Matriz energética em debate: Impasses e alternativas
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das “Notícias do Dia’ publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, com sede em Curitiba-PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
Sumário
Matriz energética em debate
A crítica de Dilma: ‘Não dá para discutir a fantasia’
Uma crítica conservadora
Matrizes alternativas. Fantasia ou ousadia?
Energias alternativas já são uma realidade no Brasil
Proliferação de hidrelétricas e de problemas
A crise do capitalismo é também a crise energética
Dos velhos aos novos paradigmas energéticos
Matrizes energéticas a serviço de todos
Romper com as concepções conservadoras
Eis a análise.
O mundo é cada vez mais voraz, insaciável e sedento por energia. O Brasil não foge à regra. É nesse contexto que se deve compreender a fala da presidente Dilma Rousseff na semana passada ao afirmar que não se pode discutir “fantasias” na área energética. O recado da presidenta foi dado aos movimentos sociais que criticam a proliferação de hidrelétricas. Para os movimentos, entretanto, a crítica da presidenta é conservadora, presa à sociedade industrial, de quem não percebe que é possível apostar e investir em matrizes alternativas e inovadoras.
A crítica de Dilma: ‘Não dá para discutir a fantasia’
Faz poucos dias, a presidenta Dilma Rousseff mandou um recado aos que contestam o modelo energético brasileiro. A presidenta disse que pessoas contrárias à construção das hidrelétricas na Amazônia vivem num estado de “fantasia”. Segundo a presidenta, “ninguém numa conferência dessas [Rio+20] aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Ela não tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou falando da fantasia”, afirmou Dilma.
A fala de Dilma foi uma resposta ao pronunciamento dos movimentos sociais que acusam o governo de promover um retrocesso na agenda ambiental. No passivo ambiental se encontram a flexibilização do Código Florestal, a construção de grandes hidrelétricas nos rios Madeira, Xingu, Tapajós, Teles Pires e, agora, Araguaia na região da grande Amazônia e uma série de outros temas destacados em Carta escrita por diversas organizações da sociedade civil alertando a sociedade brasileira sobre retrocessos constatados na área socioambiental.
Faz tempo, parte do movimento social brasileiro – movimento ambientalista, pastorais sociais, movimento indigenista e até mesmo o MST – critica a forma como o governo trata a agenda socioambiental.
Por um lado, dizem esses movimentos, a agenda ambiental se tornou secundária junto ao governo e nos grandes embates e conflitos travados entre os setores conservadores e progressistas (ruralistas x movimentos sociais), o governo apenas arbitra e não toma posição clara, vide o caso do Código Florestal. O governo trata o tema ambiental com certo aborrecimento, algo que lhe cria problemas e divide a sua base de apoio política. Trata-se de uma agenda negativa. O governo apenas reage e não é proativo.
Por outro lado, segundo os mesmos movimentos sociais, a raiz das tensões dos conflitos ambientais está no modelo neodesenvolvimentista que se assenta nas bases produtivista e consumista. É nessa perspectiva que se compreende os pesados investimentos nas matrizes energéticas fósseis, nuclear, hidrelétricas e biocombustíveis.
Dilma diz que como presidenta, tem de explicar como as pessoas vão comer, ter acesso à água e energia. “Eu não posso falar: ‘Olha, é possível só com eólica iluminar o planeta.’ Não é. Só com solar? De maneira nenhuma”. A “fantasia” dos movimentos sociais a que se refere a presidenta, é que os mesmos só sabem criticar e isso é posição de quem não tem o compromisso e a preocupação com a realidade de administrar um país com toda a complexidade que exige.
Na cabeça de Dilma, o não investimento nas hidrelétricas e daí a obsessão por Belo Monte, tratada como “decisão do Estado”, é o risco do país parar mais à frente. As críticas às hidrelétricas são respondidas com o fantasma do “apagão” ou a opção, ainda pior, de se investir mais em termoelétricas e em energia nuclear. A decisão do governo de leiloar usinas na Amazônia é de que o país precisa agregar de 3.000 a 4.000 MW por ano na oferta de energia sob o risco de colapsar mais à frente.
