Rio+20: Mudar a abordagem sobre o desenvolvimento sustentável, artigo de Mark Stafford Smith
“O foco deve mudar da documentação dos problemas para o apoio a soluções”, diz Mark Staffird Smith, diretor científico da Comunidade de Pesquisa Científica e Industrial de Canberra, Austrália, e Vice-Presidente da Conferência “O Planeta sob Pressão”. Artigo* publicado na coluna “Visão Mundial” da Nature, de 22 de março.
[JC e-mail] Enquanto o mundo avança rumo à próxima grande cúpula ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, Brasil, em junho, autoridades e políticos pedem novas avaliações de nossa situação ecológica global.
Em janeiro, por exemplo, o painel sobre sustentabilidade global promovido pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, recomendou a elaboração de um “relatório periódico com a visão global do desenvolvimento sustentável, que reúna as informações e avaliações hoje dispersas entre as instituições e as analise de forma integrada”.
Eis uma resposta à pesquisa que mostra como a sociedade global está cada vez mais interligada e interdependente. O efeito cascata sobre a disponibilidade de terras e a segurança alimentar gerado pela mudança para os biocombustíveis, por exemplo, demonstra como as ações para combater as emissões de dióxido de carbono podem assumir outros objetivos.
Mas, nestes tempos difíceis, pode a comunidade científica fortemente pressionada apoiar novo processo de avaliação? E é isso, realmente, o que os formuladores de políticas precisam da pesquisa?
Os cientistas já estão ocupados falando em nome dos formuladores de políticas. Há o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); a Avaliação Ecossistêmica do Milênio; as avaliações das águas internacionais, montanhas e água fresca; a Avaliação Marítima Global; e a nova e importante plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas. Cada avaliação desempenha papel crucial na consolidação dos conhecimentos sobre os sectores específicos. Mas como ligar os pontos?
Em muitas áreas, as taxas de mudanças ambientais globais se aceleram, mas os processos decisórios se arrastam com baixa velocidade. Não há certeza de que outra avaliação convencional irá catalisar uma ação mais rápida. Assim, embora a comunidade científica deva se apoiar numa análise integrada, ela precisa ser feita de modo diferente.
Primeiro, o foco deve mudar da documentação dos problemas para o apoio a soluções. Isso requer interação forte e contínua entre os que trabalham em pesquisa aplicada estratégica e os que decidem na política, na indústria e na sociedade civil, adotando tanto decisões específicas (como o modo de enquadrar um acordo particular de comércio), quanto decisões de mais amplo contexto (interações entre o bem-estar nacional, os resultados ambientais e os fluxos econômicos).
Em segundo lugar, o processo deve promover respostas em todas as escalas, desde os governos nacionais e grupos regionais até as instituições da ONU. As soluções adequadas diferem de região para região, sejam elas baseadas em tecnologias específicas para a produção de energia ou o sequestro de carbono, ou em análises que abordem, em conjunto, água, energia e alimentos.
Por fim, o processo deve funcionar em todos os setores, através da análise simultânea, por exemplo, do impacto de uma política de migração sobre o meio ambiente e o bem-estar social. Para fazer isso de modo abrangente, a pesquisa deve também tornar-se mais integrada, abarcando as ciências naturais e sociais e as humanidades, a fim de que se entendam as implicações das mudanças.
Como isso poderia ser feito? Duas propostas já apresentadas para a Rio+20 podem ajudar: por meio do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da ONU (UNSDC, na sigla em inglês), diretamente subordinado à Assembleia Geral da ONU, e por meio de um conjunto de objetivos em desenvolvimento sustentável (SDGs).
A UNSDC poderia realizar análises estratégica da sustentabilidade global, bem como estabelecer e coordenar painéis de decisões específicas – pequenos grupos de trabalho mistos que incluam membros não-científicos, nomeados para relatar com rapidez questões específicas. Tais câmaras trabalhariam em todos os setores, de forma independente, mas pertenceriam ao conjunto de organismos mundiais como a Organização para a Alimentação e Agricultura da ONU, a Organização Mundial do Comércio, o Programa da ONU para o Meio Ambiente e o Banco Mundial.
Tal modelo deve ser replicado nos níveis regional e nacional, impulsionado pelas necessidades locais, com apropriação local. Uma coordenação lúcida do UNSDC garantiria boa comunicação e intercâmbio de ideias, e asseguraria que as atividades em uma região não levariam a resultados globais perversos – levando talvez as pessoas a se mudarem, distorcendo os preços ou gerando o uso excessivo de recursos.
Os SDGs poderia garantir que essas atividades integrem os três pilares da sustentabilidade – ambiental, econômica e social -, em vez de lidar com cada uma isoladamente, como fazem as metas atuais da ONU para o Desenvolvimento do Milênio. Os SDGs devem ligar os sectores, visando, por exemplo, melhorar o bem-estar sem danos ao meio ambiente, garantir a segurança alimentar sem comprometer a subsistência local e desenvolver ambientes urbanos habitáveis sem aumentar o uso de recursos.
Todas essas obras se baseiam em tendências existentes nas atividades de órgãos como o IPCC, mas precisamos de uma mudança rápida na evolução da relação entre a ciência e a tomada de decisões.
Países como a Austrália já falam em “sistemas de inovação nacionais”, que abrange a totalidade de seus esforços de pesquisa pura e aplicada e as interações destes com a tomada de decisões na indústria e no governo. É tempo de adotar um sistema de inovação global para apoiar uma tomada de decisões melhor coordenada e mais ágil sobre a sustentabilidade global em todas as escalas. Muito trabalho precisa ser feito com relação aos detalhes. Mas, se a ciência deve ser verdadeiramente útil à sociedade, é por isso que devemos lutar.
*Tradução de José Monserrat Filho
Artigo socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4468 e publicado pelo EcoDebate, 03/04/2012
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