Dez anos depois de contaminação em Paulínia, trabalhadores da Shell ainda lutam para receber tratamento médico
Dez anos após auditores fiscais do Ministério do Trabalho fecharem uma planta industrial da Shell em Paulínia (SP) – por causa da contaminação do ambiente com produtos cancerígenos –, os trabalhadores da fábrica e moradores locais ainda lutam na Justiça para que a empresa pague o tratamento médico aos que adoeceram.
Produtora de agrotóxicos, a fábrica ficou em atividade entre 1974 e 2002 no município paulista localizado na região de Campinas, no interior do estado. A planta industrial da Shell, posteriormente comprada pela Basf, contaminou o solo e as águas subterrâneas com produtos químicos como o aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias cancerígenas, às quais os trabalhadores foram expostos.
“A Shell era bem em frente à nossa chácara. Tinha um cheiro muito forte, e eu estava grávida. Meu filho nasceu em 1978 e, com a fumaceira, ele vomitava o dia inteiro. Tudo que punha na boca, vomitava. Ele mamava no peito, e o meu leite ele vomitava”, conta Ciomara Rodrigues, moradora que move ação contra a Shell, ainda em tramitação. “Meu filho mais velho tem o baço aumentado. O que causa isso são os agrotóxicos que tinha lá. E eu tenho problema de fígado, também pela mesma causa”, acrescenta.
Em 2010, a Justiça do Trabalho de Paulínia condenou as empresas Shell do Brasil e Basf a pagar, a partir de então, o tratamento médico de todos os ex-trabalhadores da unidade de fabricação de agrotóxicos. Mais de 1.000 ex-trabalhadores das empresas foram beneficiados com a sentença, além de centenas de parentes, também suscetíveis à contaminação. A decisão ainda determina que cada ex-trabalhador e cada filho de ex-trabalhador deve receber R$ 64,5 mil. O valor foi calculado com base nos gastos médicos que eles tiveram durante o período de tramitação da ação, no próprio tratamento ou no tratamento de seus filhos.
As empresas também foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais causados à coletividade, no valor de R$ 622,2 milhões, com juros e correção. A Justiça também determinou a indenização de R$ 20 mil por trabalhador, por ano trabalhado, valor que deve ser corrigido e acrescido de juros e correção monetária.
No entanto, as empresas recorreram da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho (TST) de Campinas. Lá também não tiveram êxito e agora recorrem ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), a última instância, em Brasília, onde a ação não tem previsão de ser julgada.
Apesar de terem perdido em primeira e segunda instância, a Shell e a Basf conseguiram efeito suspensivo das penas até que a ação seja julgada em última instância. Mas a Justiça não concedeu efeito suspensivo no pagamento do tratamento médico, que já está em fase de execução.
“O dado mais característico para a gente nessa ação é que quando as empresas se instalaram aqui, nos anos 70, elas já tinham sido proibidas de fabricar esses produtos nos Estados Unidos”, destaca o procurador do Trabalho, Silvio Beltramelli, responsável pela ação. “Existem laudos, pareceres médicos, inclusive está demonstrado estatisticamente que a população que morava ali e os trabalhadores adoecem absurdamente mais do que a população em geral”, acrescenta.
Em maio de 2004, o Ministério Público do Trabalho solicitou o apoio do Ministério da Saúde para a análise de aproximadamente 30 mil laudos referentes à contaminação ambiental e à exposição dos trabalhadores das empresas aos produtos. O ministério contratou consultoria especializada para realizar o estudo no local. Segundo o MPT, a conclusão do estudo mostra que as substâncias utilizadas pela Shell e a Basf têm potencial de produzir danos ao embrião ou ao feto, alterar os genes, causando doenças hereditárias, e são cancerígenos.
“O MPT não tem dúvida de que provado está [o nexo causal entre as substâncias e a saúde dos trabalhadores e moradores], e o Judiciário até agora, na primeira e na segunda instância, não teve essa dúvida. Os estudos são vários”, diz o procurador.
Em nota, a Basf diz que está respeitando todas as determinações do Tribunal Regional do Trabalho e que não tem compromisso direto com a contaminação ambiental ocorrida em Paulínia, “assumida pela Shell”.
Na nota, a Shell informou que a existência de contaminação ambiental não implica, necessariamente, em exposição e prejuízo à saúde das pessoas. “Dessa forma, e com base em grande número de informações técnicas de que dispomos, não é possível afirmar que as alegadas queixas de saúde de ex-moradores, ex-funcionários ou de quaisquer outros trabalhadores resultaram do fato de eles terem trabalhado ou morado próximo às antigas instalações da Shell em Paulínia”.
Sobre os casos de doenças graves e óbitos alegados pelos representantes dos ex-funcionários, a Shell e seus consultores dizem que não conhecem qualquer estudo científico “que sustente a afirmação de que teriam sido causados pelo fato de terem trabalhado ou morado próximo às instalações da empresa. Todos os dados e informações apresentados até o momento não comprovam essa afirmação”, acrescentam.
Reportagem de Bruno Bocchini, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 08/05/2012
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