Nesse sentido, os movimentos sociais que criticam as matrizes energéticas centralizadoras e poluidoras (fósseis), perigosas (nuclear) ou devastadoras do meio ambiente (hidrelétricas) são vistos como ingênuos e descomprometidos com o Brasil real, aquela que já é a 6ª economia, não pode parar e para tanto precisa de mais e mais energia.
Olhando a partir dessa lógica, as posições da presidente são coerentes. Para ela “não é com vento” [palavras suas] – energia eólica – que vamos dar conta da demanda crescente por energia. No Brasil, particularmente, a crescente demanda por energia está associada ao crescimento econômico, ao aumento do poder aquisitivo da população que vem aumentado o seu padrão de consumo, seja através da compra de carros, aparelhos eletrodomésticos e viagens.
Uma crítica conservadora
Os países em todo o planeta perseguem obsessivamente o aumento da geração de energia para dar conta da crescente demanda da produção e do consumo. A crise energética não é um problema brasileiro, ela se coloca como um dos temas centrais da agenda mundial e está intimamente ligada às crises climática, alimentar e mesmo financeira.
O fato incontestável é que o mundo é cada vez mais voraz, insaciável e sedento por energia. Essa obsessão, entretanto, apresenta graves implicações para o conjunto da sociedade. Levado às últimas consequências, a exploração sem limites dos recursos naturais para suprir as demandas por energia pode levar o planeta a um impasse. Já é conhecida a equação de que crescimento infinito com recursos finitos não fecha. Não se pode querer crescer infinitamente quando se sabe que os recursos são finitos.
É aqui que entra a contribuição do movimento social taxado muitas vezes de ingênuo e fantasioso. É o movimento social, parte dele, que chama a atenção para esse impasse, para a insanidade da exploração sem limites num planeta que já apresenta sinais de exaustões.
É necessário e está na hora de enfrentar o problema das matrizes energéticas. As críticas ao programa nuclear, à proliferação de hidrelétricas com todas suas implicações ambientais e sociais, ao programa do etanol, ao pré-sal não podem ser simplesmente desqualificadas com o argumento do descompromisso com o “real”.
Tratam-se de críticas pertinentes que procuram olhar o Brasil para mais além do imediato. Os movimentos – não são todos – que criticam o modelo neodesenvolvimentista não são ingênuos, tem consciência de que a curto prazo não se pode escapar das opções energéticas que aí estão, entretanto, cumprem o importante papel de alertar e chamar a atenção para o fato de que existem alternativas.
A desqualificação que Dilma faz das energias solar e eólica não contribuem para o debate, é uma crítica conservadora, uma visão presa à sociedade industrial, de quem não percebe que é possível e importante apostar e investir em matrizes inovadoras. É esse fato que irrita os movimentos ambientalistas. O governo brasileiro com toda a potencialidade que possui na área energética coloca-se de costas para as experiências alternativas. Não investe e não aposta naquilo que poderá ser o futuro em matéria de matrizes energéticas.
Matrizes alternativas. Fantasia ou ousadia?
“Fantasia é fazer de conta que não há limites”, alerta Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis. Segundo ele – que já concedeu entrevista ao IHU – priorizar a sustentabilidade “não é uma questão de fantasia, mas de ousadia”.
Aron Belinky argumenta que o modelo de desenvolvimento do governo Dilma Rousseff carece de visão de longo prazo: “É um modelo que simplesmente reproduz o que já foi feito no passado, fazendo de conta que não há limites para o planeta. Isso sim é uma fantasia”. Para ele, “o Brasil tem uma oportunidade estratégica de se desenvolver num padrão novo de sustentabilidade, integrando o desenvolvimento econômico, social e ambiental num só modelo”.
