioativo se acumule na cadeia alimentar marinha.
Os níveis de radiação em certas espécies de peixe excedem o limite máximo estabelecido pelo governo, que é de 100 becquerels por quilograma. Uma espécie de peixe de fundo apresentava em abril um nível de contaminação radioativa de 690 becquerels por quilograma. Mas outras espécies marinhas exibem níveis de radiação insignificantes, incluindo os polvos e caramujos marinhos capturados pelos pescadores de Soma.
“Considerando que o Japão apresenta o maior índice de consumo de pescado do mundo, é importante que entendamos a questão da concentração e da assimilação de material radioativo na biota marinha”, afirmou Ken Buesseler, um químico marinho que chefiou o estudo conduzido pela Instituição Oceanográfica Woods Hole, em um artigo publicado no outono do ano passado no periódico “Environmental Science and Technology”.
Os pescadores de Fukushima estão desesperados para voltarem a trabalhar. Takahashi, o pescador, que perdeu a sua velha traineira durante o tsunami, diz que trabalhou o ano inteiro para comprar outro barco pesqueiro, o Myojinmaru.
No sábado passado, os tripulantes do Myojinmaru e de outros cinco barcos escolheram um local a 50 quilômetros da costa, onde acredita-se que a radioatividade esteja adequadamente diluída. Eles retornaram 15 horas depois para comercializar cestos contendo polvos e caramujos marinhos em um mercado de peixes de Soma que encontra-se praticamente em ruínas. Grande parte do telhado do mercado foi arrancada pelo tsunami. Os testes conduzidos pelas autoridades governamentais não detectaram radiação no pescado trazido por eles.
Fusayuki Nambu, diretor da cooperativa de pesca de Soma-Futaba, disse que haverá outra pescaria nesta quarta-feira (27), e que, depois disso, as autoridades divulgarão planos mais detalhados para a retomada da atividade pesqueira.
“Nós ainda estamos com medo, já que não existe nenhuma garantia de que alguém voltará algum dia a comprar peixes vindos de Fukushima”, disse ele. “Mas nós não podemos ficar de braços cruzados para sempre”.
Não se sabe se uma população que está temerosa quanto à radiação em geral terá confiança no pescado oriundo de Fukushima. Muitos japoneses não acreditam nas declarações tranquilizadoras do governo sobre os resultados dos testes, e a Tokyo Electric fez com que as pessoas ficassem ainda mais suspeitosas ao recusar-se a permitir que especialistas independentes analisassem as águas na zona de exclusão de cerca de 20 quilômetros em torno da usina.
“Eu não creio que atualmente alguém mentisse sobre os níveis de radiação, mas quem decidirá de fato será o consumidor”, diz Yoshiaki Saito, vendedor de atum, caranguejo e outros pescados no Mercado de Peixe Tsukiji, em Tóquio. Ele diz que, na pior das hipóteses, o pescado oriundo das redondezas de Fukushima será vendido por um preço menor.
Até mesmo em Soma, onde muitos comerciantes simpatizam como os pescadores da cidade e entendem os problemas que estes estão enfrentando, muita gente não permite que os filhos e netos comam pescados da região.
“Eu comeria qualquer coisa que eles pescassem, mas, em relação a Minami, é diferente”, explica Yasuo Yoshizawa, 63, referindo-se à sua neta de oito anos de idade. “Eu quero que a indústria pesqueira volte a prosperar, mas a saúde dos nossos filhos e netos é mais importante do que isso”.
A usina nuclear ainda deixa escapar água contaminada. Segundo a Tokyo Electric, aproximadamente 12 toneladas de água contendo estrôncio radioativo vazaram da instalação em abril. E a chuva que cai sobre a área transporta césio radioativo para os rios locais que desaguam no mar. Segundo o estudo, traços de césio já foram encontrados em pelo menos uma espécie de alto-mar, o atum de barbatana azul do Pacífico.
“A verdade é que ainda é muito cedo para dizer até que ponto o mar, ou a vida marinha, foi contaminado”, diz Yosuke Yamashiki, professor de engenharia ambiental da Universidade de Kyoto. “E o problema ainda não acabou. Substâncias radioativas poderão continuar indo parar no oceano durante algum tempo, talvez até mesmo durante anos”.
Para a indústria pesqueira de Fukushima, o desastre nuclear só fez acelerar um longo declínio, e alguns pescadores dizem não ousar retomar o trabalho até que mais espécies exibam níveis de radiação menores mais perto da costa.
“É claro que nós estamos desesperados para voltar a pescar”, diz Kazunori Yoshida, da cooperativa de pesca de Iwaki, ao sul da usina nuclear. “Só que isso ainda não é seguro”.
* Hisaki Ueno, em Tóquio, contribuiu para esta matéria.
Tradutor: UOL
EcoDebate, 28/06/2012
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