Vinte anos de Agenda 21 e nada a festejar. Diretor do Pnuma diz que países falharam na implementação
Vinte anos depois de sua criação, o diagnóstico da Agenda 21 é de fracasso na prática. O documento surgiu como um dos mais importantes da Rio 92 e seria um instrumento para dar direção a governantes em busca do desenvolvimento sustentável. Mas ficou no mundo das ideias. Essa é uma das principais críticas de especialistas convidados a fazer um balanço desse período, confirmada pelo diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) Achim Steiner, que esteve no Brasil na semana passada. Além da Agenda 21 global, países e cidades pelo mundo inteiro fizeram seus próprios documentos – só o Brasil tem 1.300 agendas, 21 locais -, mas pouca coisa saiu do papel, e são exceções os locais onde a população se apropriou delas. A Rio+20 é, para o próprio Steiner, a chance de dar gás à ferramenta. Isso, se os líderes definirem estratégias para colocá-la em prática.
– A implementação da Agenda 21 fracassou. O desafio da Rio+20 vai ser descobrir como implementá-la. Não podemos cair no erro de deixar este documento de lado e criar algo novo, temos que discutir os erros. Há milhares de documentos locais criados, mas na prática poucos foram para frente.
Segundo Steiner, a Agenda 21 motivou mudanças importantes em alguns locais, mas elas foram acompanhadas de desafios ainda maiores, já que, nos últimos vinte anos, a produção e o consumo no mundo cresceram exponencialmente e o impacto da humanidade só aumentou. As emissões subiram, a biodiversidade diminuiu, há cada vez mais gente passando fome. Para o chefe global do Pnuma, na Rio+20 os líderes precisariam voltar a fazer perguntas fundamentais sobre as prioridades de investimentos mundiais para pensar um novo modelo econômico e a implementação das agendas:
– Investimentos em fontes de energia renováveis estão na casa dos US$60 bilhões. Mas os recursos para combustíveis fósseis são de US$600 bilhões. Ou seja, não estamos mudando a matriz. O mesmo acontece com a agricultura em vários países. O Brasil avançou em muitos aspectos, mas continua investindo em monocultura, minando solos férteis.
Ele citou, no entanto, bons exemplos de implementação da Agenda 21. Entre eles, a única cidade brasileira foi Curitiba, por conta dos avanços em mobilidade urbana. Nova York, segundo Steiner, está se tornando modelo na implantação de vias para bicicletas, e a cidade de Gothenburg, na Suécia, acabou com aterros sanitários e produz gás que abastece casas com lixo orgânico.
O documento, escrito a centenas de mãos durante a Rio92, dava o direcionamento para o desenvolvimento sustentável em várias áreas, apontando necessidades mundiais, como cooperação internacional entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; combate à pobreza; mudança nos padrões de consumo; promoção nas condições de saúde humana; combate ao desmatamento ; mecanismos de financiamento; equidade de gênero, entre outros. E a proposta era que países e cidades fizessem seus próprios documentos também, já que as prioridades são diferenciadas.
No entanto, como na maior parte do planeta, no Brasil exemplos também são pontuais. Pouca gente sabe o que é Agenda 21 e são exceções os locais onde a sociedade civil se aproximou dela. De acordo com a Pesquisa de Informações Municipais (Munic) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 1.300 agendas 21 locais, num total de 5.565 municípios do país. Mas, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em mais da metade delas sequer foi formado um fórum de discussão – o primeiro passo após a criação da agenda.
Segundo o responsável pela Agenda 21 brasileira no MMA, o diretor de Cidadania e Responsabilidade Socioambiental Geraldo Abreu, o ministério tem registros de 600 fóruns municipais organizados, mas muitos deles ainda estão em fase de gestação. Abreu nega que o instrumento tenha sido um fracasso:
– A Agenda 21 brasileira foi implantada em 2003 e serviu de subsídio para políticas públicas de combate à pobreza, à desigualdade e ao desmatamento, por exemplo. Por outro lado, na área de resíduos sólidos andamos pouco, o transporte de massa é um problema e o próprio desmatamento ainda é grave.
Segundo Abreu, há cidades em que a Agenda 21 ajudou a resolver problemas sérios, como Ubatuba (SP), Contagem (MG) e Cubatão (SP) ( ver box). Um caso recente é o município de Congonhas, que está recebendo um complexo de mineração de um consórcio composto majoritariamente pela Vale e está construindo o documento. O governo local e a população estão construindo com a empresa exigências para garantir que a cidade será preparada para receber o empreendimento. A estimativa do ministério é de que a população municipal dobre, saltando de 40 para 80 mil em dez anos.
– Vai vir gente de tudo que é lugar em busca de trabalho. Tem que construir escola, hospital, asfaltar. Fazer a empresa e o município pensarem nisso é o papel da Agenda 21.
A construção da Agenda 21 Brasileira começou em 1996, coordenada pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS), dentro do MMA, e teve o envolvimento de cerca de 40 mil pessoas. O documento, no entanto, só foi concluído em 2002 e, um ano depois, foi inserido no Plano de Governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, foram criadas agendas locais. Mas, segundo o próprio MMA, muitos prefeitos e governadores sequer entendem a função da ferramenta.
O desafio, como explicou o ambientalista e ex-deputado Fábio Feldman no início do mês, no Seminário Diálogos para a Prática do Desenvolvimento Sustentável, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), é olhar para questões globais e usar a Agenda 21 para resolvê-las de forma local:
– A agenda 21 é mais fácil de falar do que de praticar. Mas o instrumento foi um dos ganhos da sociedade civil na Rio92. Ela passou a ter voz.
Mais informações sobre a Agenda 21 brasileira e as locais estão no site mma.gov.br. Já a agenda global está disponível no unep.org.
Matéria de Marcelo Motta, em O Globo, socializada pelo ClippingMP.
EcoDebate, 25/04/2012
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