Com relação às hidrelétricas, Belinky disse que é preciso priorizar, também, medidas de eficiência energética, que permitam usar de maneira mais eficiente a eletricidade que já é produzida – diminuindo, assim, a necessidade de grandes obras na Amazônia, que, apesar de produzirem uma energia de baixo carbono, têm grandes impactos sobre a biodiversidade e as comunidades tradicionais da floresta: “Há várias inovações que podem ser incorporadas ao sistema de produção de energia sem a necessidade de grandes obras”.
O jornalista e ambientalista Washington Novaes lamenta a fala da presidenta: “Pena que num momento como este nossa presidente da República atribua a ‘fantasias’ as críticas de vários setores à construção de hidrelétricas como Belo Monte e outras amazônicas e diga que essas elucubrações distantes da realidade não serão discutidas na Rio+20”. Segundo ele, “não há outro caminho” frente ao impasse da crise climática a não ser perseguir investimentos em matrizes energéticas alternativas.
Outra voz discordante à fala de Dilma de desqualificação às energias eólica e solar é do assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, Ivo Poletto. Diz ele: “Permito-me discordar frontalmente da presidente, e o faço como eleitor que ajudou a confiar-lhe a responsabilidade da Presidência, e como pessoa que estuda essa questão da energia tendo presentes os desafios que a Terra e todos os seres vivos enfrentam na atualidade, desafios que se agravarão muito se forem mantidas as atuais fontes de geração de energia elétrica, e mais ainda se aumentar o consumo desta energia para favorecer iniciativas de produção de commodities que visam exclusivamente o aumento de lucros”.
Para Poletto, “enquanto em muitas partes do mundo se avança na substituição das energias poluidoras por energia solar e eólica, no Brasil teima-se em continuar acomodados no uso do que resta de rios e córregos, construindo barragens que, comprovadamente, colocam em risco tudo que caracteriza os próprios rios, expulsam povos e comunidades ribeirinhas, destroem florestas, cobrem vales e geram quantidades imensas de metano, um gás que provoca mais aquecimento da atmosfera do que o dióxido de carbono”.
Na opinião do jornalista e ambientalista, Sérgio Abranches, as críticas de Dilma Rousseff caracterizando como fantasia o uso extensivo de energia solar e eólica não procedem. Segundo ele, os EUA, um país refratário ao discurso das mudanças climáticas, vem dando fortes incentivos para energia solar fotovoltaica e eólica e que as mesmas dão retorno social, na forma de novos empregos de qualidade, e econômico, propiciando ganhos financeiros e estimulando amplas parcelas do setor produtivo.
Energias alternativas já são uma realidade no Brasil
A ideia da inviabilidade da energia eólica e solar já não se sustenta. O Brasil, mesmo e apesar da descrença do governo brasileiro, é uma prova disso. A energia eólica vem crescendo no Brasil, apesar do ceticismo do governo. “As críticas de Dilma só reforçam a necessidade de desmistificar a concepção de que só teremos luz em nossas casas se construirmos grandes hidrelétricas, como Belo Monte”, afirma Sérgio Leitão, Diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil. O Brasil tem potencial para ser o primeiro país a ter toda a sua matriz energética proveniente de fontes renováveis e limpas e deve dar o exemplo de que desenvolvimento sustentável é possível, afirma ele.
O parque elétrico brasileiro é majoritariamente hidrelétrico e a energia gerada por hidrelétricas corresponde a mais de 80% de toda a matriz elétrica do país, o que não significa que este seja o melhor modelo de produção de energia. “Esse modelo de obras faraônicas causa profundos impactos socioambientais e precisa ser abandonado”, disse Leitão. Só o potencial de energia dos ventos, de acordo com o Ministério de Minas e Energia, é de 143 Gigawatts, o equivalente à produção de dez Itaipus.
As energias alternativas já são uma realidade no Brasil. Projetos e investimentos desmentem a noção de que as fontes eólica e solar são ‘fantasias’ ou que ainda estão longe de serem competitivas, dando a esperança de que é possível uma geração mais diversificada e sustentável. “Existe muito forte no governo, e até na academia, um apego pelas energias tradicionais, seja por ideologia ou por interesses econômicos. Isso de certa forma impede uma renovação de conceitos e fatos”, diz Mauro Passos, presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas da América Latina (IDEAL).
