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Notícia

Belo Monte e Rio+20, por Telma Monteiro

 

Versão em português da entrevista sobre Belo Monte e a Rio+20 concedida ao jornalista Mauro Villone, do jornal La Stampa, Itália. 

Belo Monte e Rio+20 

Mauro Villone: Qual é a situação real atual do projeto da barragem? A que ponto estão os trabalhos?

Telma Monteiro:Belo Monte já é uma grande cicatriz sangrando na Amazônia. As obras já vão avançadas invadindo o leito do rio Xingu e imagens mostram árvores inteiras e fragmentos de vegetação sendo arrastados pela correnteza, o rio turvo tingido pela terra removida das margens.  Neste momento estão sendo construidas as ensecadeiras que permitirão secar uma parte dor rio para fazer a barragem.  Também estão sendo feitas as escavações na rocha para abrir 20 quilômetros de canais que vão desviar grande parte das águas do Xingu para um reservatório artificial.  Ás águas desse reservatório artificial, contidas por dezenas de diques no meio da floresta, vão fazer funcionar as turbinas da casa de força principal.  Este momento das obras é devastador para o rio que sofre com as interferências no seu fluxo. É agora que as grandes máquinas escavadeiras revolvem a terra para construir uma espécie de passagem dentro do rio Xingu; é quando as árvores são derrubadas para dar lugar à destruição com sérias consequências para a fauna e a flora.  Outra grande interferência diz respeito ao que chamam de “bota fora” ou seja, todo o material que é escavado, terra e pedras, têm que ser depositados em algum lugar na região; o trânsito de caminhões e a poluição aumentam os riscos para aqueles que moram nas comunidades próximas. Neste momento a face da Volta Grande do Xingu está sendo alterada para sempre.

Mauro Villone: A implementação do projeto, que danos realmente irão causar à população e ao meio ambiente?

Telma Monteiro: as autoridades do governo brasileiro dizem que construir grandes hidrelétricas na Amazônia pode gerar uma energia limpa e barata. A energia que será gerada em Belo Monte não pode ser considerada limpa porque põe em risco a vida dos povos indígenas e das populações tradicionais, ameaça a biodiversidade e os ecossistemas. Essa energia não pode ser considerada renovável porque viola o direito à vida dos povos indígenas, das populações tradicionais e põe em risco  a biodiversidade. O trecho de 100 quilômetros chamado Volta Grande do Xingu sofrerá com a escassez da água em consequência de uma das barragens e isso vai levar à extinção de espécies de peixes, impedir a navegação dos ribeirinhos e indígenas, destruir a mata ciliar e criar pequenos lagos de águas estagnadas onde mosquitos e larvas de doenças como dengue e malária se multiplicarão facilmente. Os impactos começam antes das obras, com o aumento de população em busca de oportunidades, como está acontecendo com a cidade de Altamira que já perdeu a capacidade de suporte: não tem saneamento básico, água potável, faltam leitos nos hospitais, as escolas são insuficientes, os aluguéis estão altos, não há vagas nos hotéis, operários do Brasil inteiro acampam nas ruas. Depois vêm os impactos decorrentes do desmatamento, da construção dos canteiros de obras, dos alojamentos dos trabalhadores e das barragens, das escavações, da presença de operários, depredação da caça e da pesca, da violência, das doenças e da prostituição infantil. A terceira fase é a que virá depois das obras civis com o enchimento dos reservatórios, que vai liberar o gás metano que contribui com o aquecimento global e, finalmente, depois de autorizada a operação da usina, os impactos  continuarão por toda a sua vida útil e mais além, após sua desativação.

Mauro Villone: Com a construção da barragem são violados acordos de protecção do Xingu?

Telma Monteiro: Faltou transparência das autoridades brasileiras que tomaram a decisão de construir Belo Monte e faltou o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e a justa indenização das populações ribeirinhas que serão afetadas. As audiências públicas não foram suficientes para cumprir o papel de mostrar a verdadeira face do projeto e só serviram para que as autoridades do governo brasileiro, Ibama e as empresas responsáveis pelos estudos ambientais tivessem a oportunidade de “enfiar Belo Monte goela abaixo da sociedade”. A Constituição Federal do Brasil exige a consulta aos povos indígenas. Todas as Unidades de Conservação da região que sofrerá os impactos diretos e indiretos de Belo Monte serão afetadas em algum momento, pois as mudanças climáticas já estão alterando o regime de vazões dos rios da Amazônia. O Parque do Xingu está em risco assim como muitas espécies de peixes. Tantas verdades foram omitidas no processo de licenciamento de Belo Monte, que seria preciso vários volumes de um livro para contar como as autoridades brasileiras estão conseguindo criar um caos na natureza que jamais será  mitigado ou compensado.  

Mauro Villone: Qual é a situação atual das comunidades indígenas?

