O Cerrado num mundo dramático, artigo de Washington Novaes
[O POPULAR, GO] Se não houvesse tido outros méritos – a profusão de informações valiosas foi um deles -, o simpósio Goiás rumo à Rio + 20, promovido na semana passada por este jornal, com apoio do governo do Estado, teria colocado em forte evidência a afirmação do governador Marconi Perillo, de que Goiás “não precisa desmatar mais nada no Cerrado goiano, que está em quase 50% do nosso território (…) Temos área suficiente já desmatada para expandir nossa produção agropecuária. Um dos caminhos está na recuperação de pastagens (…) Também devemos trabalhar com a criação de gado em confinamento, que ocupa menos recursos, é mais rentável, além de contribuir para reduzir as emissões de metano pelo gado bovino”, que geram problemas na área do clima.
As discussões começaram ali mesmo no simpósio, com várias sugestões de participantes. A secretária-executiva Jacqueline Vieira enumerou algumas ações já em andamento na Secretaria estadual do Meio Ambiente, para proteger o Cerrado goiano, principalmente na área de recursos hídricos – como o pagamento por conservação de nascentes e a implantação de comitês de bacias hidrográficas. E a luta para que o Congresso Nacional inclua na Constituição o bioma entre os considerados “patrimônio nacional”. O déficit de unidades de conservação no Cerrado é de 200 mil quilômetros quadrados.
A ênfase de todos os conferencistas esteve na insustentabilidade dos atuais padrões de produção no mundo e no Brasil. O diretor de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Arnaldo Carneiro Filho, por exemplo, lembrou que o Cerrado já responde, com desmatamento e queimadas, por 18% das emissões brasileiras de poluentes que prejudicam o clima no planeta. Se o nosso Código Florestal ainda em vigor fosse cumprido, proprietários teriam de recuperar e proteger a vegetação em 55 milhões de hectares. As pastagens degradadas somam uma grande parte das áreas desmatadas do Cerrado, já próximas de 50% do total. E há muitos caminhos para as áreas desmatadas, entre eles o de florestas plantadas (consorciadas), inclusive em pequenas propriedades, para agregar valor à produção e a geração de trabalho e renda. O Brasil já tem 156 mil hectares de florestas plantadas.
A gravidade do panorama mundial foi o tema do professor Sérgio Besserman Vianna, que, pela Prefeitura do Rio de Janeiro, coordena os preparativos para a Rio + 20. “O planeta está falido”, disse ele. E não estamos conseguindo mudá-lo, mesmo que há 20 anos a conferência Eco 92 já tenha mostrado a dramaticidade das questões. “Somos pequenos”, não conseguimos ainda implantar “um novo Renascimento”. Mesmo sabendo, por exemplo, que entre 30 e 50 anos à frente “o Semiárido brasileiro terá desaparecido, será deserto”.
Os números impressionantes da insustentabilidade do consumo no mundo foram destacados na fala do professor Ricardo Abromovay, da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo. A extração de recursos no planeta, que era de 35 bilhões de toneladas anuais em 1980, já passou de 60 bilhões anuais. Enquanto os 20% mais ricos da população do planeta consomem 86% dos recursos, os 20% mais pobres respondem por apenas 1,5%. O consumo per capita na Índia é de 4 toneladas anuais, no Canadá de 25 toneladas. Até avanços sociais acrescentam problemas: 150 milhões de pessoas agregam-se a cada ano à classe média mundial – e consomem mais; ela já reúne 1,8 bilhão de pessoas, que serão 4,9 bilhões em 2030. Entre 1975 e 2000, o volume de recursos brutos utilizados por unidade de produto no mundo aumentou 50%. Nos Estados Unidos, a parcela mais rica da população (1%), detinha 8% da riqueza e recebia anualmente, per capita, 42 vezes mais que um trabalhador médio; em 2009, já detinha 24% da riqueza e ganhava 531 vezes mais. As consequências sociais e ambientais de tudo isso são enormes. Tudo terá que mudar, disse ele também.
André Trigueiro, do Jornal Nacional e da Globonews, trouxe informações impressionantes sobre a Rio + 20, que reunirá 165 chefes de Estado, na “maior conferência da História”, com 500 eventos paralelos, além de centenas de outros na Cúpula dos Povos, que também se realizará paralelamente. Será difícil chegar a acordos na conferência, porque a ONU “está defasada, só decide por consenso” – o que se tem mostrado impossível. Mas “o mundo tem pressa”, porque os diagnósticos da situação são muito graves. E “o custo do ajuste será menor que o da inação”. É preciso mudar. Silvana Bittencourt, do POPULAR, que foi a debatedora da conferência, acrescentou o quanto a mudança é difícil num país como o Brasil, que depende muito do avanço da ciência – e o orçamento federal para a área diminuiu 22% este ano.
Aron Belinky, que como representante das ONGs tem participado da organização da Rio + 20, mostrou como é intrincada, múltipla, complexa a organização do evento, com uma infinidade de temas, que vão da economia verde à erradicação da pobreza e às questões referentes a mulheres e índios – entre muitas outras – num mundo onde as grandes corporações controlam metade do produto bruto mundial. O caminho será criar uma Agência Mundial do Meio Ambiente, como se está propondo?
Os outros debatedores professor Laerte Ferreira, professor Harlem I. dos Santos, secretário Umberto Machado, o secretário da CNI, Paulo Afonso Ferreira, também acrescentaram muitas informações sobre a infinidade de problemas que temos pela frente.
Tudo de fato é muito complexo. Mas Goiás está muito mais informado.
P.S. – Em boa hora, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Goiás posicionou-se a favor do veto total da Presidência da República ao projeto do novo Código Florestal aprovado no Congresso. O Cerrado agradece.
Washington Novaes é jornalista
Artigo originalmente publicado em O POPULAR, GO.
EcoDebate, 25/05/2012
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