Segundo ele, o Brasil vive no momento um boom de investimentos eólicos. A capacidade instalada passou de 22 MW em 2003 para 1.509 MW em 2011, com a previsão de alcançar 8.088 MW em 2016. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a eólica já é a segunda fonte de energia mais competitiva no país, perdendo somente para a hidrelétrica. Além disso, o Brasil pode passar a ocupar em 2013 a décima posição entre os maiores produtores de energia eólica do mundo.
O Brasil já é 10º em ranking de investimentos em renováveis. Apesar de a presidente ter colocado as energias renováveis, em seu discurso sobre a Rio+20 na semana passada, no contexto das “fantasias”, cada vez mais pesquisas revelam que o Brasil tem potencial para crescer como um gigante da energia limpa. De acordo com relatório da Pew Charitable Trusts, baseado nos dados da Bloomberg New Energy Finance, o Brasil ficou em 10º lugar em um ranking de investimentos em energia renováveis do G20 em 2011, chegando a US$ 8 bilhões no total.
O mercado está à frente da visão política, já percebeu que é um nicho que vem crescendo. Por outro lado, destaca-se a notícia que dá conta de que apesar dos resultados surpreendentes obtidos nos últimos leilões de energia, que levarão a investimentos de R$ 16 bilhões até 2016, os projetos eólicos se deparam com uma produção abaixo do esperado.
Proliferação de hidrelétricas e de problemas
Na mesma semana em que a presidenta Dilma criticava os que questionam a construção das hidrelétricas, uma série de notícias dava conta de múltiplos problemas envolvendo a construção das mesmas.
Segundo relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, vinte e duas das 27 hidrelétricas em construção estão atrasadas. Das 27 hidrelétricas, 13 não tiveram as obras iniciadas. A principal razão, segundo a Aneel, é a falta de licenças ambientais.
Entre estas grandes usinas em construção, destacam-se os problemas trabalhistas envolvendo Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO), e Belo Monte no rio Xingu (PA).
Sobre os incidentes envolvendo as usinas hidrelétricas no Madeira, afirma o Cimi: “O estado de Rondônia vive o pior momento de sua história”.
Sobre Belo Monte, o bispo dom Erwin Kräutler, uma das vozes mais duras contra o projeto, afirma que a “verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando ‘Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja’ foi pura mentira. Falou assim para ‘acalmar’ o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo!”, diz ele, narrando a visita pastoral, realizada no último mês de março, às comunidades do interior de Porto de Moz.
Entristecido, com o que acontece no Xingu, diz o bispo: “Pena que os homens não se deixam mais encantar pela obra de Deus. Vedaram seus olhos e taparam o ouvido. Não enxergam mais as flores, nem ouvem mais o canto dos passarinhos. O sol e lua não nascem, nem se deitam mais! É a rotação do planeta Terra, pronto! Contemplar a natureza é perder tempo e dinheiro. Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros”.
Em outra parte da Amazônia, outra hidrelétrica causa apreensão, a usina projetada para o rio Teles Pires, na divisa entre o Mato Grosso e o Pará. Os índios caiabis, apiacás e mundurucus denunciam agressões. Os índios vivem na área de impacto da usina e denunciam terem sido agredidos verbalmente por trabalhadores da obra. Eles dizem que tiveram motores dos seus barcos roubados.
Diante da situação de graves ameaças à segurança física, cultural e territorial dos indígenas impactados pela usina de Teles Pires, no Mato Grosso, mais de 50 organizações encaminharam a autoridades nacionais e internacionais um apelo para que seja garantida a medida de segurança, através de liminar, tomada pela Justiça Federal.
Assim como no caso de Belo Monte, os indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaka não foram ouvidos antes do licenciamento da obra da usina, que ameaça seu território, patrimônio cultural e espiritual, e sua segurança alimentar.
Em meio a tantas usinas em construção ou projetadas para a Amazônia, mais uma foi anunciada: a construção da hidrelétrica de Santa Isabel no rio Araguaia, na divisa do Tocantins e do Pará. Estudada há mais de 40 anos, a usina de Santa Isabel desperta polêmica.