Telma Monteiro: Muito já se tem mostrado e escrito sobre os impactos não estudados sobre os povos indígenas do Xingu. O governo brasileiro e os técnicos que viabilizaram Belo Monte disseram que as terras indígenas não serão alagadas e por isso não terão impactos. Isso é uma mentira, pois os impactos serão sentidos também nas terras indígenas que estão vulneráveis às obras e suas influências. Seja pelo aumento da população migratória, seja pela especulação imobiliária, seja pela alteração do fluxo natural do rio Xingu, seja pela diminuição de espécies de peixes, da fauna, seja pelo desequilíbrio do ecossistema da região. O próprio rio Amazonas será afetado, pois o Xingu é um dos seus principais afluentes e a sua foz que fica depois do trecho da Volta Grande sofrerá grandes alterações que não foram estudadas e nem diagnosticadas nos estudos ambientais.

Mauro Villone: E a posição deles em relação ao problema?

Telma Monteiro: Os indígenas estão tentando entender o que está acontecendo e aquilo que os ameaça. O Ministério Público Federal brasileiro, no cumprimento do seu papel institucional, procura proteger as minonorias. No entanto o sistema judiciário brasileiro está engessado por uma postura que favorece o governo brasileiro e as grandes empresas, sob o argumento de que o Brasil precisa crescer mesmo que seja ao custo da destruição da Amazônia e a ameça à cultura dos povos indígenas. As etnias do Xingu querem e exigem que seus direitos sejam respeitados, estão em busca das informações e conhecimento dos impactos sobre suas vidas e que não lhes foi dado pelas autoridades. Os estudos ambientais foram aprovados pelo Ibama, órgão federal responsável pelo licenciamento de Belo Monte, sob grande pressão política do governo e das empresas interessada.  A viabilidade ambiental de Belo Monte não existe e foi duramente questionada pela sociedade no processo de licenciamento, principalmente no que diz respeito aos impactos em terras indígenas. A Licença Prévia, que é a primeira e que habilita o empreendimento para o leilão de venda de energia, contrariou o parecer dos técnicos e foi concedida por pressões políticas do governo brasileiro. Foram apontadas 40 irregularidades no projeto de Belo Monte e essas irregularidades se transformaram em condicionantes que deveriam ter sido cumpridas antes que as obras tivessem início.  

Mauro Villone: Os benefícios em termos de energia, o que naturalmente não há lugar em nossa visão justificar a intervenção, ainda estariam significativos?

Telma Monteiro: O governo adquiriu a energia de Belo Monte para os próximos  30 anos. Vai conceder um  desconto de 75% no imposto de renda para as empresas do consórcio construtor durante dez anos, além de taxas e impostos durante as obras. O BNDES, banco do governo, vai financiar a construção de Belo Monte com juros mais baixos que os de mercado; com o desconto do IR, a isenção dos impostos e o financiamento de 80% de Belo Monte por um banco público, a energia, na verdade é muito mais cara. Belo Monte vai custar tão caro e tem tantas incertezas sobre qual quantidade de energia que vai gerar,  que torna inviável sua construção e futura operação. O próprio Tribunal de Contas da União do Brasil já havia questionado os valores apresentados pelas autoridades do governo e os custos ambientais e sociais para construir Belo Monte. É  impossível contabilizar os custos de todos os impactos que destruirão aquela região do Xingu e contabilizar também os custos das medidas necessárias para corrigir os impactos que devem afetar a sobrevivência dos povos indígenas e das populações tradicionais,  como a perda do turismo, da atividade pesqueira, da cultura, dos laços sociais e familiares. Não estão sendo contabilizados também os problemas como contaminação dos poços de água, da perda da biodiversidade, de enchentes graves ou de secas piores que podem alterar para sempre os rios da região e levar à extinção da flora e da fauna.

Mauro Villone: Quanto à corrupção generalizada no governo brasileiro, vai influenciar a situação?

Telma Monteiro: O papel do Estado brasileiro é resolver as deficiências regionais  de  saúde, educação, esgoto, água, estradas , pois para isso o povo brasileiro paga impostos altíssimos. No caso de Belo Monte e de outras grandes hidrelétricas na Amazônia o que tem acontecido é que o Estado está passando essa responsabilidade para as empresas com o objetivo de obter a aprovação da sociedade. Quando as empresas se prestam a resolver essas deficiências, na verdade estão colocando adicionando nos custos do empreendimento  e o cidadão brasileiro acaba pagando duas vezes: uma quando paga seus impostos embutidos nos preços dos alimentos, eletrodomésticos ou do desconto do Imposto de Renda na fonte e outra quando o governo está ofertando uma energia mais cara para que as os interesses das empreiteiras que custeiam campanhas eleitorais milionárias façam papel dos administradores públicos e construam escolas, postos de saúde, hospitais. Mas no final  essas são promessas que não são cumpridas e os cidadãos da região pagaram duas vezes por aquilo que não receberam. As autoridades do setor elétrico brasileiro têm interesse em facilitar a construção de hidrelétricas, pois são grandes obras feitas por empresas privadas associadas a empresas estatais, financiadas com dinheiro público e que não sofrem controle e fiscalização. Não há transparência. O povo brasileiro não está ameaçado por falta de energia, não vai haver apagão. O governo brasileiro usa essa história do apagão como desculpa para construir grandes hidrelétricas que só serão importantes para grandes empresas que exploram os recursos naturais para exportar produtos que precisam ser fabricados com o uso de muita energia. As obras de grandes barragens são importantes para as grandes construtoras e fabricantes de cimento que acabam financiando campanhas eleitorais. O crescimento da economia não depende da construção de hidrelétricas e a sociedade precisa participar da escolha do modelo de desenvolvimento aproveitando este momento da Rio+20:  usando energia genuinamente limpa como eólica, fotovoltaica. Não é preciso construir usinas termelétricas a carvão e a óleo diesel se forem feitos investimentos em manutenção das linhas de transmissão, que amargam 17% de perdas, recuperação das antigas usinas hidrelétricas que já perderam sua capacidade de geração e investimentos em programas de eficiência energética e combate ao desperdício.

