Emprego doméstico é repleto de humilhações e desigualdades
Questões de gênero, raça e classe estão presentes nessa ocupação, que se reproduz por meio da desigualdade.
O emprego doméstico é um local em que podem se observar vários tipos de desigualdades, como as de gênero, classe e raça. Além disso, as domésticas ainda sofrem, cotidianamente, com as humilhações de suas patroas, que explicitam as desigualdades e as distâncias sociais. Isso é o que conclui o estudo Desigualdades em distâncias – gênero, classe, humilhação e raça no cotidiano do emprego doméstico, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa analisou o dia-a-dia de empregadas domésticas e como sua ocupação abrange as desigualdades.
O sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas entrevistou dez mulheres que trabalham como empregadas domésticas, além de duas empregadoras. Fora isso, ainda analisou cartilhas de etiqueta direcionadas às patroas (como o livro “Etiquetas sem frescuras”, de Cláudia Matarazzo), matérias jornalísticas sobre o tema e documentos de instituições que lidam com questões de Direitos Humanos.
Neste processo, o sociólogo percebeu como o emprego doméstico é um poço de desigualdades de todos os tipos. A esmagadora maioria de trabalhadores da categoria é formada por mulheres, o que denota uma desigualdade de gênero. Entre elas, a maior parcela é formada por mulheres negras (e nordestinas, no caso da cidade de São Paulo, que foi usada no estudo), estando presente a questão da raça. Todas elas também pertencem a uma classe econômica mais baixa, e a humilhação e o preconceito aparecem em decorrência de todos esses tipos de preconceito. As duas patroas entrevistadas pertencem à classe alta, mas segundo o autor do estudo, o universo dessas mulheres foi melhor abarcado pelos materiais secundários (as cartilhas e reportagens), até porque nem sempre elas gostariam de ter sua privacidade relacionada com a desigualdade.
Foi no decorrer das entrevistas que Freitas percebeu como a humilhação era um tema muito falado pelas trabalhadoras, e como ela está presente em tudo, sendo corroborada por várias situações. Para ele, essa questão está muito ligada à distância social entre as duas partes. Distância essa que é em certa medida necessária para a reprodução do emprego doméstico, pois a patroa precisa mostrar que ela é a patroa, é necessário mostrar quem manda.
“No emprego doméstico, temos dois grupos sociais distintos em um mesmo espaço físico, mas a distância social entre eles é muito grande. As empregadas se sentem humilhadas quando percebem a externalização dessa distância social, desse sentimento de “mostrar quem manda”, o que acaba entrando em contraste com o discurso feito por algumas patroas de que elas são da família”, diz. Esse jogo de pouca (“você é da família”) e muita distância social está em permanente movimento, pois é quando a patroa explicita a distância entre elas que aparece a humilhação e que começam os conflitos no ambiente de trabalho. “É por conta disso que os sindicatos da categoria tentam banir essa ideia de que elas são da família, mostrando que aquela é uma relação trabalhista como outra qualquer, o que na prática é muito difícil de acontecer, visto que ela se dá no âmbito privado”, acrescenta o pesquisador.
Preconceitos e cordialidade
Historicamente, o emprego doméstico começou a ser problematizado pelas feministas, que queriam mostrar as estruturas do patriarcado, como era da mulher a responsabilidade pelos problemas de âmbito privado (cuidar da casa). Mas o trabalho doméstico não é só uma questão de gênero.
Embora o problema da divisão sexual do trabalho exista, ele não é o único. Enquanto isso, o preconceito de raça é muito difícil de ser tratado em nossa sociedade pois, segundo o pesquisador, há uma tendência em achar que esse preconceito não existe mais. Afinal, afirmar que ele existe na vida privada é afirmar que ele não está extinto “e que nós não somos tão legais quanto pensamos”.
Para o sociólogo, “há um costume de se pensar que nós brasileiros somos cordiais e tratamos as pessoas muito bem, mas as humilhações sofridas pelas domésticas mostram que nós não necessariamente fazemos isso ou somos assim”. Por isso, uma grande contribuição de seu estudo, que foi orientado por Antonio Sergio Alfredo Guimaraes, é conseguir encadear na base do argumento muitas desigualdades do emprego doméstico e mostrar como ele pode abarcar vários tipos de preconceito. “Não a toa, muitas dessas mulheres querem mudar de emprego, porque essa é uma profissão muito estigmatizada. Algumas nem falam publicamente qual é a sua ocupação.”
Foto: sxc.hu
Mais informações: email jeffersonbelarminodefreitas@gmail.com
Matéria de Mariana Soares, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 02/04/2012
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