A usina está prevista para ser construída no local que esconde um dos sítios arqueológicos mais ricos do país – a chamada Ilha dos Martírios, onde já foram identificadas mais de 3 mil gravuras rupestres, deverá ficar completamente embaixo d’água, após o enchimento do reservatório da usina. No seu caminho também fica a região que serviu de palco para a Guerrilha do Araguaia, no fim da década de 1960. O lago poderá cobrir os corpos de guerrilheiros.
A obsessão do governo em construir usinas hidrelétricas na Amazônia já impôs a redução de 1.032 quilômetros quadrados da área de cinco unidades de conservação na floresta, abrindo caminho para duas novas usinas.
A crise do capitalismo é também a crise energética
A crise financeira, que tem pautado os debates no mundo todo, parece estar longe de ser solucionada dentro do pragmatismo político dos governos tecnocratas, que lideram as principais economias do planeta e que, ainda, estão atrelados, em grande medida, com as mesmas matrizes energéticas do capitalismo industrial do século passado.
Não obstante, já não há tempo suficiente, diante das grandes mudanças climáticas, para práticas estreitas e pontuais, na resolução de problemas provenientes dos fortes abalos sofridos pela economia mundial, que insiste em ações predatórias ou pouco sustentáveis sobre os recursos naturais. Economistas preocupados, com os desafios postos para este século, apontam a necessidade de novas respostas no enfrentamento dessa crise sistêmica, ou seja, ela não pode ser resolvida somente com medidas superficiais.
Para o economista e cientista político alemão, Elmar Altvater, a crise financeira não pode ser entendida separada das crises energética e climática. Neste cenário de crise sistêmica, permeado pela escassez de energias não renováveis e pelo aprofundamento da crise ambiental, em grande escala, um dos passos importantes seria abandonar o imbróglio da fixação na ideia de crescimento econômico.
Segundo Altvater, “até o início da era industrial a humanidade não conhecia crescimento. Aumentos de produtividade eram insignificantes, sendo geralmente impedidos para evitar as concomitantes mudanças sociais. Crescimento, portanto, só existe desde inícios do século XIX”. Não se trata, portanto, de algo inexorável dentro da história da organização da economia no mundo. Se o crescimento depende do suprimento de energias, em se tratando de energia fóssil já se aponta para o fim de uma era.
Do ponto de vista filosófico, diz Jeremy Rifkin, a superação dos velhos padrões de organização econômica, diante das emergências do momento, passa pelo rompimento das prisões intelectuais ainda herdadas do século XVIII, ou seja, de uma “tradição iluminista, do pensamento de Locke e de Adam Smith: aquele que nos representa o homem como um ser racional, materialista, individualista, utilitarista”. Esses princípios não correspondem à nova relação que o ser humano precisará adotar diante dos recursos naturais.
O economista americano insiste que o ciclo de crescimento, que se pensava inesgotável, acabou, pois, “fontes de energia, como carvão, petróleo e urânio, são de elite, não estão disponíveis em qualquer lugar, demandam investimentos políticos, militares e de capital”. Caso se permaneça na perspectiva dos que insistem com os velhos padrões sociais, será “impossível que seis bilhões de pessoas enfrentem a escassez de recursos naturais” e se voltem para os interesses da biosfera.
Ao contrário das velhas matrizes energéticas, segundo Rifikin, “a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar”. Daí, a oportunidade de se gestar novos paradigmas.
Dos velhos aos novos paradigmas energéticos
Para uma possível mudança paradigmática, que substitua as velhas matrizes energéticas, é necessário um amplo esforço mundial para a efetivação de novas formas de produção e consumo energético. Segundo Altvater, o uso de fontes de energias fósseis se coaduna com um sistema de imposição autoritária, causador de conflitos mundiais e do efeito estufa, além de ameaçar o surgimento, nas próximas décadas, do fenômeno dos refugiados ambientais.