Mauro Villone: Porque o governo brasileiro, em sua opinião, não tem sensibilidade suficiente para estar ciente destes problemas?

Telma Monteiro: O governo brasileiro tem e sempre teve conhecimento do problemas que aconteceram e que estão acontecendo em Belo Monte. Os operários nos canteiros de obras entraram em greve neste final de semana porque os salários são ruins, porque têm dificuldades nos alojamentos, no transporte até as obras que são distantes e de difícil acesso. Os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho.

Mauro Villone: Rio + 20 servirá para alguma coisa ou serão apenas palavras?

Telma Monteiro: Se o Brasil pretende se confirmar como liderança em energias limpas na Rio+20, deveria começar por levar e discutir com seus parceiros estratégicos propostas consistentes sobre conservação e eficiência energética, descentralização da geração e uma matriz de transportes coerente com essa postura.  Postar-se como o grande detentor da matriz mais verde do mundo é uma falácia. Um momento tão propício como esse é tudo que o mundo anseia para rever o modelo de crescimento que está levando o planeta para o ponto de onde não será possível retornar.  Belo Monte é o mais exemplo de como as autoridade o governo do Brasil mentem para o resto do mundo. Criou uma imagem que não condiz com a realidade.

Mauro Villone: Além do dano local, no prejuízo humano e ecológico, a barragem é um dano também para a cultura mundial? Se assim for, por quê?

Telma Monteiro:  O Brasil com a construção de Belo Monte é o retrato da falta de cultura. Falta de cultura no sentido de buscar um modelo de desenvolvimento baseado em energias alternativas que mantenham os recursos naturais da Amazônia e que sirva de exemplo para o resto do mundo. Belo Monte não passa de um pote no final do arco-iris, pois não existe, é irreal no propósito de suprir o Brasil de energia limpa. O Brasil hoje é um factóide e por ser um país líder na América do Sul, não está desempenhando o verdadeiro papel importante que lhe cabe: o de referência internacional em sustentabilidade.

Mauro Villone: O que fazer para difundir o conhecimento sobre esta situação de exploração global (que não é apenas sobre Belo Monte, mas situações diferentes do planeta)?

Telma Monteiro: Isso que estamos fazendo aqui, divulgando a verdade, contrapondo as mentiras difundidas pelo governo brasileiro. Temos que insistir na transparência dos governos e na fusão de organizações internacionais voltadas para salvar o planeta Terra. Essa situação vivida em Belo Monte, na Amazônia, é um câncer que se alastrará se não mostramos a verdade.  Temos que desmistificar essa imagem de “bom moço” que o Brasil tenta passar, pois subjugar seus povos e destruir os ecossistemas não merece aprovação do resto do mundo.

Mauro Villone: A FUNAI o que está fazendo?

Telma Monteiro:  A Funai é um órgão do Estado brasileiro e segue o caminho que lhe é determinado pelas altas patentes do governo. A Funai não tem estrutura para arcar com todos os problemas que vêm acontecendo com as demarcações de terras dos povos indígenas, não consegue acompanhar e fiscalizar a presença devastadora de projetos que devem destruir a vida dos índios. A Funai é refém dos interesses do governo e sua ação está limitada à burocracia governamental. 

Mauro Villone: Qual a real é a posição da Dilma e do Governo?

Telma Monteiro: Dilma é retrógrada e está conduzindo o país para um apagão de inteligência. Rever as políticas energéticas adotadas nos últimos 20 anos, também seria um exercício digno de nação líder que pretende galgar o quinto lugar entre as maiores economias do mundo.  Dados comparativos mostram que a energia hidrelétrica  já ocupa uma posição secundária (inclui os países ricos já tenham esgotado seus potenciais de hidroeletricidade), mas o Brasil continua impondo um modelo como o de Belo Monte que desconsidera, por exemplo, as mudanças climáticas que já alteram o regime de águas nos rios da Amazônia.  Apresentar uma análise mais abrangente das alternativas genuinamente limpas que complementariam as usinas hidrelétricas existentes seria um bom exemplo de como começar a discussão na Rio+20.

Mauro Villone: Se houver outras declarações que ele queria fazer você poderia por favor escrever livremente.

Telma Monteiro: Querido Mauro, acho que já disse tudo!

Mauro Villone: Obrigado

Entrevista enviada pela Autora e originalmente publicada em seu blogue pessoal.

EcoDebate, 30/04/2012

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