Plantações de eucalipto e cana-de-açúcar no Cerrado empurram gado para Amazônia
Um dos símbolos do Cerrado goiano, a Pedra do Chapéu do Sol, em Cristalina, a 288 quilômetros a leste de Goiânia e a 120 ao sul de Brasília, está cercada de plantações de eucalipto. O maciço rochoso de cerca de 100 toneladas que se equilibra numa base de menos de 2 metros quadrados perdeu a vegetação nativa em sua volta. É uma ilustração de um cenário mais amplo. O Ministério do Meio Ambiente estima que mais de 50% do Cerrado tenha sido desmatado.
A reportagem é de Leonencio Nossa e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 05-05-2012.
A destruição do bioma nos últimos anos tem impacto ainda mais direto na Amazônia que nas décadas passadas. A chegada de novas culturas como o eucalipto e a cana-de-açúcar ao sul de Goiás, norte de São Paulo e Triângulo Mineiro afasta o gado para a divisa de Mato Grosso com Amazonas e para o Piauí e o Maranhão, áreas que registram porcentuais elevados de desmatamento da floresta amazônica.
“O setor de álcool diz que só planta cana em terras já devastadas, mas há um desmate indireto na Amazônia”, diz o professor Ricardo Machado, da Universidade de Brasília.
Especialista em Cerrado, Machado estima que as áreas de Cerrado protegidas por lei (reservas ambientais) chegam a 7,2% do segundo maior bioma brasileiro. “Esse porcentual não quer dizer muita coisa, pois as reservas estão concentradas em algumas áreas como o Jalapão“, avalia.
Ele observa que não há uma distribuição homogênea que atenda toda as regiões e lembra que a última reserva criada para proteger o bioma foi a área das nascentes do Rio Parnaíba, entre os Estados da Bahia, do Piauí e do Tocantins, em 2002. “Até 2001, vínhamos num ritmo interessante de proteção do Cerrado, com a criação de reservas. Agora, chegamos num momento em que a proteção parou e o desmatamento aumentou.”
Lagos
Dez anos após ser criado, o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba está na mira de grupos econômicos e governos, que querem utilizar as águas dos rios para formar lagos de usinas hidrelétricas ou plantações de soja. A reserva inclui terras da Bahia, do Maranhão, do Piauí e do Tocantins, mas é um parlamentar de São Paulo que pretende reduzir a extensão. O deputado federal Nelson Marquezelli (PTB) diz que a redução da área vai “melhorar a gestão” do parque.
Machado observa que o Cerrado ainda não conta com um planejamento “decente” de ocupação. “O bioma passou a fazer parte do discurso de vários órgãos públicos, mas em termos de ações concretas há pouca coisa.”
O eucalipto já predomina em muitos trechos da região rural entre Goiânia e o Distrito Federal. Machado ressalta que não há uma preocupação em intercalar a nova cultura com áreas nativas, como ocorre em algumas regiões do oeste da Bahia. Também destaca que mesmo os órgãos de pesquisas agrícolas não incentivam a produção de árvores nativas de crescimento rápido, como o jacaré e o carvoeiro, que poderiam ser aproveitadas pela indústria de celulose.
Chapéu do Sol
A cidade de Cristalina tem a maior área agrícola irrigada da América Latina, segundo o Ministério da Agricultura. São 50 mil hectares de plantios de soja, milho e feijão. Os produtores do município movimentaram R$ 1,38 bilhão em 2010, garantindo à cidade uma das primeiras posições no ranking do PIB agrícola.
As plantações de soja ocupam os campos das margens do trecho inicial da estrada de terra de 7 quilômetros que liga o centro de Cristalina à pedra Chapéu do Sol. Já no terceiro quilômetro, os eucaliptos começam a aparecer, assim como pequenos garimpos e áreas de extração de terra. O maciço rochoso ocupa uma ponta de uma área preservada de Cerrado que não passa de 2 campos de futebol.
Os eucaliptos cercam o símbolo do Cerrado goiano e outras formações que apresentam gravuras rupestres de antigos povos da região.
(Ecodebate, 07/05/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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