Uma avaliação da Rio+20, artigo de José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Teve início na semana passada a conferência de chefes de Estado que se reunirão no Rio de Janeiro para marcar o 20.º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente realizada em 1992, conhecida como Rio-92.
É cedo ainda para fazer uma avaliação completa dos resultados da Rio+20, mas já é possível ter uma ideia geral do sucesso ou fracasso do evento.
O objetivo da conferência é fazer um balanço do que se conseguiu realizar nos últimos 20 anos na direção de um desenvolvimento sustentável e, eventualmente, propor novos caminhos e novas ações. As perspectivas de seu sucesso são ainda incertas e é necessário mais esforço para evitar que ela se torne apenas um palco para declarações politicamente corretas e retóricas.
Até agora, o que ocorreu no Rio de Janeiro foi um número impressionante de eventos científicos e culturais que cobrem um amplo arco que vai desde entidades empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a universidades públicas e privadas, fundações de apoio à pesquisa nacionais e internacionais e cientistas eminentes do mundo todo.
O impacto educacional desses eventos se reflete também no público, por meio da imprensa, nos próprios jornalistas que cobriram os eventos e, por intermédio deles, nos políticos.
Do ponto de vista de conscientização da sociedade brasileira para os problemas que o atual sistema de produção e consumo geram, a conferência será um sucesso. A quantidade de eventos paralelos e até mesmo a participação popular terão um efeito positivo na adoção de políticas ambientais corretas no País.
Do ponto de vista de resultados concretos, como foi a Rio-92, contudo, a conferência será desapontadora.
Ao que tudo indica, serão apenas enunciados na Rio+20 objetivos de desenvolvimento sustentável, a exemplo do que ocorreu com as Metas do Milênio adotada pelas Nações Unidas no ano 2000. No entanto, os temas específicos que constarão desses objetivos ainda não foram definidos nem as propostas de ações concretas para atingi-los. Um passo importante que talvez seja adotado será o lançamento de um processo de negociação para definir essas ações de forma quantitativa, a ser a concluído até 2015 – o que apenas adia o problema.
Em contraste, na conferência de 1992 foram adotados documentos importantes como a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção para o Combate à Desertificação, que são instrumentos legais que se transformaram em leis nacionais quando ratificados pelos órgãos legislativos próprios. Além disso, foi adotada a Agenda 21, um roteiro bastante detalhado para um desenvolvimento sustentável. A palavra-chave que entrou no vocabulário de todos, desde então, foi sustentabilidade, que significa crescimento econômico de um tipo que não comprometa o futuro.
Após a conferência do Rio em 1992, foram necessários cinco anos para a adoção do Protocolo de Kyoto, que fixou metas para a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento da Terra e um calendário para cumpri-las. Esse protocolo só entrou em vigor em 2005 e, mesmo assim, os Estados Unidos se mantiveram fora dele. Um protocolo para a implementação da Convenção da Biodiversidade foi aprovado em Nagoya em 2009.
Por conseguinte, os progressos alcançados desde 1992 foram modestos, o que não significa que nada tenha sido feito. Os países da União Europeia cumpriram razoavelmente bem os seus compromissos. Muitos municípios e até Estados de países federativos seguiram as recomendações da Agenda 21 – alguns inclusive adotaram metas para a redução de emissões, como o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, e o de São Paulo, no Brasil.
O que é frustrante no processo de negociação das Nações Unidas – que busca o consenso das 194 nações participantes – é que qualquer resultado só pode ser conseguido com a adoção de um denominador comum mínimo aceitável por todos, e este é, em geral, o menos exigente de todos no que se refere a reduções e metas.
Só para exemplificar, basta mencionar que foi preparado em janeiro deste ano um documento com o sugestivo título O Futuro que Queremos, com 19 páginas e 128 parágrafos. A grande maioria deles são exortações aos países-membros da ONU para que façam mais na direção do desenvolvimento sustentável, mas não delineia planos de ação para torná-los realidade. As palavras “reafirmar”, “reconhecer”, “encorajar” e “apelar” aparecem em 118 dos 128 parágrafos. Há alguns parágrafos que propõem inovações, tais como:
* transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) numa agência da ONU, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), o que lhe daria mais poderes e recursos;
* criar, até 2015, indicadores para medir os progressos feitos;
* e aceitar uma transição para uma “economia verde” como meta global e abrangente que nos leve a uma “economia de baixo carbono”. A “economia verde” deve ser entendida como uma estratégia que proteja a base natural de recursos disponíveis e contribua para a erradicação da pobreza.
Todos os parágrafos foram objetos de inúmeras emendas de diversos países. Como resultado, a última versão do documento inicial tem 81 páginas e as emendas o tornaram até difícil de compreender.
O mais frustrante é saber que o próprio Grupo dos 77 (os países em desenvolvimento, inclusive a China) propôs a eliminação das recomendações sobre economia verde e das propostas para aumentar a fração de energia renovável em uso no mundo. O risco, portanto, como alertado pelo secretário-geral das Nações Unidas, é de que não se chegue a nenhuma recomendação concreta.
* PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FOI MINISTRO DO MEIO AMBIENTE EM 1992, DURANTE A RIO-92
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 19/06/2012
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