Por meio de uma análise histórica, da relação entre energia e comunicação, Jeremy Rifkin assinala as distintas transformações na relação da sociedade capitalista industrial com as matrizes energéticas. No século XIX, com o barateamento da impressão, o letramento dos trabalhadores forneceu-lhes “habilidades para lidar com as complexidades das demandas energéticas da época – o carvão, o vapor”. No século XX, foi a vez do telefone contribuir na gestão e controle da chamada segunda revolução industrial, marcada pela era do petróleo e a do automóvel. Para os dias atuais, com a Internet, urge uma nova revolução, ou seja, a terceira revolução industrial. “A internet aparece como tecnologia de comunicação revolucionária, porque é distributiva e colaborativa, enquanto a impressão, a TV, o rádio eram centralizadas”.
Rifkin entende essa passagem, da segunda para a terceira revolução industrial, dentro de cinco pilares: “as fontes renováveis, a transformação das casas em centros de produção de energias graças às microcentrais domésticas; o hidrogênio para armazenar a energia fornecida pelo sol e pelo vento durante os horários de picos; a criação das “smart grids”, que são a internet de energia; os carros elétricos”.
Por meio das potencialidades valorativas do mundo da internet, Rifkin aponta para o surgimento de novos bens sociais, como “o direito de acesso ao conhecimento, a relação paritária, a troca de informações e de música, em breve a troca de energia”. Ela será, portanto, uma revolução na maneira de se pensar a produção, distribuição e consumo de energia, podendo se configurar num “ataque ao sistema baseado no autoritarismo, no poder hierárquico, na centralização”. Na nova cultura dos jovens internautas, Rifkin vislumbra a possibilidade de se construir uma sociedade baseada na transparência, descentralização e livre acesso às redes.
Nas relações sociais da Internet, o sistema vertical é substituído por um sistema horizontal. Assim também, Rifkin pensa na superação dos grandes oligopólios energéticos por fontes descentralizadas, criando-se a chamada democracia energética. Para isto acontecer, é preciso que haja um salto cultural e tecnológico, enfrentando-se desafios como: “desenvolver a pesquisa, inovar os materiais, multiplicar minas renováveis, criar mão de obra especializada na construção de novos sistemas, em sua instalação, na edilícia bioclimática”.
Dentro deste contexto, da democracia energética, a abordagem do físico Heitor Scalmbrini aponta para novas atitudes e enfoques no enfrentamento da questão energética. Para o físico, “o envolvimento da comunidade na discussão, no planejamento e na gestão democrática dos recursos energéticos é chave para a sua soberania e para a sustentabilidade, e uma opção de resistência aos modelos centralizadores de recursos e poder que impõe aos povos altos custos econômicos, ambientais e sociais em troca do acesso a este bem de interesse comum que é a energia e que, portanto, deveria ser um direito de todo o cidadão, assim como direito a uma vida digna num ambiente saudável”.
Matrizes energéticas a serviço de todos
Pensar as matrizes energéticas, portanto, não pode ser resumido ao atendimento dos interesses das grandes corporações econômicas, dos projetos megalomaníacos, dos anseios de consumo, por exemplo, das novas classes emergentes em países como Brasil, China e Índia. Esse modelo, do qual os Estados Unidos não serve para ser seguido, deixou uma grande dívida ambiental para o mundo, ameaçando o futuro da própria espécie humana.
No entendimento do professor argentino Walter Pengue, diretor do Programa de Atualização em Economia Ecológica, “a humanidade deverá começar a pensar seriamente seu modelo de consumo. Nestes tempos, não tem triunfado nem o capitalismo nem o comunismo. O principal ganhador é o consumismo, a ameaça mais grave sobre os recursos naturais da terra”.
Na América Latina, por exemplo, o “desenvolvimento regional deveria ser a premissa dos governos”, ao invés de só pensarem “nos mercados de exportação, que são pão para hoje e muita fome para amanhã”. Destaque-se que em nosso continente, a matriz energética encontra-se na raiz de muitas tensões sociais envolvendo os governos progressistas e os de direita.
Nessa busca desenfreada por novas fontes de energia, segundo o pesquisador Marcelo Firpo Porto, há uma discriminação sofrida pelos “povos tradicionais, sejam eles indígenas, quilombolas, pescadores, geraizeiros e outros tantos, desprezados em seu modo de viver em estreita relação com os ecossistemas locais quando da instalação de empreendimentos como hidrelétricas, mineração ou expansão do agronegócio”.
Ainda, segundo Porto, “os movimentos por justiça ambiental vem se constituindo num importante exemplo de resistência, através de ações em redes que articulam lutas locais e globais, frente aos efeitos nefastos de um capitalismo globalizado, o qual utiliza sua crescente liberdade locacional de investimentos entre regiões e planetas para inibir a construção de parâmetros sociais, ambientais, sanitários e culturais direcionadores do desenvolvimento econômico e tecnológico”. A grande questão está em como e quantos estão interessados em virar esse jogo.
Romper com as concepções conservadoras
Chama a atenção no debate das matrizes energéticas a pouca diferenciação entre as posições da esquerda e da direita. A concepção marxista aproxima-se da concepção liberal. Ambas as concepções partem do pressuposto de que o crescimento econômico é indispensável e tudo, ou quase tudo, justifica essa lógica.
Nesse contexto, para a esquerda é tarefa do governo criar condições estruturais para o crescimento econômico e de responsabilidade estatal o investimento em mega-obras de infraestrutura e/ou exploração e financiamento das matrizes energéticas: petróleo, gás, hidrelétricas, nuclear, biocombustíveis; já para a direita esse protagonismo deve ser orientado pelo mercado.
Essa visão está ultrapassada, tendo em vista a crise climática e considerando-se, sobretudo, que estamos superando a sociedade industrial, contexto epocal em que viveram Adam Smith e Marx. Agora, a nova revolução produtiva em curso, a revolução informacional oferece-nos outras alternativas, inclusive, em matéria de matriz energética como enfatiza Jeremy Rifkin, entre outros, destacados anteriormente.
(Ecodebate, 17/04/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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O texto, como um todo, é bastante interessante. Discordo, entretanto, cabalmente de algumas colocações (pontuais).
Primeiro: o consumismo, tal qual se configura atualmente, é um traço constitutivo do capitalismo hegemônico, e não algo diferente dele, como o texto deixa entender – o que não significa que experiências pontuais diferentes disso não possam acontecer.
Segundo: se é fato que a opinião de muitos “sujeitos de esquerda” (e que se encontram em espaços institucionais) pouco difere de posicionamentos da direita na área energética, ou mesmo econômica, é justamente deste campo que parte a crítica ao modelo posto. E aqui, friso algo muito importante: para mim, o PT deixou de ser um partido de esquerda – ainda que possam existir pessoas dentro dele que o sejam.
Por fim, faz-se ainda uma confusão entre esquerda e marxistas que pouco ajuda. E graças a ela, atribui-se aos marxistas o apego incondicional ao crescimento econômico, desconsiderando os avanços deste campo na incorporação da questão ambiental. Se é verdade que alguns ainda tem esse apego, quase a priori, com relação à necessidade de crescimento econômico (e, neste caso, o entendimento e a apropriação do marxismo é defeituosa), exemplos como um dos autores citado no próprio texto e o nome de Michel Löwy (e o debate sobre o ecossocialismo) colocam, pelo menos em xeque, a generalização feita.
Fica a consideração.
O consumismo instaurado em nome do crescimento econômico dos países é o responsável pelo consumo energético. Ou seja, nós somos os responsáveis, pois somos consumidores. Nos moldes desse sistema as energias alternativas não dão conta. Além do mais, alguém já estudou o impacto da modificação na força cinética dos ventos ao cruzarem os cataventos geradores? Já foi calculada a absorção de calor pelas placas de captação solar (fotovoltaicas)? Não há sustentabilidade em nosso modelo econômico. Creio ser esse o ponto central de toda discussão.
Prezados
O básico é entender que petróleo não acaba e que a queima de seus derivados posterga o fim da vida no planeta , fim este que é impossivel de ser evitado. Vamos queima derivados de petróleo.
Entender a Inesgotabilidade do Petróleo é tão simples que choca bastando, para tal, umas poucas linhas e não mais que 3 minutos de leitura.
Em primeiro lugar temos que incorporar a seguinte verdade da natureza, qual seja. Assim que terminou o processo de consolidação da crosta terrestre, a quantidade de oxigênio na atmosfera era NULA. Eu estava lá para medir ? Alguém mediu ? NÃO.
Temos, hoje, uma evidência material deste fato que é a presença de carbono livre na natureza e na forma que as mulheres adoram e os homens elegantes acentuam sua elegância, ou seja, diamante. Há também o grafite que só menino é que gosta dele para riscar papel e paredes.
Se há carbono livre e porque faltou oxigênio para oxidá-lo e formar gás carbônico. O oxigênio oxidou boa parte dos elementos químicos, a começar pelo hidrogênio, resultando a água. Depois foi a vez dos metais dando todos os óxidos conhecidos e por último os não metais onde o carbono está inserido. Não há silício livre na natureza pois todo ele foi oxidado dando origem ao SiO2, óxido de silício. Então se há carbono livre na natureza é pelo fato do oxigênio ter acabado, logo após o término do processo de consolidação da crosta terrestre. A partir deste ponto, a quantidade de oxigênio só fez aumentar.
Se examinarmos a natureza, sem emoção, com olhos agudos, não contemplativos e sem apelos religiosos ou bíblicos, vamos concluir que só existe uma reação natural que envia oxigênio para a atmosfera e essa reação é a da fotossíntese que nada mais é do que a origem e crescimento das plantas e, consequentemente, da VIDA.
E todas as plantas geradas pelo sistema foram levas pelos riachos e rios para os locais chamados de bacias de sedimentação onde elas se transformaram, ao longo do tempo, em petróleo.
Os animais respiram o ar atual que é composto de 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio, 0,9% de argônio, 0,03% de gás carbônico e o resto por outros gases, ditos nobres.
Caso esta composição for modificada, por exemplo, pela queima dos combustíveis fósseis, poderá haver redução de oxigênio na atmosfera de modo a causar a morte dos animais por falta de oxigênio pois a queima dos combustíveis, como a de qualquer outro hidrocarboneto, consome oxigênio.
Assim sendo, podemos concluir se todo o petróleo gerado pelo sistema, algo ao redor de 5,5 QUATRILHÕES de barris, eu escrevi QUATRILHÕES, não é engano não, estivesse à superfície para se queimado os animais morreriam pela redução do oxigênio na atmosfera antes do fim do petróleo.
Basta reduzir a quantidade de oxigênio na atmosfera em 1 ou 2% que todos os animais morrem. Basta fazer uma experiência em laboratório colocando num ambiente fechado, vários animais da mesma espécie, instalar um cromatógrafo e verificar que os animais, aos poucos, irão morrendo. Assim que morrer o primeiro, basta ler a composição do ar e ver que ela está ao redor de 19 a 20%, não mais.
Apesar de 160 anos de atividade petrolífera, os humanos só tocaram em 0,16% de todo o petróleo gerado pelo sistema. Não confundir o volume de petróleo conhecido com o volume gerado pelo sistema. Vamos pesquisar, extrair e queimar petróleo ( derivados ) pois nada melhor do que consumir um produto que não acaba.
Cumpre, entretanto, chamar a atenção para mais um ponto. É evidente que se todas as sondas que procuram petróleo pararem de trabalhar, o petróleo conhecido acaba, mas o existente NÃO.
Para entender a Inesgotabilidade, estas palavras bastam. Entretanto há mais benefícios oriundos da queima de produtos orgânicos, como os derivados de petróleo e lixo que serão fornecidos a quem se interessar pelo assunto.
Se está certo, divulgue. Se não está, diga porque não está certo, mostre o certo e divulgue, também.
Sds
Vicente